Catarina Reis
Catarina Reis
26 Jul, 2019 - 09:56

Biblioterapia: a leitura como atividade curativa

Catarina Reis

Biblioterapia é o uso de livros, de forma terapêutica, para atender e, preferencialmente, resolver os problemas ou desafios enfrentados pelos leitores.

Biblioterapia: a leitura como atividade curativa

O termo foi criado no início do século XX, mas nem por isso se encontra em desuso: a biblioterapia é a atividade através da qual, pela leitura, os leitores atendem a alguns dos desafios e problemas pessoas que enfrentam. Conheça melhor esta possibilidade de “cura pela leitura”!

Assim, a biblioterapia pode ser enquadrada no amplo chapéu da arte-terapia, consistindo no uso dos livros e da leitura para ajudar os leitores a resolver os seus problemas, ou a melhor ultrapassar os desafios que enfrentam nas suas vidas. Enquadra-se também no amplo território do desenvolvimento da inteligência emocional através da cultura e das artes.

De certa forma, muitas pessoas já usam os livros com esta finalidade: procurando informações práticas que lhes permitam resolver problemas concretos, ou ideias que as ajudem a perspetivar de forma diferente e construtiva uma determinada situação complexa que enfrentam. Prova disso mesmo é a expansão dos géneros literários “auto-ajuda” e “desenvolvimento pessoal”, que continuam a reunir inúmeros adeptos.

Assim, a biblioterapia pode incorporar o género de “auto-ajuda”, mas não se circunscreve ao mesmo. Na verdade, a biblioterapia pode e deve ser realizada através de todos os tipos de leituras, do ensaio à ficção, passando pela prosa e pela poesia. Quem pratica este tipo de terapia afirma que a ficção é especialmente eficaz, ao estimular a empatia e a identificação com outras “pessoas” (personagens).

A biblioterapia pode ser realizada por profissionais da área da saúde mental, como por exemplo psicólogos, psiquiatras ou psicoterapeutas. Nestes casos, estamos perante situações de biblioterapia clínica.

Mas também pode ser realizada por educadores e professores, e individualmente, sem qualquer tipo de acompanhamento. Aqui, estamos perante intervenções de biblioterapia educacional e desenvolvimental e tal pode decorrer em diferentes cenários: na casa do leitor, numa biblioteca, num consultório de psicoterapia ou até na sala de aula. De igual modo, pode consistir apenas em leitura, ou então combinar a leitura com discussão e com role-play.

Biblioterapia ajuda a resolver problemas?

Biblioterapia

Num processo de biblioterapia ficcional, o material de leitura é interpretado de forma dinâmica, à luz das circunstâncias particulares do leitor.

Do ponto de vista psicodinâmico (ou seja, à luz dos processos terapêuticos promovidos pela corrente psicanalítica da Psicologia), os livros de ficção podem fornecer material relevante e eficaz para o desenvolvimento pessoal através de processos como a identificação (com as situações e personagens), a catarse (isto é, a possibilidade de libertação de sentimentos e emoções reprimidos e de memórias recalcadas ou esquecidas) e o insight (compreensão súbita de alguma coisa ou de uma determinada situação).

A identificação com as personagens permite ao leitor adquirir uma perspetiva diferente em relação à sua própria vida e circunstâncias, sentir empatia em relação a outras personagens envolvidas no problema e compreender de forma mais profunda o significado das situações.

É eficaz?

Tal como acontece em muitos ramos das Ciências Sociais e Humanas, o impacto das intervenções de biblioterapia é difícil de medir. O comportamento humano é influenciado por múltiplos fatores – emocionais, sociais, familiares, mentais, contextuais – e a biblioterapia representa apenas um desses fatores, sendo muito difícil isolar os seus efeitos dos efeitos de outras influências sofridas pelo indivíduo.

Por esta razão, é praticamente impossível atribuir à biblioterapia por si só a responsabilidade pela mudança de comportamento da pessoa visada.

Apesar disso, de um modo geral, pode afirmar-se que a eficácia da biblioterapia reside mais na discussão dos temas lidos (por exemplo, com um profissional de saúde mental) do que na leitura per se.

Programa educacional baseado na biblioterapia desenvolvimental

Como fontes de informação, os livros constituem, por si, um excelente estímulo ao desenvolvimento pessoal das pessoas em todas as idades. Para tornar mais intencional o processo de educar através da leitura, podem ser criados programas que devem sempre:

  1. Começar pela escolha de materiais compatíveis com o nível de leitura dos educandos;
  2. Assentar em estratégias de apresentação dos materiais de leitura aos educandos que respeitem os seus interesses específicos, contemplando ou não pausas na leitura para discussão e interpretação;
  3. Contemplar uma análise profunda das personagens, dos seus comportamentos e motivações, dos problemas apresentados, de possíveis soluções e potenciais consequências para as ações apresentadas.

Como iniciar um processo de biblioterapia?

Se for difícil para si encontrar um biblioterapeuta, ou saber como escolher os livros mais ajustados ao seu caso, poderá interessar-lhe saber que na The School of Life, criada por Alain de Botton, o serviço de biblioterapia está na ordem do dia. Depois de responder a um questionário, é-lhe enviada uma lista de livros adequada à sua situação em particular e que tem em conta a sua relação prévia com os livros e com a leitura, bem como a sua “identidade de leitor”.

Os livros que lhe são “prescritos”, tal como uma receita médica, são selecionados por três especialistas na área e prometem pô-lo em contacto com situações e sentimentos que pode já ter vivenciado mas ainda não compreendeu completamente, abrindo novas perspetivas sobre aquilo que o rodeia.

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