Ana Graça
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05 Abr, 2022 - 19:28

Canábis medicinal: conheça as aplicações terapêuticas

Ana Graça

Há algumas indicações terapêuticas para o uso da canábis medicinal em Portugal. Saiba quais são e em que situações podem ser prescritas.

Ao longo dos tempos o uso de canábis medicinal sempre suscitou muitas discussões e tensões, daí que as opiniões acerca da sua utilização com finalidades medicinais se dividam. Como tal, ainda que as opiniões se apresentem muitas vezes bem vincadas, a ciência acredita que é importante efetuar mais pesquisas acerca dos seus mecanismos de ação, de forma a minimizar o máximo possível os efeitos colaterais e maximizar a resposta terapêutica.

Em Portugal, e apesar das alterações legais possibilitarem o tratamento com medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis, até ao momento ainda não houve pedidos de autorização de comercialização de medicamentos ou produtos submetidos ao Infarmed – é preciso que as empresas façam um pedido de autorização de colocação dos produtos no mercado para que estes possam ser prescritos.

Mas tudo isto é realmente benéfico para o paciente? Quando e como deve ser recomendado o uso de canábis medicinal?

Aplicações terapêuticas da canábis medicinal

A partir da planta da canábis podem ser confecionadas diferentes substâncias e preparações (por exemplo, chás, óleos e cápsulas), no entanto, o fabrico de canábis medicinal deve estar devidamente aprovado, garantindo a sua qualidade.

Com o progressivo aumento da esperança média de vida e o consequente aumento da incidência de doenças prolongadas, incuráveis e progressivas, ressurgiu o interesse pela canábis medicinal, na medida em que se sabe que os agentes canabinóides possuem um considerável papel terapêutico no tratamento da sintomatologia associada a este tipo de doenças.

Vários estudos clínicos mostram que o espetro de ação dos canabinóides se adequa às seguintes situações:

  • Efeitos ansiolíticos e euforizantes nas situações de ansiedade e depressão;
  • Analgesia, inclusive para dor neuropática;
  • Perceção da dor diminuída e aumento da tolerância à dor;
  • Ação anti convulsivante;
  • Estímulo do apetite no estado de caquexia (perda rápida de massa corporal e tecido adiposo);
  • Diminuição da pressão intraocular, útil nos casos de glaucoma;
  • Atividade anti tumoral e anti-inflamatória no cancro;
  • Alívio dos sintomas associados ao enjoo, náuseas e vómitos;
  • Relaxamento muscular para alívio da espasticidade (aumento involuntário da contração muscular).

Canábis medicinal em Portugal

Canábis medicinal em Portugal

A 18 de julho de 2018 foi estabelecido o quadro legal para a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais (Lei n.º 33/2018). Posteriormente, já em 2019, teve lugar a regulamentação da prescrição da dispensa em farmácia dessas mesmas substâncias e preparações (Decreto-Lei n.º 8/2019).

Estas alterações legais possibilitam o tratamento com medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da canábis no nosso país, desde que as seguintes condições sejam cumpridas:

  • As preparações disponibilizadas devem cumprir todos os requisitos necessários no que à demonstração da respetiva qualidade e segurança dizem respeito;
  • Toda a cadeia de produção e distribuição deve ser conhecida e controlada, de forma a garantir que todos os produtos são produzidos de acordo com as boas práticas vigentes;
  • Os doentes não devem ser expostos a riscos desnecessários e evitáveis, pelo que a utilização da canábis medicinal deve acontecer apenas nos casos em que os tratamentos convencionais não produziram os efeitos esperados ou provocaram efeitos adversos relevantes;
  • A utilização da canábis medicinal deve sempre estar dependente da avaliação clínica efetuada pelo médico, tendo em conta as indicações terapêuticas aprovadas;
  • A dispensa destes produtos apenas pode ser realizada na farmácia e sempre mediante apresentação da respetiva prescrição médica.

O Infarmed identificou 7 terapêuticas consideradas apropriadas para utilização de preparações e substâncias à base da planta da canábis:

  1. Espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula;
  2. Náuseas, vómitos (resultante da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C);
  3. Estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA;
  4. Dor crónica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após herpes zoster);
  5.  Síndrome de Gilles de la Tourette;
  6. Epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, tais como as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut;
  7. Glaucoma resistente à terapêutica.

Breve história da canábis

Foi uma das primeiras plantas cultivadas pelo ser humano, inicialmente utilizada como fonte de fibras para o fabrico de tecidos e cordoaria a partir do seu caule. Posteriormente terá tido início a sua utilização para fins medicinais e espirituais, nomeadamente na medicina chinesa.

Apenas mais tarde foi introduzida na Europa, quer para fins de utilização recreativa, quer para fins medicinais, nomeadamente no tratamento de doenças infeciosas como o tétano, a raiva e a cólera, bem como no alívio da dor. Inicialmente, a canábis terá sido ilegalmente importada para os Estados Unidos da América a partir do México, sendo aprovado, no ano de 1937, uma lei que regulamentava a utilização da canábis medicinal.

Atualmente, as opiniões acerca da utilização da canábis continuam a ser controversas e contraditórias. Se, por um lado, há países que a consideram uma droga e a proíbem e criminalizam, outros caracterizam-na como uma droga leve autorizando o seu uso.

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