Ekonomista
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28 Jun, 2018 - 15:55

Gabriela Oliveira: “Algumas crianças gostariam de ser vegetarianas, mas as famílias não estão recetivas”

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Gabriela Oliveira é vegetariana há 20 anos e autora de 5 livros sobre o tema. Em entrevista ao E-Konomista, partilha dicas sobre este estilo de vida e explica a relação dos filhos com o vegetarianismo.

Gabriela Oliveira: “Algumas crianças gostariam de ser vegetarianas, mas as famílias não estão recetivas”

O vegetarianismo é sempre um tema muito debatido. Se por um lado há quem não o compreenda, por outro há pessoas que não sabem nem querem viver de outra forma. Este regime alimentar tem vindo a conquistar muitos seguidores. Prova disso é o facto de praticamente todos os meses surgirem novos restaurantes, livros e blogs dedicados aos pratos vegetarianos e a este estilo de vida saudável.

Gabriela Oliveira, jornalista e autora, lançou um conjunto de livros sobre cozinha vegetariana e as suas inúmeras possibilidades, desde os doces à comida de criança. O título mais recente é “Cozinha Vegetariana à Portuguesa” e veio juntar-se às restantes 4 obras da coleção.

entrevista gabriela oliveira

“Cozinha Vegetariana à Portuguesa” é o mais recente livro de Gabriela Oliveira. Fonte: Divulgação

Gabriela Oliveira e a cozinha vegetariana

Para quem conhece o mundo do vegetarianismo e compra todos os livros, o nome da jornalista não é, certamente, estranho. Gabriela Oliveira, que nasceu em 1975, é vegetariana há duas décadas e adora criar receitas saudáveis e livres de alimentos de origem animal para toda a família – até porque os filhos da autora também são vegetarianos desde pequenos.

Em 2006, lançou o seu primeiro livro, “Alimentação Vegetariana para Bebés e Crianças” e, desde então, não largou a escrita. Seguiram-se dois livros sobre a família e só em 2014 voltou à escrita culinária. Foi precisamente nesse ano que decidiu criar a coleção “Cozinha Vegetariana”, à qual pertence a sua mais recente obra.

São 5 livros sobre a arte de cozinhar comida vegetariana, nos quais não faltam receitas para toda a família e para todas as ocasiões. Desde “Cozinha Vegetariana para Quem Quer Ser Saudável” e “Cozinha Vegetariana para Quem Quer Poupar” até “Cozinha Vegetariana para Festejar”, não faltam receitas e conselhos para todos os dias.

cozinha vegetariana

Coleção “Cozinha Vegetariana”. Fonte: Divulgação

Entrevista: as dicas de Gabriela Oliveira para famílias vegetarianas

1 – A Gabriela é vegetariana há duas décadas e a sua família assume-se como uma família vegetariana. Porque é tão importante para si incentivar os seus filhos a adotar este regime alimentar?

Quando os meus filhos nasceram já éramos vegetarianos há alguns anos e, para nós, fazia todo o sentido que as crianças partilhassem o mesmo regime alimentar e os mesmos valores. Foi algo natural.

Foi fácil compreenderem as razões pois eles olhavam para todos os animais sem diferenças e com o mesmo carinho. Difícil foi explicar porque é que alguns animais são considerados de estimação e outros são destinados ao abate para “carne”.

Quando eram pequeninos, os meus filhos nem acreditavam que fosse possível alguém matar um vitelo para o retalhar e comer. Ficavam incomodados sempre viam os animais mortos à venda no supermercado. Depois habituaram-se à ideia e hoje lidam bem com o facto de serem vegetarianos numa sociedade em que a maioria das pessoas não o é.

[Os meus filhos] lidam bem com o facto de serem vegetarianos numa sociedade em que a maioria das pessoas não o é.

2 – A alimentação vegetariana no período da gravidez e da amamentação é alvo de muitos debates e dúvidas. É necessário adotar alguns cuidados especiais, por exemplo, tomar determinados suplementos?

Existem manuais, para além do meu livro destinado às crianças, que ajudam a esclarecer dúvidas e a orientar quem adopta este regime alimentar ou opta por refeições vegetarianas com regularidade. A Direção Geral da Saúde em Portugal publicou três manuais sobre alimentação vegetariana, gratuitos e de fácil consulta.

É habitual fazer-se suplementação de alguns nutrientes durante a gravidez, em qualquer regime alimentar, nomeadamente de ferro e ácido fólico. É necessário ter em conta também os níveis da Vitamina B12, pois é uma vitamina rara no reino vegetal. Ou se suplementa ou escolhem-se alimentos enriquecidos com esta vitamina, como é o caso dos leites vegetais e a levedura nutricional.

3 – Considera que o Sistema Nacional de Saúde está preparado para dar resposta e acompanhamento a pré-mamãs, bebés e famílias que adotam este regime alimentar?

Existe informação disponibilizada pela própria Direção Geral da saúde, mas muitos técnicos ligados a esta área não estão recetivos ao tema e tentam demover os pais de seguir um regime alimentar vegetariano.

Seria bom que os profissionais da saúde pudessem, de facto, ajudar, fazendo o correto acompanhamento, e não afastassem os pais e as crianças das consultas ao criticarem as suas escolhas.

“Muitos técnicos (…) não estão recetivos ao tema e tentam demover os pais de seguir um regime alimentar vegetariano.”

4 – Tem três filhos vegetarianos. Uma criança pode ter uma alimentação vegetariana exclusiva sem riscos de carências nutricionais?

Se a alimentação for bem planeada, completa e equilibrada, não existem riscos nutricionais no regime alimentar vegetariano. Como referi, é importante ter o cuidado de ajustar a alimentação à idade e às necessidades das crianças e diversificar os menus, além de ser necessário o habitual acompanhamento médico previsto para todas as crianças nos primeiros anos de vida.

Em qualquer regime alimentar, podem ocorrer carências e excessos. Se comermos apenas doces e batatas fritas, com certeza que não ficaremos bem alimentados. Uma refeição vegetariana completa contém uma boa quantidade de proteínas, minerais e vitaminas, e isso consegue-se combinando, por exemplo, leguminosas e cereais (arroz com feijão e couve, grão-de-bico com massas e legumes, etc.), ou usando outras proteínas típicas (como o tofu, o seitan ou o tempeh), quinoa e frutos secos.

5 – Como é criar crianças vegetarianas numa sociedade com um padrão alimentar tão diferente? Sente algum tipo de pressão? Como os seus filhos encaram esta opção?

Encaram com naturalidade. Muitos amigos dos meus filhos gostam de provar a comida vegetariana e compreendem as razões de terem colegas com uma alimentação diferente.

Na verdade, algumas crianças também gostariam de ser vegetarianas por amor aos animais, mas as famílias não estão preparadas e recetivas à mudança.

6 – Comparativamente a uma dieta familiar tradicional, uma alimentação vegetariana saudável tem um maior peso no orçamento familiar?

É idêntico. Não pesa mais no orçamento familiar. Na verdade, podemos fazer refeições 100% vegetarianas muito económicas usando ingredientes de muito boa qualidade.

As leguminosas (feijão, grão, lentilhas) são muito fáceis de adquirir e pouco dispendiosas, o tofu tem um preço baixo (cerca de 5 euros/quilo) e os leites vegetais de compra também desceram e são acessíveis.

“Podemos fazer refeições 100% vegetarianas muito económicas usando ingredientes de muito boa qualidade.”

7 – No dia a dia, sente que precisa de mais criatividade e tempo para preparar refeições saudáveis e saborosas, que agradem todos?

Preparo refeições em poucos minutos para toda a família, mesmo sem planear de véspera o menu. Podemos abrir o frigorífico ou a despensa e fazer na hora uma refeição completa e muito saborosa.

Há pessoas que têm menos facilidade em planear e criar receitas, e tendem a repetir os mesmos pratos. Por isso, escrevi os livros, para simplificar e tornar mais interessantes os momentos passados na cozinha.

8 – Quais são os principais erros das pessoas que começam a adotar o vegetarianismo para si e para a sua família?

Por exemplo, na substituição da proteína animal. Não basta retirar do prato a carne e o peixe, é necessário dar lugar a alimentos proteicos de origem vegetal. Um erro frequente é não fazer-se essa substituição, de todo.

Outro é consumir-se apenas alimentos industrialmente processados (como salsichas e hambúrgueres vegetais). Outro erro é usar-se queijo como substituto, o que vai atrapalhar a boa fixação do ferro.

Há que aproveitar a oportunidade para melhorar os hábitos alimentares e explorar novos alimentos, sabores e texturas. Ao prepararmos refeições vegetarianas podemos, isso sim, reforçar o consumo de leguminosas, hortícolas, oleaginosas e fruta.

“Não basta retirar do prato a carne e o peixe, é necessário dar lugar a alimentos proteicos de origem vegetal.”

9 – Lançou recentemente o livro “Cozinha Vegetariana à Portuguesa”. Considera que é uma conjugação fácil e rica? Pode partilhar uma receita vegetariana para fazer as delícias de a toda a família?

A cozinha tradicional portuguesa é riquíssima e não podia deixar de explorar os sabores e as tradições do nosso país, adaptando e recriando muitos pratos de diferentes regiões.

É difícil optar apenas por uma receita, entre tantos pratos salgados e sobremesas. Posso deixar uma sugestão que costuma agradar a todos, o arroz-doce caseiro, numa versão sem ovos e sem lactose.

Este livro tem mais de 70 receitas e é o quinto título da coleção Cozinha Vegetariana que iniciei há cinco anos. Ideias inspiradoras não faltam, para toda a família e para todos os gostos.

Arroz-doce sem glúten

experimente o arroz-doce de Gabriela Oliveira

Ingredientes:

  • 1 cháv. de arroz carolino ou semi-integral (200 g);
  • 3 cháv. de água (750 ml);
  • 1 c. café de sal;
  • 1 limão (casca);
  • 2 paus de canela;
  • 3 cháv. de leite vegetal;
  • 1 cháv. de açúcar amarelo;
  • 1 vagem de baunilha;
  • 1 pitada de açafrão-das-índias;
  • 1 c. sopa de amido de milho canela em pó q. b.

Preparação:

1. Lave o arroz (para retirar a goma) e escorra;

2. Numa panela, misture o arroz, a água, o sal, 2 casquinhas de limão e os paus de canela. Tape e leve a cozer em lume brando por cerca de 20 minutos ou até absorver a água;

3. Junte o leite, o açúcar, a vagem de baunilha (abra-a ao meio no sentido do comprimento e raspe as sementes do interior) e o açafrão (para dar cor); envolva bem e deixe cozer por mais alguns minutos;

4. À parte, dissolva o amido num pouco de água fria; deite na panela e mexa por 3 minutos. Retire do lume, descarte os paus de canela, a vagem e as casquinhas de limão, e misture a raspa da restante casca de limão, envolvendo bem;

5. Distribua o arroz-doce por tacinhas e polvilhe com canela em pó. Sirva frio.

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