Elsa Santos
Elsa Santos
13 Jan, 2023 - 10:25

Benefícios da semana de 4 dias: patrões portugueses não estão convencidos

Elsa Santos

De acordo com inquérito da Associação Empresarial de Portugal, um terço dos empresários não vê benefícios da semana de 4 dias “para nenhuma das partes”.

mulher a trabalhar por conta própria

De acordo com inquérito da Associação Empresarial de Portugal, um terço dos empresários não vê benefícios da semana de 4 dias “para nenhuma das partes”.

O Governo criou o projeto-piloto da semana de 4 dias, apresentado em reunião da Concertação Social no início de novembro. A experiência tem início previsto em junho, em empresas privadas voluntárias, por um período de 6 meses, e vai testar os benefícios de uma semana de trabalho mais curta em Portugal. No entanto, a eventual redução da semana de trabalho parece não convencer grande parte dos patrões, segundo um inquérito realizado pela Associação Empresarial de Portugal (AEP).

Sobre o projeto-piloto da semana de 4 dias – a proposta

Numa fase inicial, a experiência-piloto da semana de quatro dias é limitada a empresas voluntárias do setor privado e terá a duração de seis meses. As participantes não recebem qualquer contrapartida financeira do Estado, o qual assume apenas a responsabilidade de providenciar suporte técnico e administrativo para apoiar a transição, ainda que a mudança possa ser reversível.

A experiência tem de implicar uma redução de horas semanais, mas não pode envolver corte salarial.

Não havendo qualquer incentivo financeiro público, não será estipulado um número de horas semanais exatas, podendo ser 32 horas, 34 ou 36 horas, definidas por acordo entre a gestão de cada entidade e os trabalhadores, sendo que a experiência terá de “envolver a grande maioria dos trabalhadores”. A exceção vai para grandes empresas, onde o projeto pode ser testado em apenas alguns departamentos ou estabelecimentos.

As empresas interessadas podem candidatar-se ao projeto-piloto da semana de 4 dias, até janeiro de 2023. Após os 6 meses estipulados (início em junho), em dezembro de 2023, os gestores das empresas deverão refletir sobre a experiência e determinar se vão manter a nova organização, voltar à semana normal de cinco dias ou adotar um modelo híbrido, de acordo com a proposta do Executivo.

A experiência-piloto da semana de quatro dias será coordenada por Pedro Gomes, autor do livro “Sexta-feira é o Novo Sábado”, e conta ainda com Rita Fontinha, professora associada de Strategic Human Resource Management na Henley Business School da Universidade de Reading, na equipa externa ao executivo nacional.

A apresentar resultados positivos, a experiência estender-se-à ao setor público.

colegas de uma das empresas mais atrativas para trabalhar a reunir

Objetivos para trabalhadores e empresas

A avaliação do projeto-piloto vai centrar-se nos efeitos, nomeadamente nos benefícios da semana de 4 dias nos trabalhadores e nas empresas.

Trabalhadores

No que respeita aos trabalhadores, serão estudados e medidos, de acordo com o apresentado na proposta, “os efeitos no bem-estar, qualidade de vida, saúde mental e saúde física, bem como o seu nível de compromisso com a empresa, satisfação com o trabalho e intenção de permanecer na organização”, bem como “o uso de tempo dos trabalhadores nos dias de descanso, para perceber onde e como é usado o tempo não-trabalhado”.

Empresas

Do lado das empresas, o grande foco vai estar “na produtividade, competitividade, custos intermédios e lucros”, sendo avaliados, para isso “os efeitos nas taxas de absentismo de curta e longa duração, na capacidade de recrutamento, na organização de processos internos, em indicadores financeiros e não financeiros de desempenho (por exemplo, queixas de clientes/utentes), na incidência de acidentes de trabalho e no consumo de bens intermédios, quer matérias-primas, quer gastos de energia”, refere o Executivo.

Empresas voluntárias: na linha da frente

A Simoldes é a primeira empresa a manifestar publicamente o seu interesse em integrar o grupo de voluntárias do projeto-piloto da semana de 4 dias. A marca de Oliveira de Azeméis, com mais de seis décadas de história, pretende testar os efeitos de uma semana mais curta na divisão de plásticos.

Segundo informações do Executivo, a maioria das empresas interessadas na semana de 4 dias é do setor dos serviços.

Semana de 4 dias de trabalho: sim ou não? Este são os resultados do inquérito da AEP

O inquérito realizado pela Associação Empresarial de Portugal (AEP) junto de 1130 empresas associadas mostra que “cerca de um terço dos empresários considera que a implementação da semana dos quatro dias não será benéfica para nenhuma das partes e outro tanto que apenas é benéfica para os trabalhadores”.

Os empresários inquiridos referem temer os possíveis impactos da implementação da medida no mercado nacional. Os números resultantes de mais de um milhar de inquiridos mostram que 71% dos mesmos prevêem que a redução de 5 para 4 dias de trabalho teria um impacto “negativo ou muito negativo” a vários níveis, nomeadamente nos lucros, na competitividade (69%) e na produtividade (65%), bem como no aumento de queixas dos clientes (70%) e, ainda, em dificuldades relacionadas com a organização dos processos internos (70%).

Benefícios da semana de 4 dias apenas para trabalhadores

Segundo o inquérito da AEP, os empresários portugueses consideram que se alguma das partes tiver benefícios, esses “serão seguramente os trabalhadores e não as empresas” e reconhecem o impacto positivo na vida dos mesmos, em especial no que toca ao bem-estar pessoal (83% dos empresários atribuem um impacto positivo ou muito positivo), à qualidade de vida (76% a destacam os impactos na conciliação familiar) e à redução de custos com deslocações (66% reconhecem o impacto da medida).

Maior flexibilidade como alternativa

A medida proposta pelo Governo não merece a concordância dos empresários nacionais que não a consideram vantajosa, mesmo considerando que os diferentes cenários apresentados, nomeadamente a eventual redução de 10% nos salários ou apoios financeiros.

Segundo os dados apurados pelo inquérito realizado pela AEP, a maioria das empresas inquiridas (77%) concorda, totalmente ou de forma parcial, que em alternativa, ”seria preferível uma total flexibilidade no modelo a adotar, por acordo entre o trabalhador e a empresa”.

Em conclusão

Conclui-se, assim, que a o inquérito da AEP mostra que as empresas nacionais reconhecem e valorizam medidas no sentido de promover a conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar dos portugueses, ainda que não identifiquem reais benefícios da semana de 4 dias para os trabalhadores e, sobretudo, para ambos os lados.

Para o efeito, os patrões mostram-se mais recetivos a uma maior flexibilização das condições laborais como alternativa à redução da semana laboral.

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