Miguel Pinto
Miguel Pinto
06 Jan, 2025 - 11:18

Doenças graves: seguradoras não podem discriminar clientes

Miguel Pinto

Chama-se direito ao esquecimento e é uma nova norma legal que obriga as seguradoras a não discriminar quem padeceu de doenças graves e as utrapassou.

doenças graves

Para quem padeceu de doenças graves, e as ultrapassou, a contratação de um seguro pode ser uma grande dor de cabeça. Tudo porque as seguradoras, por norma, acabam por ver nestas situações um gancho para carregar nos prémios ou, no limite, recusar a realização do seguro.

No entanto, a publicação da norma regulamentar n.º 12/2024, de 17 de dezembro, veio trazer importantes avanços na proteção dos direitos dos cidadãos, ao consagrar o direito ao esquecimento e reforçar a proibição de práticas discriminatórias em áreas essenciais, como o acesso a seguros e produtos financeiros.

Esta regulamentação marca um passo significativo na garantia de equidade e inclusão, sobretudo para pessoas que enfrentaram doenças graves, como o cancro, e que, após tratamento e recuperação, continuam a enfrentar barreiras injustificadas.

Saiba tudo o que está em causa e quais os seus direitos.

Doenças graves: direito ao esquecimento

O direito ao esquecimento, agora formalmente integrado no ordenamento jurídico português através desta norma regulamentar, é um princípio que garante que os cidadãos não sejam discriminados com base em históricos médicos, especialmente em casos de doenças graves que já não constituem um risco relevante para a sua vida ou saúde.

Por exemplo, uma pessoa que superou uma doença grave, como o cancro, não deve ser penalizada ao contratar um seguro de vida, obter crédito bancário ou aceder a outros serviços financeiros.

O objetivo é evitar que o histórico médico se torne uma barreira permanente, mesmo após o fim do tratamento e a recuperação total.

Principais disposições

  1. Proibição de discriminação em seguros e produtos financeiros: as seguradoras e instituições financeiras ficam proibidas de utilizar o histórico médico de doenças graves, ultrapassadas há um período determinado, como critério para rejeitar contratos ou impor condições menos favoráveis. A norma estabelece um prazo específico, após o qual o histórico médico não pode ser considerado. No caso de doenças oncológicas, o período fixado é geralmente de cinco anos após o final do tratamento, desde que não haja recaídas.
  1. Direito à transparência: as entidades reguladas têm a obrigação de informar os consumidores sobre a aplicação do direito ao esquecimento e as condições em que se aplica. Devem também eliminar quaisquer práticas que condicionem a concessão de seguros ou crédito com base em informações desatualizadas ou irrelevantes.
  2. Supervisão e penalidades: a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) será responsável por garantir o cumprimento desta norma. Estão previstas penalizações para as entidades que não respeitem estas disposições, reforçando a proteção dos direitos dos cidadãos.

Impacto na vida dos cidadãos

A implementação desta norma tem um impacto direto e positivo na vida de muitas pessoas que enfrentaram doenças graves.

As principais vantagens incluem o acesso equitativo a serviços financeiros, ou seja, pessoas recuperadas de doenças deixam de ser discriminadas ao contratar seguros de vida, saúde ou habitação, muitas vezes essenciais para aceder a créditos ou financiar habitação própria.

É também um veículo de inclusão social, já que ao remover barreiras discriminatórias, esta norma reforça o direito à igualdade de oportunidades e a reintegração plena na sociedade.

Finalmente, promove a redução da estigmatização, reconhecendo que o histórico médico não deve definir permanentemente o acesso a bens e serviços, ajudando a combater preconceitos associados a determinadas condições de saúde.

Desafios na implementação

Apesar do impacto positivo, a aplicação desta norma também traz desafios, tais como a sensibilização das entidades reguladas, uma monitorização eficaz (a ASF terá de reforçar os mecanismos de supervisão para garantir o cumprimento das disposições e evitar abusos ou ambiguidades) e, claro está, a educação do consumidor para este saber os seus direitos, assim como identificar e denunciar práticas discriminatórias.

Refira-se ainda que o direito ao esquecimento não se limita à área da saúde ou dos seguros.

Reflete um princípio mais amplo de reintegração e igualdade. Esta regulamentação coloca Portugal na linha da frente de uma tendência europeia, seguindo exemplos de países como França, onde o direito ao esquecimento já está consagrado há vários anos.

A norma regulamentar também sublinha o compromisso do país com a dignidade humana, garantindo que todos os cidadãos possam reconstruir as suas vidas sem serem penalizados por situações passadas que já não têm relevância para o presente.

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