Olga Teixeira
Olga Teixeira
15 Fev, 2024 - 10:14

Guia do trabalhador independente: regras em 2024

Olga Teixeira

Quanto custa ser trabalhador independente? Quais as obrigações fiscais e contributivas de quem trabalha por conta própria? E quais são os seguros obrigatórios?

Trabalhar por conta própria, ou a recibos verdes, tem vantagens e desvantagens. Se por um lado há mais flexibilidade e liberdade para escolher o horário e o local de trabalho, por outro há um conjunto de despesas associadas que devem ser bem orçamentadas.

Enquanto para os trabalhadores por conta de outrem uma parte dessas despesas é paga pelo empregador, para quem trabalha por conta própria a fatura pode ser mais pesada.

As contas em causa dependem não só do rendimento, mas também da própria atividade. Isto porque o enquadramento fiscal não é o mesmo para todos os trabalhadores independentes e, mesmo em sede de IRS, por exemplo, é diferente se os rendimentos são obtidos através da venda de produtos ou de serviços.

Por isso, não há contas certas e iguais para todos até porque, como veremos, são muitas as variáveis que entram nestes cálculos. Preparámos, a este propósito, um guia do trabalhador independente, que o pode ajudar a perceber melhor quais as obrigações associadas a quem trabalha por conta própria.

Guia do trabalhador independente: os impostos a pagar (IRS e IVA)

Mulher a pagar impostos via homebanking

IRS e IVA são os dois impostos com que os trabalhadores independentes têm de se preocupar, mas tudo depende do rendimento que receberem. Isto porque existem limites mínimos até aos quais estão dispensados de fazer retenção na fonte de IRS e isentos de IVA.

Além disso, as taxas variam também consoante a atividade desenvolvida.

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IRS

Os rendimentos de categoria B, ou seja, os que são obtidos através do trabalho independente, devem ser declarados e, tal como acontece no caso dos trabalhadores por conta de outrem, devem ter retenção na fonte. Ou seja, uma parte do que se ganha não chega a entrar no bolso do trabalhador.

Para quem trabalha por conta de outrem, esse valor fica do lado da empresa, que depois o entrega ao Fisco. No caso dos recibos verdes, esse valor é entregue pelo cliente ao Estado.

As taxas de retenção na fonte aplicáveis aos trabalhadores independentes são, de acordo com o Artigo 101º do CIRS:

  • 25% para os rendimentos que constem da tabela de atividades profissionais no artigo 151.º do CIRS, por exemplo engenheiros, enfermeiros, contabilistas;
  • 11,5 % para os trabalhadores independentes que não estão previstos na tabela de atividades profissionais do artigo 151.º do CIRS e atos isolados;
  • 16,5% para os rendimentos provenientes de propriedade intelectual (escritores, por exemplo), industrial ou de prestação de informação sobre experiência nos setores comercial, industrial ou científico;
  • 20% para os rendimentos auferidos em atividades de valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, definidas em portaria do membro do Governo responsável pela área das Finanças, por residentes não habituais em território português.

Isto significa que, se o valor do recibo a emitir for de 1000 euros, e sendo um rendimento sujeito a retenção de 25%, deve fazer a retenção de 250€. Ou seja, recebe 750€ e os restantes 250€ devem ser entregues ao Estado pela empresa a quem passou o recibo.  

Em 2024, está previsto que estas taxas de retenção na fonte sofram alterações. No Orçamento do Estado está prevista a substituição do atual sistema de retenção na fonte por um modelo progressivo de acordo com o rendimento.

Dispensa de retenção na fonte        

Ainda assim, a retenção na fonte não é obrigatória para todos. Isto é, se no ano anterior os seus rendimentos ficarem abaixo de um determinado montante, pode não fazer a retenção. Nesse caso, e ao passar o recibo, deve assinalar a opção Dispensa de Retenção na Fonte / art. 101.º-B, n.º 1, al. a) e b), do CIRS.

O limite do volume de negócios que dá direito a dispensa de retenção na fonte é, em 2024, de 13.500 euros. Recorde-se que este limite se refere aos rendimentos de 2023, ou seja, se no ano passado faturou menos de 13.500 euros, em 2024 está dispensado de retenção na fonte. Os valores a ter em conta para o próximo ano são de 14.500 euros.

Importa ainda mencionar que em 2025, os trabalhadores independentes que não tenham atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a 15.000 euros continuam dispensados de retenção na fonte.

Pagamento por conta

Se não faz retenção na fonte terá na mesma de pagar IRS, através dos chamados pagamentos por conta, feitos três vezes por ano (em julho, setembro e dezembro).

As Finanças, tendo em conta os rendimentos que declarou – em 2024 vão ter em conta os rendimentos de 2023 – fazem um cálculo e, partindo do princípio que este ano vai manter o rendimento, cobram-lhe o respetivo IRS.

Os acertos fazem-se quando entregar a próxima declaração: se pagou a mais vai receber o reembolso, se pagou a menos vai ter de entregar ao Fisco o montante de IRS que ficou em falta.

Tal como nos casos anteriores, o valor do pagamento por conta vai depender do rendimento, mas este é mais um fator a ter em consideração quando se fazem as contas a quanto custa ser trabalhador independente.

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IVA

Em 2023, o pagamento do IVA era obrigatório para quem ultrapassasse os 13.500 euros de volume de negócios. Em 2024, este limite aumenta para os 14.500 euros, sendo aplicável ao volume de negócios do ano anterior. Isto significa que, se em 2023 os seus rendimentos brutos não atingiram os 14.500 euros (mesmo estando enquadrado em regime de IVA), então pode beneficiar da isenção deste imposto,.

Quando o limite é ultrapassado, os trabalhadores independentes mantêm-se isentos da cobrança de IVA apenas até janeiro do ano seguinte. A partir dessa data têm de apresentar à Autoridade Tributária e Aduaneira uma declaração de alteração de atividade.

Depois, a partir de fevereiro, está prevista a obrigação de realizar a cobrança de IVA. Este valor deve ser então entregue ao Estado, podendo, no entanto, ser deduzido o IVA das despesas relacionadas com a atividade.

declaração periódica do IVA é mensal ou trimestral, em função da faturação do trabalhador independente.

Os trabalhadores independentes que tenham contabilidade organizada e pratiquem operações de importação, exportação ou atividades conexas estão também obrigados ao pagamento de IVA

Se as vendas ou prestação de serviços forem na área dos desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis, também são obrigados a pagar IVA.

Contabilidade organizada ou regime simplificado?

Os trabalhadores independentes com rendimentos anuais líquidos até 200 mil euros são automaticamente colocados no regime simplificado, mas podem optar pela contabilidade organizada.  

No regime simplificado não é necessário contratar um contabilista certificado, evitando assim mais uma despesa. No entanto, este regime também não permite deduzir as despesas com a atividade. Para efeitos fiscais, apenas é considerada uma parte dos rendimentos obtidos, que varia conforme a atividade.

O regime de contabilidade organizada também está acessível a quem ganhar menos de 200 mil euros anuais. E, nesse caso, já permite deduzir despesas com a atividade, mas obriga também a que sejam considerados os rendimentos brutos anuais. 

Contribuições para a Segurança Social

Trabalhadora independente a calcular os impostos a pagar

Esta é uma despesa obrigatória, exceto para quem abriu atividade há menos de 12 meses. Nesse caso, e até para poder beneficiar de proteção social caso seja necessário, pode fazer uma contribuição voluntária no valor de 20 euros.

No caso dos trabalhadores independentes não abrangidos pelo regime de contabilidade organizada, o valor da contribuição é calculado trimestralmente, com base nos valores que constam da declaração trimestral.

Esse rendimento é dividido por três e é aplicada uma taxa de 21,4%. Esse é o valor da contribuição a pagar. O valor apurado em cada período declarativo, produz efeitos no próprio mês e nos dois meses seguintes.

O montante a pagar não tem em conta o total do rendimento declarado; é apurado com base no chamado rendimento relevante. Ou seja, 70% dos rendimentos na prestação de serviços ou 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens.

Por exemplo: Valor da declaração trimestral = 3000€. Dividindo por três ficamos com um rendimento médio mensal de 1000€, sendo que 70% equivale a 700€. Sobre estes 700€, aplica-se a taxa de 21,4%, o que representa uma contribuição mensal de 149,8€.  

No entanto, e para pagar mais ou menos, o trabalhador independente pode, quando apresentar a declaração trimestral, alterar o rendimento relevante, aumentando-o ou diminuindo-o em intervalos de 5%. Estas alterações podem ser feitas até um limite de 25%, sem prejuízo dos limites previstos: mínimo de 20€ e máximo de 12xIAS (ou seja, 6.111,12€ em 2024).

Para quem tem contabilidade organizada, o rendimento relevante é calculado com base no lucro tributável do ano anterior. Esse valor é dividido por 12, sendo que o limite mínimo é de 1,5 vezes o valor do IAS (763,89€ em 2024), sobre o qual se aplicará a respetiva taxa contributiva de 21,4%.

Calendário fiscal dos trabalhadores independentes

Os trabalhadores independentes devem ter sempre à mão as datas das obrigações declarativas e contributivas, para que nenhuma obrigação com o Estado falhe por esquecimento.

Datas da declaração trimestral à Segurança Social

Por norma, o pagamento das contribuições é mensal e tem de ser efetuado entre o dia 10 e o dia 20 do mês seguinte àquele a que as mesmas respeitam. Já a declaração trimestral deve ser entregue:

  • Até 31 de janeiro, os trabalhadores independentes têm de declarar os rendimentos respeitantes ao último trimestre do ano anterior (outubro, novembro e dezembro). Tem também, nesta data, que confirmar ou declarar os valores dos rendimentos relativos ao ano civil anterior através da Declaração Anual da Segurança Social;
  • Até 30 de abril deve submeter os rendimento auferidos em janeiro, fevereiro e março;
  • Até 31 de julho os rendimentos auferidos em abril, maio e junho;
  • E até 31 de outubro os rendimentos que auferiu em julho, agosto e setembro.
Declaração trimestral dos recibos verdes
Veja também Declaração trimestral dos recibos verdes: o guia essencial

Datas de entrega da declaração periódica do IVA

De acordo com o artigo 41º do Código do IVA, a declaração periódica deve ser submetida no Portal das Finanças:

  • Até ao dia 20 do 2.º mês seguinte àquele a que respeitam as operações (declaração periódica de IVA mensal). Recorde-se que a entrega da declaração periódica de IVA mensal é obrigatória para quem teve um volume de negócios igual ou superior a 650 mil euros no ano civil anterior;
  • Até ao dia 20 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações (declaração periódica de IVA trimestral), sendo que o pagamento deve ser feito até dia 25. Ou seja:
    • 1.º trimestre: entrega até 20 de maio e pagamento até ao dia 25;
    • 2.º trimestre: entrega até 20 de setembro e pagamento até ao dia 25;
    • 3.º trimestre: entrega até 20 de novembro e pagamento até ao dia 25;
    • 4.º trimestre: entrega até 20 de fevereiro e pagamento até ao dia 25.

Nota: Caso o dia de entrega ou pagamento de cada mês coincida com fim de semana ou feriado, deve entender-se que o prazo termina no primeiro dia útil seguinte.

Veja também Como preencher a declaração periódica do IVA passo a passo

Há algum seguro obrigatório para os trabalhadores independentes?

Nas contas para perceber quanto custa ser trabalhador independente há mais uma parcela a acrescentar: o seguro obrigatório. Trata-se de um seguro de acidentes de trabalho, semelhante ao que é feito para os trabalhadores por conta de outrem.

A principal diferença é que, neste caso, tem de ser pago pelo próprio. O valor do seguro depende da atividade, dos rendimentos e das coberturas contratadas, pelo que é conveniente estar atento a todos esses detalhes.

Como é obrigatório, estão previstas coimas entre os 50 e os 500 euros para quem não o tiver.

Artigo originalmente publicado em julho de 2019. Última atualização em fevereiro de 2024.

Fontes

Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). Artigo 53º IVA. Alteração do limite do regime especial de isenção.

Segurança Social. Trabalhadores independentes.

Diário da República. Lei n.º 24-D/2022. Orçamento do Estado para 2023.

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