Inês Silva
Inês Silva
12 Abr, 2023 - 11:50

Trabalhar quatro dias por semana: saiba o que está em causa

Inês Silva

A nível mundial há várias empresas a testar este modelo e já são conhecidos os seus impactos. Em Portugal, a possibilidade de trabalhar quatro dias por semana está prevista na lei, mas tem contrapartidas.

equipa a trabalhar quatro dias por semana

Existe algum preconceito e desconfiança em relação aos trabalhadores que cumprem com as suas tarefas e mesmo assim saem a horas, depois de trabalharem entre 7 ou 8 horas diárias. Como tal, a questão de trabalhar quatro dias por semana parece uma realidade quase impossível.

Em Portugal, apesar de a legislação laboral prever um máximo de 8 horas de trabalho diário e 40 horas de trabalho por semana, há muitos profissionais que continuam a trabalhar 10, 12 ou mais horas diárias, cinco dias por semana.

A somar a isso, são cada vez mais os trabalhadores que acusam elevados níveis de stress e pressão provocados pelo trabalho, motivo que pode mesmo levar ao burnout.

Nessa perspetiva, será que trabalhar apenas quatro dias por semana pode fazer a diferença, tanto na vida dos profissionais, como para a empresa? Muito provavelmente sim.

Esta é uma tendência do mercado de trabalho mais faladas nos últimos tempos. No entanto, ainda não há empresas de grande dimensão a aplicar a semana de quatro dias de trabalho à generalidade dos colaboradores.

Este novo sistema, já implementado em algumas empresas a nível mundial, visa permitir aos profissionais uma maior capacidade de satisfação no trabalho e níveis mais baixos de stress. Mais ainda, permite uma melhor noção de equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal.

Em Portugal, a Lei permite o regime de horário concentrado, com quatro dias de trabalho e 12 horas de trabalho diárias. Mas sabe mesmo o que está em causa?

Trabalhar quatro dias por semana: que empresas já implementaram este modelo?

Três dias de fim de semana aumenta o nível de felicidade dos profissionais e já são várias as empresas mundiais que têm vindo a testar este formato e que verificaram que a satisfação e entrega dos colaboradores também aumenta.

Na Nova Zelândia, a empresa Perpetual Guardian decidiu fugir à norma e realizar uma experiência inovadora: quatro dias de trabalho por semana e nada mais. Assim, entre março e abril de 2019, os 250 funcionários da empresa neozelandesa trabalharam apenas quatro dias por semana. Para além disso, continuaram a receber os seus salários como se estivessem a trabalhar os habituais cinco dias úteis.

Depois do projeto-piloto levado a cabo durante um mês, a empresa decidiu mesmo adotar este sistema laboral em pleno. E os resultados não podiam ser mais positivos. Não só os trabalhadores revelaram sentir-se menos stressados e mais satisfeitos, como afirmaram que a medida lhes tinha permitido manter um melhor equilíbrio entre a sua vida profissional e pessoal.

Além da neozelandesa Perpetual Guardian, outras empresas decidiram seguir o mesmo modelo. Nos Estados Unidos, empresas como a Ryan, KPMG e a Deloitte já estão a permitir quatro dias de trabalho por semana aos seus trabalhadores.

Na vizinha Espanha, fala-se num projeto piloto para a implementação, em três anos, da redução da jornada laboral para quatro dias sem alteração de salários.

Trabalhar quatro dias por semana: vantagens e desvantagens

De acordo com o estudo monitorizado por investigadores da Universidade de Auckland à experiência realizada pela Perpetual Guardian, a produtividade da empresa aumentou 20%, enquanto o stress dos funcionários baixou de 45% para 36%.

Quanto ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, também cresceu de 54% para 78%.

Segundo o fundador da empresa de serviços financeiros, Andrew Barnes, a decisão de levar a cabo o projeto-piloto foi tomada depois de ler vários relatórios internacionais sobre produtividade. Estes colocavam a Nova Zelândia como um dos países da OCDE pior classificados nesta matéria.

Este é um problema que também é comum a Portugal.

Vantagens

Assim, e a julgar pelos resultados obtidos pela companhia neozelandesa, a implementação deste sistema poderia, de um modo geral, traduzir-se em vantagens como:

  • Maior qualidade de vida;
  • Maior disposição e mais tempo para praticar desportos e manter-se saudável;
  • Mais tempo para dedicar à família;
  • Aumento da produtividade;
  • Capacidade para adquirir novas competências (tendo em conta que seria possível investir mais tempo na formação);
  • Aumentar os lucros das empresas;
  • Manter o nível dos salários ou até mesmo aumentá-los (trabalhando menos dias e produzindo resultados significativos para as empresas).
mulher em teletrabalho
Veja também Trabalho pós-pandemia: trabalho presencial ou teletrabalho?

Limitações

Mas como em tudo na vida, existem também algumas limitações a este modelo. Para os salários se poderem manter iguais, correspondentes aos cinco dias úteis de trabalho, é necessário que os níveis de produtividade dos trabalhadores aumentem significativamente.

Só assim as empresas podem manter ou melhorar os seus resultados, assegurando o mesmo nível de remuneração aos seus funcionários (ou até melhorá-lo).

Outra das limitações deste modelo, senão a maior, é a mudança de comportamentos e mentalidades a que obriga. Além disso, há ainda setores de atividade com uma elevada sobrecarga de trabalho que poderá complicar o conseguir fazer o mesmo em menos dias.

Para se tornar uma realidade, é essencial que, tanto as empresas como os profissionais, sejam orientados para a eficácia e eficiência no trabalho e não apenas e só para resultados rápidos.

Em cima da mesa está também o facto de que nem em todas as empresas, as que funcionam por turnos, por exemplo, conseguem reduzir as horas de trabalho, dada a natureza do seu negócio.

Trabalhar quatro dias por semana: é possível ser implementado em Portugal?

Já se percebeu que a pandemia causada pela COVID-19 obrigou as empresas a adaptarem-se a novas condições de trabalho que incluem esquemas mais flexíveis, horários desfasados e opções de teletrabalho.

Esta abertura à flexibilidade, aliada às mudanças tecnológicas, podem ser um primeiro passo para uma legislação laboral que contemple esta modalidade de trabalho.

No entanto, tendo em conta as suas limitações, esta é uma medida que, para ser implementada em Portugal, vai implicar alteração de papéis e mentalidades.

As empresas devem começar a premiar os trabalhadores que criam mais valor e não aqueles que se limitam a cumprir com o seu horário de trabalho, ou façam horas extra, sem trazerem qualquer tipo de benefício para o negócio.

A sociedade precisa de repensar a forma como olha para o modo de trabalho. Mas, para que a semana com quatro dias de trabalho se torne possível e os trabalhadores possam manter o equilíbrio entre a sua vida profissional e pessoal, bem como uma maior qualidade de vida, então, é necessário mudar comportamentos e assegurar níveis de produtividade nas empresas que o permitam.

A opção de horário concentrado

A lei portuguesa permite a opção de quatro dias de trabalho por semana, mas apenas com o aumento da carga horária diária. Ou seja, esta flexibilidade no trabalho é possível através da adoção do horário concentrado.

Segundo o artigo 209.º do Código do Trabalho, as horas de trabalho diário podem aumentar até mais quatro horas diárias desde que:

  • Haja acordo entre empregador e trabalhador ou por instrumento de regulamentação coletiva, para concentrar o período normal de trabalho semanal no máximo de quatro dias de trabalho;
  • Exista instrumento de regulamentação coletiva para estabelecer um horário de trabalho que contenha, no máximo, três dias de trabalho consecutivos. Estes devem ser seguidos, no mínimo, de dois dias de descanso. A duração do período normal de trabalho semanal deve ser respeitada, em média, num período de referência de 45 dias.

Neste regime de horário de trabalho não pode ser simultaneamente aplicável o regime de adaptabilidade. Para além disso, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho deve regular a retribuição e outras condições da sua aplicação.

Veja também