Miguel Pinto
Miguel Pinto
24 Dez, 2025 - 11:30

Farrapo velho: a tradição que transforma sobras em conforto

Miguel Pinto

O farrapo velho mistura as sobras da consoada num prato cheio de sabor, simplicidade e conforto de Natal. Siga a receita.

tacho com farrapo velho

No universo das mesas portuguesas, poucas receitas conseguem ser tão humildes e ao mesmo tempo tão emblemáticas como o farrapo velho.

Surge quase sempre no dia 25 de manhã, quando a casa ainda cheira a canela, a sonhos e a bacalhau cozido, e quando toda a gente tenta reencontrar o ritmo depois da azáfama da véspera.

É um prato que não faz cerimónia, não exige ingredientes raros e não pede preparação elaborada. Ainda assim, guarda um sabor que atravessa gerações.

O nome pode parecer enigmático, quase bruto, mas descreve precisamente a essência do prato, já que se aproveitam “farrapos”, restos da ceia, especialmente bacalhau, batatas, couves e ovos.

Não há luxos, há tradição, simplicidade e um estilo de cozinha que nasceu da sabedoria rural, onde nada se desperdiça e tudo se reinventa.

Talvez seja por isso que o farrapo velho continua tão presente, mesmo numa época em que a culinária se tornou mais técnica e mais fotogénica. Este prato é puro conforto, tal como o Natal deveria ser.

Farrapo velho: símbolo nacional (e uma receita)

Nalgumas casas, a receita é quase ritual. A frigideira enorme, o azeite generoso, o alho a estalar devagar. O bacalhau desfiado que se junta às couves, as batatas partidas à colher, os ovos que completam o conjunto.

Há quem goste mais seco, há quem prefira mais húmido. Em certas regiões, acrescenta-se um toque de pimenta-da-terra ou um fio de vinagre no final.

Noutras, guarda-se o azeite mais perfumado do ano para este momento específico do dia 25. Tudo varia, menos a intenção: transformar as sobras da consoada num prato que quase abraça.

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Travão ao desperdício

Embora nasça da tradição natalícia, o farrapo velho acabou por se tornar numa espécie de manifesto culinário e mostra como a cultura portuguesa sempre soube valorizar cada ingrediente e dar nova vida ao que já foi servido.

Além disso, é um prato que reúne a família novamente à mesa. Muitas vezes, com menos formalidade e mais conversa. O Natal continua ali, mas agora com um ritmo mais calmo, sem a pressão dos pratos alinhados e das travessas impecáveis.

Como preparar farrapo velho

farrapo velho no prato

Não é nenhuma ciência oculta preparar este prato. Há quem dê o seu toque pessoal aqui e ali, mas a base é quase sempre igual. Siga os nossos passos e delicie-se.

Ingredientes (para 4 pessoas)

Sobras de bacalhau cozido desfiado

Batatas cozidas partidas grosseiramente

Couves portuguesas cozidas

Ovos cozidos ou mexidos (dependendo da tradição familiar)

3 a 4 dentes de alho laminados

Azeite q.b. (sem medo — o prato pede generosidade)

Sal e pimenta preta a gosto

Opcional: vinagre, salsa picada ou pimenta-da-terra

Preparação

Aqueça uma frigideira grande com um bom fio de azeite e junta o alho até libertar aroma, sem deixar queimar. Acrescente o bacalhau desfiado, mexendo devagar para o envolver no azeite quente.

Junte as batatas e as couves, misturando tudo com calma, quase como se estivesses a “acomodar” os ingredientes uns aos outros. Ajuste o sal, tempere com pimenta e deixe cozinhar alguns minutos, até ganhar cor.

No final, adicione os ovos (cortados em pedaços ou previamente mexidos) e envolva. Se quiser um toque mais fresco, remate com salsa picada. Se preferir acidez, um fio de vinagre faz maravilhas.

Servir quente, de preferência numa mesa ainda com cheiro a pinho. Bom apetite e bom natal.

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