Share the post "Farrapo velho: a tradição que transforma sobras em conforto"
No universo das mesas portuguesas, poucas receitas conseguem ser tão humildes e ao mesmo tempo tão emblemáticas como o farrapo velho.
Surge quase sempre no dia 25 de manhã, quando a casa ainda cheira a canela, a sonhos e a bacalhau cozido, e quando toda a gente tenta reencontrar o ritmo depois da azáfama da véspera.
É um prato que não faz cerimónia, não exige ingredientes raros e não pede preparação elaborada. Ainda assim, guarda um sabor que atravessa gerações.
O nome pode parecer enigmático, quase bruto, mas descreve precisamente a essência do prato, já que se aproveitam “farrapos”, restos da ceia, especialmente bacalhau, batatas, couves e ovos.
Não há luxos, há tradição, simplicidade e um estilo de cozinha que nasceu da sabedoria rural, onde nada se desperdiça e tudo se reinventa.
Talvez seja por isso que o farrapo velho continua tão presente, mesmo numa época em que a culinária se tornou mais técnica e mais fotogénica. Este prato é puro conforto, tal como o Natal deveria ser.
Farrapo velho: símbolo nacional (e uma receita)
Nalgumas casas, a receita é quase ritual. A frigideira enorme, o azeite generoso, o alho a estalar devagar. O bacalhau desfiado que se junta às couves, as batatas partidas à colher, os ovos que completam o conjunto.
Há quem goste mais seco, há quem prefira mais húmido. Em certas regiões, acrescenta-se um toque de pimenta-da-terra ou um fio de vinagre no final.
Noutras, guarda-se o azeite mais perfumado do ano para este momento específico do dia 25. Tudo varia, menos a intenção: transformar as sobras da consoada num prato que quase abraça.
Travão ao desperdício
Embora nasça da tradição natalícia, o farrapo velho acabou por se tornar numa espécie de manifesto culinário e mostra como a cultura portuguesa sempre soube valorizar cada ingrediente e dar nova vida ao que já foi servido.
Além disso, é um prato que reúne a família novamente à mesa. Muitas vezes, com menos formalidade e mais conversa. O Natal continua ali, mas agora com um ritmo mais calmo, sem a pressão dos pratos alinhados e das travessas impecáveis.
Como preparar farrapo velho

Não é nenhuma ciência oculta preparar este prato. Há quem dê o seu toque pessoal aqui e ali, mas a base é quase sempre igual. Siga os nossos passos e delicie-se.
Ingredientes (para 4 pessoas)
Sobras de bacalhau cozido desfiado
Batatas cozidas partidas grosseiramente
Couves portuguesas cozidas
Ovos cozidos ou mexidos (dependendo da tradição familiar)
3 a 4 dentes de alho laminados
Azeite q.b. (sem medo — o prato pede generosidade)
Sal e pimenta preta a gosto
Opcional: vinagre, salsa picada ou pimenta-da-terra
Preparação
Aqueça uma frigideira grande com um bom fio de azeite e junta o alho até libertar aroma, sem deixar queimar. Acrescente o bacalhau desfiado, mexendo devagar para o envolver no azeite quente.
Junte as batatas e as couves, misturando tudo com calma, quase como se estivesses a “acomodar” os ingredientes uns aos outros. Ajuste o sal, tempere com pimenta e deixe cozinhar alguns minutos, até ganhar cor.
No final, adicione os ovos (cortados em pedaços ou previamente mexidos) e envolva. Se quiser um toque mais fresco, remate com salsa picada. Se preferir acidez, um fio de vinagre faz maravilhas.
Servir quente, de preferência numa mesa ainda com cheiro a pinho. Bom apetite e bom natal.