Cláudia Pereira
Cláudia Pereira
25 Ago, 2025 - 18:30

Labubu: o estranho coleccionável que virou fenómeno global

Cláudia Pereira

Labubus são bonecos‑surpresa da Pop Mart que misturam fofura e estranheza. Celebridades impulsionaram a mania, mas especialistas alertam para o impacto psicológico.

Labubus é uma criação de Kasing Lung, artista de Hong Kong formado na Holanda. Parte da série The Monsters, surgiu em 2015 com visual que alinha fofo e feroz: corpo peludo, olhos grandes, dentes afiados. Só ganhou fama em 2019, com a parceria com a Pop Mart.

O fenómeno ganhou força quando Lisa, do grupo Blackpink, surgiu com um Labubu num vídeo. Bastou esse momento para as redes sociais entrarem em ebulição — e, em pouco tempo, o mundo inteiro queria ter o seu.

Só no primeiro semestre de 2024, “The Monsters” gerou cerca de 6,3 mil milhões de yuans (aproximadamente 80 milhões de euros) em vendas.

O apelo psicológico das blind boxes

O conceito é simples, mas poderoso: compra-se uma caixa sem saber o que vem dentro. Essa incerteza ativa uma descarga de dopamina — o neurotransmissor do prazer. O cérebro reage ao mistério, ao risco, à possibilidade da sorte e pede mais.

Segundo Tianxin Zou, doutorado em marketing na Universidade da Florida, abrir uma blind box é comparável a jogar na lotaria:

“É como comprar um bilhete de lotaria — a incerteza acrescenta prazer.”

Mas há quem não fique por uma só caixa. Zou afirma que alguns consumidores chegam a comprar centenas, na esperança de encontrar aquela figura rara, especial, que falta na coleção.

Mais do que um hábito solitário, este ritual tornou-se também social. Como explica o especialista:

“Abrir blind boxes em grupo pode ser um momento alegre. Dá valor social ao Labubu.”

O que começou como simples brinquedo transforma-se assim numa experiência partilhada, emocional e, em alguns casos, difícil de largar.

Vozes reais — consumidores e especialistas

O sucesso dos Labubus não se explica apenas pelo design peculiar ou pela fama nas redes sociais. Há também uma forte componente comportamental ligada ao consumo impulsivo, à colecção e à sensação de recompensa emocional.

Segundo investigação publicada no The Guardian, muitos consumidores relatam experiências marcadas por arrependimento e gastos excessivos. O padrão é comum: compra de múltiplas blind boxes, muitas vezes sem grande interesse no conteúdo, apenas pela emoção da descoberta.

Casos de consumidores que gastaram milhares de dólares em poucos meses não são raros. Alguns chegam a descrever o hábito como comparável ao jogo: a adrenalina, o risco e a expectativa de “sair o raro” tornam a experiência viciante.

Especialistas em comportamento de consumo apontam que fenómenos como o dos Labubus estão ligados ao chamado “coleccionismo emocional” — a ideia de que possuir determinados objetos preenche uma necessidade psicológica: pertencer, completar, alcançar.

A cultura do “FOMO” (medo de perder algo) alimenta o ciclo. Cada nova série lançada, cada edição limitada, reforça a urgência e o impulso de compra, mesmo entre os que já sentem os efeitos negativos do excesso.

Riscos psicológicos

O formato das blind boxes, como o dos Labubus, tem gerado preocupações crescentes entre especialistas e entidades reguladoras. O principal motivo é a semelhança com os sistemas de loot boxes usados em videojogos — mecanismos que exploram a aleatoriedade para estimular compras repetidas.

Estudos académicos indicam que este tipo de modelo pode afetar especialmente pessoas vulneráveis, como crianças e jovens, aumentando o risco de consumo compulsivo e descontrolo financeiro.

Em termos legais, alguns países começaram a reagir. Nos Estados Unidos, a FTC já aplicou sanções por marketing enganoso dirigido a menores, mas ainda não existe regulamentação específica para blind boxes físicas.

Na China, foram emitidos alertas sobre a necessidade de maior transparência nas probabilidades de obter figuras raras, além de orientações para limitar a venda destes produtos a menores de oito anos. No entanto, a aplicação dessas medidas ainda é limitada e pouco fiscalizada.

A ausência de normas claras permite que este mercado continue a crescer num terreno cinzento, onde a linha entre entretenimento e dependência comportamental pode tornar‑se ténue.

Entre a surpresa e o excesso: onde fica o limite?

Labubu é mais do que um boneco excêntrico, é um símbolo de como o design, a emoção e o marketing digital se cruzam num produto aparentemente inofensivo. A estética invulgar atrai, a experiência da blind box entusiasma e o desejo de coleccionar prende.

Mas o fenómeno não vem sem custos: gasto excessivo, frustração, culpa e até sinais de dependência emocional foram relatados por consumidores em várias partes do mundo. As autoridades começam a olhar com mais atenção, mas a regulação ainda caminha atrás da realidade.

No fim, tudo se resume ao equilíbrio. O prazer de abrir uma caixa surpresa pode ser divertido — desde que não se transforme num vazio disfarçado de conquista.

Veja também