Share the post "Governo quer alargar contratos a prazo. O que está em causa?"
O Governo português prepara-se para avançar com uma proposta legislativa que visa alargar a utilização dos contratos a prazo, recorrendo a várias vias simultaneamente.
Esta intenção, ainda em fase de análise técnica e política, já começou a suscitar reações no seio da sociedade civil, em particular entre sindicatos, associações patronais, juristas e partidos políticos.
A proposta poderá ter implicações profundas na configuração do mercado de trabalho, na proteção dos trabalhadores e no equilíbrio entre flexibilidade e estabilidade laboral.
Fique a saber o que pod estar para vir em termos legislativos nesta área, numa altura em que se anunciam mudanças consideráveis na legislação laboral.
Contratos a prazo: o que pode mudar
Entre os principais objetivos do Governo está o prolongamento da duração máxima dos contratos a termo certo, que atualmente está limitada a três anos, já incluindo eventuais renovações.
O Executivo pretende permitir que os empregadores possam manter trabalhadores com contratos a prazo por períodos mais longos, argumentando que esta mudança poderá dar mais margem de manobra às empresas, sobretudo num contexto económico ainda marcado pela incerteza e pela volatilidade.
Esta proposta é particularmente relevante para sectores como o turismo, a agricultura ou a construção civil, onde a sazonalidade e a natureza intermitente dos projetos têm levado as empresas a defenderem a necessidade de regimes laborais mais adaptáveis.
Mais renovações
Outra dimensão em análise é a possibilidade de aumentar o número de vezes que um contrato a termo pode ser renovado.
A legislação atual impõe um máximo de três renovações, mas a proposta do Governo poderá flexibilizar este limite, permitindo que, dentro de certos parâmetros legais, a renovação se torne mais recorrente sem necessidade de passar para um vínculo permanente.
Adicionalmente, está em cima da mesa uma revisão dos critérios que justificam o recurso a contratos a prazo.
A lei vigente exige que exista uma razão objetiva para a sua celebração, como a substituição de um trabalhador ausente ou um acréscimo temporário da atividade.
No entanto, a proposta governamental poderá expandir esse leque de justificações, permitindo que situações antes não contempladas passem a dar cobertura legal a este tipo de vínculo contratual.
Contratos a prazo: mais competitividade?
O Governo argumenta que estas alterações são fundamentais para fomentar a competitividade da economia e para responder à dificuldade de contratação enfrentada por muitas empresas.
Alega-se que a rigidez do atual enquadramento legal desincentiva o investimento, tanto nacional como estrangeiro, e empurra as empresas para modelos informais de trabalho ou para o outsourcing, práticas que muitas vezes se traduzem em situações de maior fragilidade para os trabalhadores.
A proposta é também apresentada como uma forma de combater o desemprego jovem, com a ideia de que a flexibilização na contratação inicial pode abrir portas à entrada de mais pessoas no mercado de trabalho.
Críticas sindicais
Contudo, as críticas já se fazem ouvir. As centrais sindicais têm-se mostrado particularmente preocupadas, alertando para o risco de se promover um modelo laboral assente na precariedade.
Consideram que o alargamento dos contratos a prazo poderá comprometer seriamente a estabilidade profissional e pessoal dos trabalhadores, dificultando o acesso à habitação, ao crédito, à parentalidade e ao planeamento de vida em geral.
Além disso, alertam que esta mudança poderá institucionalizar a desigualdade entre trabalhadores com vínculos permanentes e temporários, aprofundando divisões salariais e sociais.
Também os partidos da oposição, sobretudo os situados mais à esquerda no espectro político, acusam o Governo de estar a ceder aos interesses das associações patronais e de procurar enfraquecer as garantias laborais em nome de uma alegada modernização económica.

Comparação com a Europa
Do ponto de vista europeu, Portugal já se encontra entre os países com maior percentagem de trabalhadores com contratos a termo.
Dados recentes do Eurostat indicam que cerca de 20% da população empregada em Portugal trabalha com vínculos não permanentes, uma taxa que ultrapassa a média europeia.
Neste contexto, a proposta do Governo poderá colidir com as recomendações comunitárias, que têm incentivado os Estados-membros a combater a precariedade e a fomentar o emprego estável e digno. A Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, também tem vindo a defender o uso excecional, e não sistemático, dos contratos temporários.
A ser aprovada, esta proposta terá várias consequências. Do ponto de vista económico, poderá efetivamente facilitar a contratação e aliviar algumas pressões sobre as empresas.
No entanto, os riscos sociais são significativos, nomeadamente ao nível da coesão e da confiança entre empregadores e trabalhadores.
Existe também o perigo de um aumento da litigância laboral, com mais trabalhadores a recorrerem aos tribunais para contestar vínculos precários prolongados que considerem ilegais ou abusivos.
A proposta ainda não foi formalmente apresentada em Conselho de Ministros, mas deverá sê-lo nas próximas semanas. Após essa fase, seguirá para discussão com os parceiros sociais em sede de concertação social.