Miguel Pinto
Miguel Pinto
17 Dez, 2025 - 14:00

Constitucional chumba Lei da Nacionalidade. O que se segue?

Miguel Pinto

Várias disposições da nova versão da Lei da Nacionalidade não passaram no Tribunal Constitucional. Saiba os passos que se seguem.

lei da nacionalidade

O Tribunal Constitucional (TC) declarou a inconstitucionalidade de várias normas da nova versão da Lei da Nacionalidade, dando razão ao Partido Socialista em cinco das oito normas que tinha submetido a fiscalização preventiva.

A decisão põe em causa aspetos estruturantes da reforma legislativa aprovada pela direita parlamentar e abre um processo político complexo que deverá arrastar-se até 2026.

O Tribunal declarou inconstitucionais quatro normas do decreto que revê a Lei da Nacionalidade, três das quais por unanimidade, e também considerou inconstitucional, por unanimidade, o diploma que previa a perda de nacionalidade como pena acessória no Código Penal.

Nacionalidade: normas declaradas inconstitucionais

Algumas das mais polémicas disposições da nova Lei da Nacionalidade não convenceram os juízes do Tribunal Constitucional.

1. Penas de prisão de dois anos como impeditivo

A norma que impedia o acesso automático à nacionalidade a quem tivesse sido condenado com pena igual ou superior a dois anos de prisão foi chumbada por unanimidade.

Os juízes argumentaram que crimes como uma violação de regras urbanísticas na ampliação de uma casa ou uma invasão de campo num jogo de futebol seriam suficientes para impedir a obtenção de nacionalidade, considerando a medida desproporcionada.

2. Alteração do momento de verificação dos requisitos

O TC considerou inconstitucional a norma que estabelecia que os requisitos para obtenção de nacionalidade deviam estar preenchidos à data da apresentação do pedido, e não à data da decisão.

O tribunal entendeu que esta alteração violava o princípio da proteção da confiança, especialmente tendo em conta os atrasos crónicos da administração pública.

3. Cláusula de “rejeição à comunidade nacional”

Por maioria, com apenas um voto vencido, foi declarada inconstitucional a norma que permitia o cancelamento da nacionalidade por comportamentos que rejeitassem de forma “contundente e ostensiva” a adesão à comunidade nacional.

O tribunal concluiu que a inexistência de qualquer indicação sobre a tipologia ou padrão de comportamentos impossibilitava que os cidadãos pudessem antecipar quais as ações que poderiam motivar o impedimento ao acesso à nacionalidade.

4. Regras para netos de portugueses

Também foi chumbada a norma sobre a atribuição de nacionalidade aos netos de portugueses, sendo que os juízes consideraram que as novas exigências violavam princípios constitucionais.

5. Perda de nacionalidade como pena acessória

O diploma separado que alterava o Código Penal para introduzir a perda de nacionalidade como pena acessória foi integralmente considerado inconstitucional, por unanimidade.

Esta medida aplicar-se-ia a cidadãos naturalizados condenados a penas de prisão efetiva de quatro anos ou mais, nos primeiros dez anos após aquisição da nacionalidade, e violava os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

O que passou da nova lei da nacionalidade??

estafetas e a lei da nacionalidade

Importa sublinhar que nem toda a lei foi chumbada.

Há outras normas que fazem parte da nova versão da lei e que não foram questionadas pelo PS, como é o caso do aumento dos prazos de residência em Portugal para a obtenção da nacionalidade, a necessidade de o requerente comprovar, através de um teste ou certificado, que conhece os símbolos nacionais, a história e a cultura portuguesa e a exigência de que o requerente tenha meios de subsistência.

Estas alterações estruturais mantêm-se, pelo que, caso o Parlamento corrija apenas as inconstitucionalidades apontadas, a nova lei continuará a representar um endurecimento significativo face ao regime anterior.

Veto presidencial obrigatório

O Presidente da República aguarda a notificação formal do Tribunal Constitucional para depois devolver o documento à Assembleia da República.

Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que ainda não recebeu a notificação oficial, mas, uma vez recebida, é constitucionalmente obrigado a vetar os diplomas por inconstitucionalidade, não podendo promulgá-los no estado atual.

Devolução à Assembleia da República

Após o veto presidencial, os decretos regressam ao Parlamento, que terá duas opções fundamentais.

Opção A: Corrigir as inconstitucionalidades

O Governo e os partidos que aprovaram a lei podem optar por retirar ou reformular as normas declaradas inconstitucionais, mantendo as restantes alterações.

Este foi o caminho seguido com a Lei dos Estrangeiros, que, após um chumbo semelhante em agosto, foi revista e acabou promulgada em outubro.

Opção B: Confirmar o diploma com maioria de dois terços

A Constituição prevê que, em caso de veto por inconstitucionalidades, o decreto não pode ser promulgado sem que o órgão que o aprovou expurgue a norma julgada inconstitucional ou o confirme por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

A maioria com que os decretos foram aprovados foi de 157 votos favoráveis (PSD, Chega, IL, CDS-PP e JPP) contra 64 votos contra (PS, Livre, PCP, BE e PAN), ultrapassando o limiar constitucional de dois terços. Isto significa que, teoricamente, a mesma coligação poderia confirmar a lei mesmo perante as inconstitucionalidades declaradas.

Negociações políticas necessárias

O PSD planeia conduzir um processo semelhante à lei dos estrangeiros e seguir em frente, faltando saber se o Chega alinha nesse processo, uma vez que para isso terá de abdicar de várias das suas maiores reivindicações nesta matéria.

O PS manifestou disponibilidade para negociar uma solução que corrija as inconstitucionalidades, mas isso exigirá que o Chega aceite recuar em pontos que considerava essenciais, como a perda de nacionalidade por crimes graves.

A posição de André Ventura será, portanto, determinante. Ou aceita a correção dos aspetos chumbados pelo TC, permitindo uma solução de consenso alargado, ou mantém-se irredutível, forçando o Governo a escolher entre confirmar a lei com a maioria atual (assumindo o custo político de contrariar o TC) ou negociar com o PS.

Calendário político incerto

O timing não favorece uma resolução rápida. A Assembleia da República suspende os trabalhos para as férias de Natal dentro de dias, retomando apenas a 7 de janeiro. Depois, haverá nova suspensão devido às eleições presidenciais de 26 de janeiro e uma eventual segunda volta a 9 de fevereiro.

Marcelo Rebelo de Sousa deixou implícito que este tema poderá já ser entregue ao seu sucessor, ao referir que há “um tempo, ainda razoavelmente longo, até ir parar às mãos do Presidente”. O processo de revisão da lei deverá, assim, arrastar-se até bem dentro de 2026.

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