Nos últimos anos, tem-se assistido a uma mudança significativa nos hábitos de consumo dos jovens, especialmente no que diz respeito à compra de automóveis.
Ao contrário das gerações anteriores, os jovens adultos de hoje (particularmente aqueles entre os 20 e os 35 anos) estão a afastar-se da aquisição de carros novos.
Este fenómeno, observado em vários países europeus, incluindo Portugal, tem múltiplas causas, que vão desde fatores económicos a mudanças de mentalidade e prioridades.
Uma das razões mais óbvias prende-se com a realidade económica que muitos jovens enfrentam. A precariedade laboral, os salários estagnados e o aumento do custo de vida dificultam o acesso ao crédito e tornam a compra de um carro novo uma despesa difícil de justificar.
Além disso, a maioria dos jovens vive em arrendamento, com despesas mensais elevadas, o que deixa pouco espaço para compromissos financeiros de longo prazo como o financiamento de um automóvel.
Depois, há também a melhoria das infraestruturas de transportes públicos, em especial nas grandes cidades, e muitos jovens optam por não ter carro. Ao mesmo tempo, a perceção do automóvel como símbolo de estatuto ou independência pessoal tem vindo a perder força entre esta faixa etária.
A consciência ambiental é também um fator relevante. As novas gerações estão mais sensibilizadas para o impacto ecológico das suas decisões de consumo. Finalmente, há que contar também com o surgimento de apps de mobilidade, como Uber ou Bolt, que contribuíram de forma significativa para mudar a relação das pessoas com o transporte.
Jovens compram menos carros: dados importantes
A redução da compra de carros novos por parte dos jovens não é um sinal de desinteresse pela mobilidade, mas sim uma mudança profunda na forma como ela é entendida e vivida. E há dados concretos que o provam.
Um relatório da OCDE/ITF de 2024 mostra que, nos países mais desenvolvidos, a posse de automóvel, o número de cartas de condução e o uso de carro entre os jovens estão a diminuir significativamente, ao contrário das gerações anteriores.
Em Portugal, dados Eurostat indicam uma média de 560 carros por 1 000 habitantes (valores de 2022), mas o aumento centrou-se nas faixas etárias superiores. Ou seja, os jovens conduzem cada vez menos.
Alteração de hábitos urbanos
Como já referimos, a deslocação urbana, sobretudo por gerações mais jovens, tem recorrido com maior eficácia a “mobility as a service”: apps (Uber, Bolt), trotinetes e bicicletas partilhadas têm ganho terreno, respondendo a uma procura por conveniência e baixo custo.
A mobilidade partilhada tem sido impulsionada pelos preços crescentes do combustível e preocupações ambientais, medidas que afectam mais quem tem rendimentos incertos ou mais reduzidos.

Economias incertas e crédito caro
A crise da precariedade laboral em Portugal é evidente: apenas 28,1 % de jovens (15–24 anos) estão empregados, bem abaixo da média da UE (35,2 %). Com rendimentos baixos e dificuldade no acesso a crédito, os jovens priorizam rendas, educação e despesas diárias em vez de comprar automóvel novo.
Transição energética e frota envelhecida
A sensibilidade ecológica é crescente: em Portugal 75 % dos consumidores demonstram responsabilidade ambiental na compra de carros . Em 2025, os incentivos do Fundo Ambiental para veículos elétricos contemplam até 4 000 € por modelo novo, um apoio estatal significativo.
Mas os dados da frota automóvel em Portugal são avassaladores: cerca de 27 % dos carros têm mais de 20 anos, entre os mais elevados da UE. Por isso, muitos jovens optam por manter viaturas antigas ou recorrer ao mercado de usados, atraídos pelos preços mais baixos.
Teletrabalho, digitalização e “peak car”
Desde a pandemia, o teletrabalho também reduziu a necessidade de deslocações diárias. Segundo a OCDE, os jovens fazem menos viagens em geral devido ao aumento do online e home office.
Este fenómeno de “peak car” demonstra que os jovens viajam menos e usam o carro ainda menos.
Tributação absurda
Para ajudar à festa, e fazer disparar os preços, a fiscalidade automóvel em Portugal é, por vezes, simplesmente absurda, com a instituição de uma dupla tributação que não tem paralelo na maioria dos países da Europa.
Um exemplo? Paga‑se IVA sobre o preço do carro incluindo já o ISV, o que significa que está-se a pagar imposto sobre outro imposto, uma anomalia tributária que a Comissão Europeia já tentou combater sem sucesso.
Em contraste com países como a Alemanha, Espanha ou Estónia (onde o carro apenas suporta IVA), em Portugal a carga fiscal adensa as margens para além dos 50 %, adensando o custo de posse de um veículo e reduzindo a atratividade da compra de modelos novos.
O que isto significa para a indústria automóvel?
Esta tendência desafia a indústria automóvel a repensar os seus modelos de negócio, apostando em soluções mais sustentáveis, acessíveis e adaptadas a um público que valoriza a flexibilidade, a tecnologia e o impacto ambiental das suas escolhas.
Daí que seja um desafio constante para as diferentes marcas encontrar um caminho sustentável e que inverta esta tendência.
Desde logo, será importante redefinir o público-alvo e talvez apostar cada vez mais em soluções de mobilidade flexíveis, seja a subscrição mensal, o rent-a-car híbrido/elétrico ou pacotes multimodais.
Depois, é fundamental continuar a digitalizar a experiência. Apps, financiamento 100 % online, test-drive virtual ou telemóveis como chave do carro. Tudo para angariar jovens que valorizam conveniência e inovação.
O reforço da sustentabilidade é outra realidade a não ser descurada. Modelos elétricos acessíveis, ecológicos e com baixo custo de manutenção são hoje prioridade para conquistar jovens compradores.
E há, claro está, a necessidade de aprofundamento das relações com os poderes instituídos. Não só a um nível governamental nacional, mas também com as estruturas intermédias de poder.
Como parcerias com o poder municipal, conseguindo apoios locais (estacionamento gratuito, carregamento público) que valorizam a compra de elétricos, sobretudo nas áreas metropolitanas.
Para recuperar terreno entre os jovens, o setor automóvel deverá alinhar produto, mensagem e serviço a um consumidor informado, digital e ecológico.
Mas o mesmo acontece com a comunicação social especializada. Ou o discurso muda ou, face à multiplicidade de canais que vão surgindo, arrisca-se a deslizar para a irrelevância.