Miguel Pinto
Miguel Pinto
08 Dez, 2025 - 11:00

Le Mans: a fábrica que bombeia o coração do chassis Renault

Miguel Pinto

Em Le Mans não acontecem apenas corridas de automóveis. Acontece também um trabalho quase invisível para os chassis da Renault.

fábrica de Le Mans

A poucos quilómetros do lendário circuito das 24 Horas de Le Mans, encontra-se uma das joias industriais do Grupo Renault.

Ali, onde a tradição se encontra com a inovação, nasce algo essencial mas frequentemente invisível, o chassis que garante a segurança e o conforto de milhões de condutores em todo o mundo.

Fundada em 1920 por Louis Renault, a unidade de Le Mans é a mais antiga fábrica do grupo ainda em funcionamento.

O que começou como uma modesta instalação para aliviar a sobrecarga da fábrica de Billancourt transformou-se, ao longo de mais de um século, num centro de excelência reconhecido mundialmente.

A história do local é rica e diversificada. Durante a Segunda Guerra Mundial, fabricou-se equipamento militar.

No pós-guerra, a produção virou-se para o material agrícola, que continuou até 2003, quando a atividade foi cedida à empresa alemã Claas.

Mas foi em 1950, com a transferência da produção de chassis desde Billancourt, que o destino da fábrica ficou definitivamente traçado.

Hoje, esta unidade estende-se por impressionantes 68 hectares, dos quais 28 são ocupados por edifícios.

É uma verdadeira cidade industrial onde trabalham cerca de 2.169 colaboradores, incluindo 120 aprendizes, que garantem mais de 40.000 horas de formação anuais.

O que faz de Le Mans tão especial?

O que distingue verdadeiramente a fábrica de Le Mans de outros centros industriais é a sua integração única. Num mesmo local, encontramos todo o ciclo de vida de um chassis, desde a conceção, até à produção final.

O centro de engenharia, com cerca de 300 colaboradores, é responsável pelo design e desenvolvimento dos sistemas de ligação ao solo para todo o grupo.

Aqui, os engenheiros trabalham lado a lado com os prototipos, os técnicos de testes validam as soluções e as equipas de produção industrializam os componentes.

Esta proximidade física permite uma agilidade notável: as ideias transformam-se rapidamente em protótipos, os testes acontecem no próprio local e as soluções técnicas são validadas de forma muito mais eficiente.

Os números impressionam: são 111 linhas automatizadas que produzem anualmente 6,5 milhões de rotores (discos e tambores de travão, cubos de roda), 1,3 milhões de eixos e 1,3 milhões de berços.

Fundição: o coração pulsante

robôs na fábrica de Le Mans

Um dos elementos mais distintivos da fábrica é a sua fundição integrada, totalmente automatizada. Aqui, a economia circular não é apenas um conceito, mas uma realidade diária.

As aparas de estampagem e as limalhas de maquinação são recicladas em circuito fechado, reduzindo drasticamente o desperdício.

Em 2016, a fundição alcançou um marco histórico ao produzir o seu 50 milionésimo rotor. E este feito não é apenas um número. Representa décadas de conhecimento acumulado, de aperfeiçoamento constante e de compromisso com a qualidade.

Le Mans: inovação para o futuro

Quando falamos de inovação em Le Mans, não nos referimos apenas a melhorias incrementais. A transformação digital das últimas décadas trouxe avanços verdadeiramente revolucionários.

Visão 3D e Robótica. Robôs capazes de ordenar peças a granel através de sistemas de visão tridimensional, trazendo precisão e eficiência sem precedentes.

Inteligência Artificial. Sistemas de controlo assistidos por IA que detetam e analisam instantaneamente desvios na produção, garantindo padrões de qualidade rigorosos.

Realidade Virtual. Simulação de postos de trabalho antes da sua instalação física, permitindo otimizar ergonomia e segurança.

Laser Cladding. Esta é talvez a inovação mais promissora. A fábrica está a testar uma tecnologia de tratamento laser de discos de travão que poderá reduzir em 75% as emissões de partículas finas. Este processo, mais comum na reparação de equipamento pesado, está a ser adaptado para o setor automóvel pela primeira vez, preparando os discos para responder às futuras normas Euro7.

A era da eletrificação

A transição para a mobilidade elétrica representa um desafio estimulante para Le Mans.

A fábrica foi escolhida para fornecer os chassis dos nove veículos eletrificados do plano Renovação França 2025, incluindo modelos icónicos como o Renault 5 E-Tech Electric e o Alpine A290, que conquistaram o Prémio Carro do Ano 2025.

Os veículos elétricos impõem requisitos específicos, como maior rigidez estrutural, gestão criteriosa do peso e integração complexa de sistemas eletrónicos. A equipa de Le Mans está a adaptar ferramentas e competências para responder a estas exigências.

Le Mans: diversidade de competências

funcionária na fábrica de Le Mans

A riqueza da fábrica reside na diversidade dos seus métiers. Da fundição à maquinação, da estampagem à soldadura, até à montagem, cada especialidade contribui para o produto final.

Os componentes produzidos equipam 35 modelos diferentes, distribuídos por 22 locais clientes em França, Inglaterra, Espanha e além. Não são apenas veículos Renault.

Também Dacia, Alpine, Nissan, Mitsubishi e até Mercedes beneficiam da experiência e inovação desta unidade.

Com um volume de negócios de 600 milhões de euros, a fábrica de Le Mans não é apenas um pilar histórico do Grupo Renault, é uma garantia de futuro.

Enquanto o setor automóvel enfrenta transformações profundas, esta unidade posiciona-se estrategicamente através da sua cadeia completa de competências, da sua capacidade de inovação e da qualidade irrepreensível da sua produção.

A fábrica que Louis Renault criou há mais de um século continua a escrever capítulos importantes na história da automação francesa e europeia.

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