Miguel Pinto
Miguel Pinto
10 Dez, 2025 - 17:00

Obesidade: como funcionam as canetas injetáveis e o que aí vem

Miguel Pinto

Pois é, as canetas injetáveis para combater a obesidade estão cada vez mais populares. Mas há alguns fatores a olhar antes de se avançar.

canetas injetáveis

Há coisa de dois ou três anos, quase ninguém por cá tinha ouvido falar em Ozempic ou canetas injetáveis. Mas isso mudou e mudou rápido.

De repente, começaram a surgir notícias sobre escassez nas farmácias. Pessoas a usarem a caneta “por fora da bula”, como quem não quer a coisa.

Celebridades mais magras da noite para o dia (embora poucas o admitissem). E aquele termo esquisito a circular, “rosto de Ozempic”.

Mas o que estava realmente a acontecer?

A revolução silenciosa das canetas injetáveis

Antes de mais, convém perceber que a obesidade não é preguiça, nem falta de força de vontade. É uma doença crónica complexa. Atua em regiões do cérebro que controlam saciedade, gasto calórico e apetite e milhares de portugueses lutam contra ela todos os dias.

É verdade que agora há medicamentos que estão a mudar isto. Para sempre, talvez, mas ainda persistem algumas dúvidas.

Como é que atua?

O intestino produz naturalmente uma hormona chamada GLP-1. Quando alguém come, esta hormona envia mensagens ao cérebro do género “ei, já chega, estou satisfeito”.

Também abranda o esvaziamento do estômago. É como se fosse um semáforo vermelho metabólico.

O problema? Nas pessoas com obesidade, este sistema não funciona assim tão bem.

Aí entram medicamentos como o Ozempic (cujo princípio ativo é a semaglutida). É da classe dos análogos de GLP-1, que mimetizam essa hormona secretada no trato gastrointestinal. Basicamente, fazem o trabalho que o corpo já não consegue fazer sozinho.

As vantagens? São várias. Primeiro, só é preciso aplicar as canetas injetáveis uma vez por semana. Nada de comprimidos diários ou rotinas complicadas.

Depois, os efeitos secundários são muito melhor tolerados comparados com medicações anteriores. E, mais importante ainda, os resultados na perda de peso são mesmo superiores.

Mas não era para a diabetes?

Sim. O Ozempic foi inicialmente criado para tratar diabetes tipo 2. Reduz a velocidade com que o estômago se esvazia, o que ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue.

Só que os médicos repararam numa coisa extra, ou seja, as pessoas estavam a perder peso. Bastante peso.

E foi assim que as canetas injetáveis começaram a ser usadas “off-label” (fora das indicações oficiais da bula) para a obesidade. Até que surgiu o Wegovy, o mesmo princípio ativo, a semaglutida, mas em doses mais elevadas e formalmente aprovado para tratamento da obesidade.

Quanto peso é possível perder?

Depende. Mas os números são impressionantes.

Após 68 semanas, participantes tratados com semaglutida apresentaram redução média de 14,9% do peso corporal. Alguém de 100 quilos? Estamos a falar de quase 15 quilos perdidos.

Porém (e há sempre um porém), isto não é magia. Depois de encerrar o tratamento, dois terços do peso perdido pode voltar 12 meses mais tarde. Por outras palavras: é preciso continuar o tratamento e, mais importante ainda, mudar o estilo de vida.

E agora? O que vem depois do Ozempic?

homem com canetas injetáveis

Aqui as coisas ficam interessantes. Porque o Ozempic já não é o único menino bonito desta história ou das canetas injetáveis.

O Mounjaro (tirzepatida) é o concorrente direto e afirma-se como um concorrente difícil de bater. Não age apenas no receptor GLP-1. Também estimula o receptor GIP (outro péptido intestinal). Quando associado ao GLP-1, o GIP potencializa os resultados de forma significativa.

Melhor ainda é que o GIP tem um efeito inibidor na náusea, que é um dos principais chatices dos medicamentos anteriores. Isto significa que é possível começar com uma dose já potente sem aquela sensação constante de enjoo.

Os resultados? Em ensaios clínicos, adultos registaram redução média de 14,9% do peso ao fim de 68 semanas com semaglutido, mas com tirzepatida alguns casos chegaram até 21%.

Portanto, sim, o Mounjaro parece ser ainda mais eficaz.

Aliás, desde maio de 2025, a Anvisa no Brasil ampliou a indicação do Mounjaro para incluir também o tratamento da obesidade e não apenas diabetes.

Aqui em Portugal, em abril de 2025 ficou disponível o Wegovy na formulação de 2,4 mg, custando cerca de 245 euros mensais.

A verdadeira bomba: Retatrutida

Mas há mais. A retatrutida é a nova geração. Ainda está em testes (fase 3), mas já está a dar que falar. Porquê? Porque não estimula dois receptores. Estimula três, GLP-1, GIP e glucagon.

Nos estudos publicados, participantes perderam em média 17,5% do peso, chegando a 24% nas doses mais altas. E há relatos preliminares de perdas superiores a 30%, números que só se viam com cirurgia bariátrica.

Claro, também há preocupações. Alguns participantes experimentaram perdas de peso aceleradas e muito significativas entre 22 e 31% do peso corporal em 8-9 meses, o que levou a efeitos como perda de massa muscular, fragilidade e até cálculos renais.

Ainda assim, se os estudos de fase 3 correrem bem, a retatrutida poderá estar disponível nos próximos anos. E promete ser um divisor de águas.

Não é tudo um mar de rosas

Já agora, convém também falar dos elefantes na sala. E que começa pelos efeitos secundários que vão sendo descritos por parte de quem utiliza estes medicamentos. Quais são os mais citados?

  • Náuseas e vómitos (especialmente no início)
  • Diarreia
  • Dor de estômago
  • Obstipação
  • Aumento de enzimas pancreáticas como lipase e amilase
  • Em casos raros, pedra na vesícula (devido à perda rápida de peso)

E depois há o tal “rosto de Ozempic”, ou seja, a rápida perda de peso pode diminuir massa muscular e densidade óssea, resultando em flacidez facial. Não é bonito. E algumas pessoas ficam, digamos, um bocadinho assustadas quando olham ao espelho.

O preço é um (grande) obstáculo

Estes medicamentos custam caro. Muito caro. Em Portugal, nenhum destes fármacos tem comparticipação. O Wegovy custa cerca de 245 euros mensais, e o Mounjaro está numa faixa semelhante ou superior. Para muitas pessoas, isto simplesmente não é viável a longo prazo.

Portanto, sim, há um problema sério de acesso.

O que fazer para aceder a estes tratamentos?

mulher que sofre de obesidade

Primeiro, e mais importante de tudo, falar com um médico. Preferencialmente um endocrinologista ou especialista em obesidade.

Segundo, e também essencial, não comprar online. Há montes de sites a vender “Ozempic original” ou “retatrutida experimental” sem qualquer garantia.

A FDA norte-americana já emitiu alertas contra vendas ilegais de medicamentos para emagrecimento, e produtos vendidos online não têm garantia de segurança, qualidade ou dosagem correta.

Em terceiro lugar deve preparar para mudanças no estilo de vida. A medicação dá uma ajuda enorme, mas não faz tudo sozinha. Será preciso acompanhamento nutricional, exercício físico e, possivelmente, apoio psicológico.

E, por último, muita paciência. Os resultados não aparecem da noite para o dia. E, sim, haverá efeitos secundários (provavelmente náuseas, pelo menos no início). Mas para muitas pessoas, vale absolutamente a pena.

Para onde vamos a partir daqui?

A ciência está a avançar a uma velocidade impressionante. Há apenas cinco anos, as opções para tratar a obesidade eram limitadas à dieta, exercício, alguns medicamentos com eficácia duvidosa e, nos casos mais graves, cirurgia.

Hoje? Há medicamentos que funcionam. De verdade. E estão a chegar outros ainda mais potentes.

Mas (e atenção que isto é importante), a obesidade continua a ser uma doença complexa e multifatorial. Não há pílula mágica. Não há caneta mágica. Há ferramentas. Ferramentas boas, sim, mas ferramentas. Só.

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