Cláudia Pereira
Cláudia Pereira
01 Out, 2025 - 18:00

Portugal aprovou a nova lei de estrangeiros: o que muda na prática

Cláudia Pereira

Portugal aprovou novas regras para estrangeiros: reagrupamento mais demorado, vistos limitados e exigências maiores para nacionalidade.

O Parlamento português aprovou, a 30 de setembro de 2025, uma nova lei de estrangeiros, após uma primeira versão ter sido rejeitada pelo Tribunal Constitucional. A legislação introduz alterações significativas nos regimes de entrada, permanência, reagrupamento familiar e acesso à nacionalidade.

Neste artigo, explicamos as principais mudanças e o impacto que poderão ter na vida dos imigrantes já residentes em Portugal, bem como de quem planeia vir para o país.

Como foi aprovada a nova lei de estrangeiros em Portugal

A primeira versão da lei de estrangeiros foi rejeitada pelo Tribunal Constitucional, por inconstitucionalidade. Perante este veto, o Governo apresentou uma versão revista, fruto de negociações parlamentares. Nesta nova proposta, mantiveram-se exigências como os dois anos de residência para o reagrupamento familiar, embora tenham sido introduzidas algumas exceções e mecanismos de flexibilização.

O Presidente da República submeteu o diploma ao Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva, garantindo que as alterações cumpriam os requisitos legais.

A lei foi aprovada com os votos a favor do PSD, Chega, CDS-PP, Iniciativa Liberal e JPP. Os partidos da esquerda — PS, BE, PCP e Livre — votaram contra.

Apesar da aprovação, a medida gerou forte polémica. Vários críticos denunciaram a pressa do processo legislativo, a ausência de pareceres de entidades jurídicas relevantes e o risco de violação de direitos fundamentais.

O que muda na prática com a nova Lei de estrangeiros

Reagrupamento familiar

Prazo de dois anos como regra
O pedido de reagrupamento familiar só pode ser feito após dois anos de residência legal em Portugal. Esta exigência mantém-se, mas com exceções que reduzem ou eliminam a espera em casos específicos, especificamente:

  • Casais que já viviam juntos há pelo menos um ano antes de se fixarem em Portugal podem apresentar o pedido após apenas um ano de residência.
  • Filhos menores de idade e dependentes com deficiência ficam dispensados do cumprimento do prazo de dois anos.
  • Cônjuges ou parceiros que permaneçam no país de origem podem iniciar o processo sem que o requerente tenha cumprido tempo mínimo em Portugal.

Comprovação necessária
O casamento ou união de facto terá de ser reconhecido legalmente, sem indícios de coerção, respeitando normas nacionais (como a proibição de poligamia ou uniões com menores). Nos casos aplicáveis, será ainda exigida prova de que o casal coabitava no país de origem antes da chegada a Portugal.

Prazo de decisão
As autoridades mantêm o prazo de nove meses para decidir os pedidos, com exceções quando o requerente já tiver cumprido os requisitos mínimos de residência.

Vistos de procura de trabalho

A lei limita o acesso a este tipo de visto. Antes, qualquer cidadão podia candidatar-se para procurar emprego em Portugal sem contrato prévio. Agora, apenas candidatos altamente qualificados terão essa possibilidade — engenheiros, investigadores, profissionais de saúde e outras áreas de especialização.

Para a maioria dos trabalhadores, esta via deixa de existir. Será necessário ter já contrato de trabalho ou outra base legal de residência para obter o visto.

Autorização de residência para cidadãos da CPLP

As facilidades para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foram revistas:

  • Passa a ser obrigatório solicitar visto de residência no país de origem;
  • Deixa de ser possível entrar em Portugal como turista e, mais tarde, converter o visto em autorização de residência.
  • A norma aplica-se a novos pedidos e a processos futuros, tornando o regime mais rígido para brasileiros, angolanos, cabo-verdianos e outros cidadãos CPLP.

Nacionalidade portuguesa

A lei também endurece os requisitos para a naturalização:

  • Cidadãos de países lusófonos precisam agora de 7 anos de residência legal (antes eram 5);
  • Para estrangeiros de fora da CPLP, o prazo sobe para 10 anos.
  • É obrigatória a demonstração de ligação efetiva a Portugal: domínio da língua, prova de integração cultural e social e participação na comunidade.
  • Foi introduzida ainda a possibilidade de retirada da nacionalidade adquirida há menos de dez anos em caso de condenação por crimes graves puníveis pela lei portuguesa.

Controlo de fronteiras e fiscalização

Uma das principais novidades é a criação do Sistema de Entrada e Saída, que passa a registar dados biométricos de cidadãos de países terceiros, mesmo quando isentos de visto. Os critérios para recusa de entrada e execução de mandatos de saída coerciva tornam-se mais rigorosos.

Com o fim do SEF, a fiscalização migratória será reforçada através da nova Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), integrada na PSP.

A AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) assume funções administrativas, como vistos e autorizações de residência, enquanto a polícia ficará responsável pelo controlo documental e pelas operações no terreno.

MedidaComo eraComo fica (2025)
Reagrupamento familiarPedido possível após 1 ano de residência.Pedido apenas após 2 anos, com exceções (casais com união prévia, filhos menores, dependentes).
Prazo de decisãoAté 9 meses.Mantém-se em 9 meses, salvo exceções previstas.
Visto de procura de trabalhoAberto a todos, mesmo sem contrato.Apenas para profissionais altamente qualificados.
Residência CPLPPossível entrar como turista e depois pedir.Obrigatório pedir visto de residência no país de origem.
Nacionalidade (lusófonos)Possível após 5 anos de residência.Passa para 7 anos, com prova de integração cultural, social e domínio da língua.
Nacionalidade (outros)Possível após 5 anos.Passa para 10 anos, com requisitos adicionais.
Revogação da nacionalidadeNão prevista.Pode ser retirada se crime grave for cometido até 10 anos após aquisição.
Controlo de fronteirasSEF responsável pelo processo.Criação da UNEF (PSP) para fiscalização; AIMA assume funções administrativas.
Sistema de Entrada e SaídaNão existia.Registo de dados biométricos de cidadãos de países terceiros, mesmo isentos de visto.

Recomendações para quem está em Portugal ou pensa em vir

O reagrupamento familiar ficará mais lento, os vistos mais controlados e os requisitos de nacionalidade ampliados. Para muitos, uma camada extra de desafio num processo já complexo. Mas para quem se prepara bem, reúne o necessário e conhece os direitos, é possível atravessar essa fase com maior segurança:

  1. Verificar prazos e regimes aplicáveis — o texto legal prevê exceções que podem aplicar-se a cada caso.
  2. Reunir documentação robusta — contratos, comprovativos de residência, documentos de vínculo familiar, provas de ligação cultural.
  3. Consultar advogado especializado em imigração — para mapear riscos e otimizar estratégias.
  4. Acompanhar regulamentação complementar — muitos detalhes (listas de profissões qualificadas, regras de exceção, normativos secundários) serão fixados em decretos.
  5. Planeamento antecipado — quem já está legalmente em Portugal deve avaliar com urgência os seus processos à luz das novas normas.
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