Share the post "Prémios Nobel 2025: as ideias e pessoas que marcaram o ano"
Os Prémios Nobel são atribuídos desde 1901 a quem contribui de forma notável para a ciência, a literatura e a paz. Em 2025, os galardões voltaram a sublinhar a importância da curiosidade, da persistência e do impacto colectivo das boas ideias.
Este ano trouxe descobertas que vão muito além dos laboratórios: da física à paz, passando pela literatura e pela economia, os prémios revelam não apenas conhecimento, mas também coragem, visão e humanidade.
Paz: lutar sem armas por democracia
O Prémio Nobel da Paz de 2025 foi atribuído à ativista venezuelana María Corina Machado, em reconhecimento pela sua longa e corajosa luta pela democracia, liberdade de expressão e direitos civis na Venezuela — um país marcado por mais de duas décadas de autoritarismo e instabilidade política.
Engenheira industrial de formação, María Corina iniciou a sua carreira pública como fundadora da organização não-governamental Súmate, em 2002, dedicada à promoção de processos eleitorais transparentes. Rapidamente ganhou notoriedade internacional por denunciar irregularidades no regime de Hugo Chávez, o que lhe valeu tanto apoio popular como perseguições políticas.
Eleita deputada em 2010, tornou-se uma das vozes mais firmes da oposição na Assembleia Nacional, defendendo reformas democráticas, o respeito pela Constituição e o fim da repressão. Em 2014, foi destituída ilegalmente do seu cargo após denunciar abusos perante a Organização dos Estados Americanos. Desde então, continuou a liderar movimentos cívicos, mesmo enfrentando ameaças, vigilância e tentativas constantes de silenciamento.
Em 2023, venceu as primárias da oposição como candidata presidencial, mas foi posteriormente inibida de concorrer pelo regime de Nicolás Maduro. Apesar disso, manteve-se na linha da frente como símbolo de resistência democrática — defendendo sempre uma transição pacífica, baseada no diálogo, nas urnas e no Estado de Direito.
Porque isto importa? Porque relembra que a liberdade não é um dado adquirido. Em muitos lugares do mundo, ela depende de pessoas dispostas a arriscar tudo em nome de princípios universais. María Corina Machado representa essa coragem — e com ela, uma esperança real de mudança.
Física: mexer com partículas que mudam o mundo
O Prémio Nobel da Física 2025 foi atribuído a John Clarke, Michel H. Devoret e John M. Martinis por avanços notáveis na aplicação prática da física quântica a circuitos eléctricos, um feito que durante décadas parecia ser apenas teórico.
Clarke, professor emérito na Universidade da Califórnia, Berkeley, é pioneiro em magnetometria e supercondutores. Devoret, investigador da Universidade de Yale, tem um longo percurso dedicado aos circuitos quânticos. Já Martinis, ex-engenheiro do Google e professor da Universidade da Califórnia, Santa Barbara, liderou o primeiro projeto a alcançar a chamada “supremacia quântica”.
Traduzido para uma linguagem mais terra‑a‑terra: os três mostraram que fenómenos como o tunelamento quântico e a quantização da energia podem ser utilizados para criar dispositivos com aplicações reais.
Estas descobertas são a base para computadores quânticos capazes de resolver problemas inacessíveis aos computadores tradicionais, sensores com precisão sem precedentes e sistemas avançados de armazenamento de energia. Um salto técnico com consequências em áreas como a medicina, a meteorologia ou a segurança digital.
Química: estruturas minúsculas, impacto gigante
O Prémio Nobel da Química 2025 foi atribuído a Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar M. Yaghi pelo desenvolvimento dos chamados metal-organic frameworks (MOFs), estruturas moleculares altamente porosas que estão a mudar a forma como lidamos com gases, líquidos e compostos tóxicos.
Kitagawa, professor da Universidade de Quioto, é considerado um dos fundadores deste campo e foi o primeiro a demonstrar que os MOFs podiam ser sintetizados de forma controlada. Robson, da Universidade de Melbourne, contribuiu para a base teórica e estrutural destas redes coordenadas. Yaghi, investigador da Universidade da Califórnia, Berkeley, levou os MOFs a um novo nível, aplicando-os à captura de CO₂, armazenamento de hidrogénio e recolha de água atmosférica em ambientes áridos.
Estes “andaimes moleculares” funcionam como esponjas à escala atómica. São feitos a partir da combinação de iões metálicos com compostos orgânicos, criando estruturas ocas com uma área de superfície interna imensa — num grama de MOF pode haver mais área que num campo de futebol.
Na prática, o trabalho deste trio ajuda a criar soluções sustentáveis para problemas urgentes como as alterações climáticas, a crise energética e o acesso à água potável. Um exemplo claro de como a química pura se transforma em ferramentas para um planeta mais habitável.
Economia: crescimento com inovação
O Prémio Nobel de Ciências Económicas 2025 foi atribuído a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, pelo seu contributo essencial para a compreensão de como a inovação impulsiona o crescimento económico e transforma sociedades.
Joel Mokyr, professor na Universidade Northwestern (EUA), é um dos maiores historiadores económicos da atualidade. A sua investigação liga o progresso tecnológico à evolução das ideias e instituições desde a Revolução Industrial. Destaca-se pela forma como explica que o crescimento não depende apenas de recursos ou capital, mas da cultura que promove a inovação.
Philippe Aghion, professor do Collège de France e da London School of Economics, e Peter Howitt, professor emérito da Universidade de Brown, são co-autores da chamada teoria do crescimento endógeno baseado na destruição criativa. Inspirados nas ideias de Joseph Schumpeter, desenvolveram modelos económicos que demonstram como o dinamismo empresarial — ao substituir velhas tecnologias por novas — é o motor real do crescimento sustentável.
Este Nobel valoriza o conhecimento económico que sai dos gabinetes e entra no debate público — com impacto direto na formação de políticas, estratégias empresariais e desenvolvimento social.
Medicina: a paz dentro do corpo humano
O Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 2025 foi atribuído a Mary E. Brunkow, Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi, pela descoberta dos mecanismos que permitem ao sistema imunitário distinguir entre células “amigas” e ameaças reais.
Tudo começou nos anos 90, quando Sakaguchi, imunologista japonês e professor da Universidade de Osaka, identificou pela primeira vez um tipo especial de células do sistema imunitário — as células T reguladoras (Tregs). Estas atuam como moderadoras, impedindo que o sistema imunitário ataque os próprios tecidos do corpo.
Pouco depois, Mary E. Brunkow, então investigadora na Immunex Corporation, descobriu o gene FOXP3, essencial para o desenvolvimento e funcionamento dessas mesmas células T reguladoras. A sua mutação estava associada a uma doença autoimune rara e letal em crianças — a síndrome IPEX.
Fred Ramsdell, imunologista norte-americano com experiência em investigação e indústria farmacêutica, confirmou e aprofundou o papel do FOXP3 na regulação imunitária. O seu trabalho foi crucial para traduzir a descoberta em aplicações clínicas e terapêuticas.
A investigação deste trio transformou o conhecimento sobre imunidade, permitindo avanços na imunoterapia, na modulação imunitária em transplantes e no desenvolvimento de tratamentos personalizados. É ciência de base com impacto direto na vida de milhões.
Literatura: escrever como forma de resistência
O Prémio Nobel da Literatura de 2025 foi atribuído ao húngaro László Krasznahorkai, reconhecido pela sua escrita profundamente filosófica e pela exploração crua da fragilidade das sociedades contemporâneas.
Nascido em 1954, Krasznahorkai é considerado um dos mais importantes escritores europeus vivos. Estreou-se com o romance Sátántangó em 1985, uma obra labiríntica que descreve a degradação moral e económica de uma aldeia húngara após a queda do comunismo. O livro viria a ganhar projeção internacional com a adaptação cinematográfica de Béla Tarr, uma longa-metragem de sete horas que elevou ainda mais o estatuto cult do autor.
A sua prosa é marcada por frases longas, labirínticas e hipnóticas, que exigem atenção total do leitor — uma estética que muitos consideram desafiante, mas recompensadora. Temas como o apocalipse, o niilismo, a desintegração das estruturas sociais e a busca de sentido num mundo caótico atravessam quase toda a sua obra.
Outros títulos marcantes incluem Melancolia da resistência, Guerra e guerra e Seiobo lá em baixo — este último vencedor do Prémio de Literatura Internacional da Feira de Leipzig. Em 2015, Krasznahorkai já havia recebido o prestigiado Man Booker International Prize, distinção que antecipava o reconhecimento do Nobel.
Atribuição do Nobel a Krasznahorkai relembra que a literatura não é apenas entretenimento — é um meio para questionar sistemas, provocar reflexão e revelar as fissuras da existência humana.
Economia: crescimento com inovação
O Nobel de Ciências Económicas foi atribuído a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, por explicarem como a inovação impulsiona o crescimento económico.
Basearam-se na teoria da “destruição criativa”: as novas ideias substituem as antigas, dando lugar a sectores mais eficientes e sociedades mais dinâmicas.
Este trabalho ajuda a perceber como é que políticas públicas, educação e investimento podem criar um futuro mais sustentável e equilibrado.
Um ano que mostrou a força das ideias
Mais do que celebrar nomes, os Prémios Nobel de 2025 reconheceram ideias com impacto real, aquelas que desafiam o presente e traçam caminhos para o futuro.
Este ano a Universidade da Califórnia destacou-se ao estabelecer um recorde histórico com quatro investigadores laureados num só ano, reforçando o papel central das instituições académicas no avanço científico e social ao nível global.
Mas este ano Nobel foi mais do que estatísticas, foi uma prova de que o conhecimento, seja na forma de partículas quânticas, células imunitárias, estruturas moleculares, romances densos ou atos de coragem política, continua a ser uma força de transformação profunda.