Miguel Pinto
Miguel Pinto
26 Set, 2025 - 10:25

Rendas moderadas: o que significa esta ideia Governo?

Miguel Pinto

O Executivo acabou com o conceito das rendas acessíveis e criou as rendas moderadas. Saiba tudo o que está em causa.

rendas moderadas

O Governo chama-lhe “rendas moderadas”, um termo que vem substituir as até agora “rendas acessíveis”. O nome soa simpático, mas o que quer ele dizer na prática?

A explicação oficial começa com um número que tem gerado surpresa: 2.300 euros. Esse é o valor máximo que o Executivo definiu como limite para que um contrato de arrendamento possa ser considerado moderado. Isto significa que qualquer renda até esse patamar será enquadrada neste novo regime.

É uma mudança significativa em relação ao que antes se chamava “renda acessível”, que tinha critérios muito mais restritivos e que, na prática, acabava por abranger apenas uma pequena fatia da população.

Agora, a ideia é incluir também a classe média, oferecendo incentivos a senhorios que pratiquem rendas até este valor e criando deduções para inquilinos que vivam em casas dentro do mesmo intervalo.

Rendas moderadas: benefícios fiscais

Na prática, o Governo propõe que senhorios que arrendem casas com rendas inferiores a 2.300 euros possam beneficiar de taxas reduzidas de IRS, em vez dos 25% habituais

As deduções no IRS para inquilinos também vão aumentar, primeiro até 900 euros e, em seguida, até 1.000 euros por ano, numa tentativa de aliviar o peso que a habitação representa no orçamento das famílias.

Além disso, será aplicada uma taxa de IVA de apenas 6% na construção e reabilitação de imóveis destinados a arrendamento com rendas moderadas, um incentivo que pretende tornar mais atrativo investir neste segmento do mercado.

Mesmo as mais-valias resultantes da venda de imóveis poderão ser isentas de tributação, desde que o valor seja reinvestido em habitação para arrendamento dentro deste limite.

Foto do casario do Rossio, em Lisboa

Um país desigual

Tudo isto, no papel, parece desenhado para atacar várias frentes ao mesmo tempo. Estimular a construção e a reabilitação, aumentar a oferta de casas disponíveis para arrendar e, em paralelo, apoiar financeiramente quem já paga renda.

Mas há questões que não se podem ignorar. Desde logo, a uniformidade do critério. Para o Governo, uma renda moderada em Lisboa é exatamente o mesmo que em Bragança, Coimbra ou Portalegre, porque o limite é fixo e nacional. No entanto, qualquer pessoa percebe que as realidades não são comparáveis.

Numa cidade do interior, onde um T2 pode custar 400 ou 500 euros, falar de 2.300 euros como renda moderada soa quase absurdo. Já em Lisboa, onde os preços médios estão muito acima daquilo que a maioria consegue suportar, esse teto poderá parecer insuficiente para travar a especulação.

A intenção declarada do Executivo é criar um regime mais abrangente, capaz de incluir não apenas famílias de rendimentos baixos, mas também agregados que, mesmo auferindo salários relativamente confortáveis, não conseguem competir com os valores inflacionados do mercado privado.

Rendas moderadas: otimismo e críticas

Um agregado familiar com rendimento mensal na ordem dos 5.750 euros foi usado como exemplo de referência para definir este limite. Mas esta escolha levanta dúvidas.

Será que esta é a fotografia fiel da realidade portuguesa, ou estaremos perante um desenho demasiado otimista, pensado para não assustar investidores e proprietários?

As críticas não tardaram a surgir. Há quem argumente que este novo conceito pode ter um efeito perverso: em vez de puxar as rendas para baixo, poderá normalizar preços que já são demasiado altos.

Em muitos concelhos do país, a fixação de um teto nacional tão elevado poderá servir de justificativa para aumentos artificiais. É como se, ao dizer que 2.300 euros é “moderado”, o Estado legitimasse de forma indireta valores que para a maioria da população estão completamente fora de alcance.

Por outro lado, defensores da medida sublinham que é preciso realismo e que, sem incentivos concretos, dificilmente se conseguirá trazer mais casas para o mercado de arrendamento.

Falta regulamentação

A verdade é que o diabo está sempre nos detalhes. Ainda falta perceber como será feita a regulamentação prática, que condições adicionais serão exigidas aos contratos e como se garantirá que os benefícios fiscais são realmente aplicados a quem cumpre as regras.

Também se coloca a questão da fiscalização: quem vai assegurar que não há abusos ou tentativas de contornar a lei? Ainda não há respostas.

Assim, a noção de renda moderada parece funcionar mais como um guarda-chuva nacional, pensado para dar sinais de confiança ao mercado e, ao mesmo tempo, tentar responder às críticas de que nada se fazia para aliviar a pressão sobre os inquilinos.

É uma tentativa de conciliação entre interesses que raramente caminham de mãos dadas: o dos proprietários, que querem segurança e rentabilidade, e o das famílias, que procuram estabilidade e preços justos.

Resta saber se este novo enquadramento será suficiente para inverter a trajetória atual do mercado de habitação.

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