As greves de diferentes setores em Portugal nos últimos meses tem colocado esta expressão na boca dos portugueses: requisição civil. Mas sabe ao certo o que é? Em que momentos pode ser aplicada pelo Governo? Quais os setores abrangidos? Ou se existem consequências para o não cumprimento?
Daremos resposta a estas questões, para que, caso se veja numa situação semelhante, possa saber como deve agir.
O que é a requisição civil?
A requisição civil está prevista na legislação portuguesa desde 1974, no decreto-lei 637/74, e “compreende o conjunto de medidas determinadas pelo Governo necessárias para, em circunstâncias particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de sectores vitais da economia nacional.”
A ativação da requisição civil “tem um carácter excecional, podendo ter por objeto a prestação de serviços, individual ou coletiva, a cedência de bens móveis ou semoventes, a utilização temporária de quaisquer bens, os serviços públicos e as empresas públicas de economia mista ou privadas.”
Quem autoriza a requisição civil?
A requisição civil é ativada e autorizada mediante resolução do Conselho de Ministros. Além disso, é necessária a publicação de uma portaria dos ministros que tutelam as pastas dos sectores envolvidos no período de paralisação, onde devem ser discriminados os objetivos, duração e regime de prestação de trabalho dos trabalhadores requisitados.
Quando pode ser ativada a requisição civil?
A requisição civil pode ser exercida em todo o território nacional e só pode ser implementada mediante situações de emergência ou sempre que esteja em causa o cumprimento de serviços de interesse público essenciais, nomeadamente as seguintes atividades ou setores:
- Abastecimento de água, desde a captação, armazenagem até à distribuição;
- Exploração do serviço de correios e de comunicações telefónicas, telegráficas, radiotelefónicas e radiotelegráficas;
- Exploração do serviço de transportes terrestres, marítimos, fluviais ou aéreos;
- Explorações mineiras essenciais à economia nacional;
- Produção e distribuição de energia elétrica;
- Exploração, transformação e distribuição de combustíveis destinados a assegurar o fornecimento da indústria em geral ou de transportes públicos de qualquer natureza;
- Exploração e serviço dos portos, aeroportos e estações de caminhos de ferro ou de camionagem, especialmente relacionados com o transporte de carga e descarga de mercadorias;
- Exploração de indústrias químico-farmacêuticas;
- Produção, transformação e distribuição de produtos alimentares, com especial relevo para os bens de primeira necessidade;
- Construção e reparação de navios;
- Indústrias essenciais à defesa nacional;
- Funcionamento do sistema de crédito;
- Prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos;
- Salubridade pública, incluindo a realização de funerais.
Quem pode ser requisitado?
Qualquer trabalhador com mais de 18 anos poderá ser convocado para levar a cabo a implementação da requisição civil.
Não obstante, a atribuição do trabalho terá em consideração, sempre que possível, determinadas condições, como:
- Respetivas profissões;
- Aptidões físicas e intelectuais;
- Idade;
- Sexo;
- Situação familiar.
Como sabe se tem de cumprir a requisição civil?
A decisão da implementação da requisição civil será feita através dos meios de comunicação social, produzindo efeitos imediatos. Em situações mais concretas e individuais, essa decisão é transmitida aos envolvidos através de documento escrito autenticado pelos Ministros interessados ou pela entidade em que tenham delegado tal decisão.
E se não a requisição civil não for cumprida?
Se a requisição civil não for cumprida, estão previstas na lei consequências para os trabalhadores que não compareçam ou se recusem a desempenhar as funções atribuídas.
Essas consequências podem ir desde processos disciplinares à própria possibilidade de crime por abandono de funções, uma vez que estão a violar o disposto no artigo 547 do Código do Trabalho. Caso seja considerado crime, este pode resultar numa pena de prisão que pode ir de 1 a 2 anos ou numa pena de multa até 120 dias. Este artigo prevê o crime de desobediência qualificada nos seguintes casos:
- Não apresentação ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral documento ou outro registo por este requisitado que interesse ao esclarecimento de qualquer situação laboral;
- Ocultação, destruição ou dano de documento ou outro registo que tenha sido requisitado pelo serviço referido na alínea anterior.
Será pago enquanto trabalha no âmbito da requisição civil?
A requisição civil de trabalhadores não concede qualquer direito a outra indemnização, a não ser o vencimento ou salário decorrente do respetivo contrato de trabalho ou categoria profissional. Contudo, o trabalhador beneficia “dos direitos e regalias correspondentes ao exercício do seu cargo e que não sejam incompatíveis com a situação de requisitados.”
Desde 1974, a requisição civil foi decretada 32 vezes, incidindo, por exemplo, face às greves dos professores, dos enfermeiros, dos funcionários da TAP e, mais recentemente, dos motoristas de matérias perigosas. Em 2019 esta medida já foi posta em prática 3 vezes.