Share the post "Arouca além dos passadiços: o trilho e as minas de Rio de Frades"
O primeiro passo não começa na terra, começa na respiração. Entrar no vale de Rio de Frades é como abrir uma gaveta esquecida da serra, onde o tempo decidiu abrandar.
O som da água a correr, esse rumor antigo que parece vir de dentro das pedras, é a banda sonora de quem se atreve a percorrer o trilho.
E atrever-se é mesmo a palavra certa: a paisagem não é domesticada, não é polida para turista ver.
É bruta, genuína, com aquela rudeza bonita que só as montanhas sabem oferecer. Venha conhecer.
Rio de Frades: Arouca ainda tem segredos?
Há quem diga que Arouca já não guarda segredos. Que os Passadiços do Paiva roubaram a ribalta. Mas basta caminhar algumas centenas de metros em Rio de Frades para perceber que aqui se entra noutro mundo.
As encostas verdes descem abruptas, quase te esmagam com a sua imponência, e o rio abre caminho teimosamente, como quem sabe para onde vai.
A certa altura, damos por nós a pensar se não estamos a caminhar num cenário de cinema, daqueles filmes em que o protagonista se perde de propósito para se encontrar.
A austeridade das minas
E depois há as minas. Antigas galerias escavadas na rocha, memória de tempos em que os homens desafiavam a serra em busca de volfrâmio. Hoje estão desativadas, claro, mas continuam lá, a respirar histórias de sacrifício e resistência.
Entrar numa dessas bocas escuras é como espreitar uma cicatriz aberta. Sente-se o frio húmido a agarrar-nos à pele, e há um silêncio quase desconfortável, interrompido apenas pelo gotejar da água.
Diz-se que durante a Segunda Guerra Mundial este era um lugar disputado, onde se extraía o chamado “ouro negro” da serra. Imagino os trabalhadores, de lanterna na testa, a escavar na penumbra, sonhando com um pão mais largo ou talvez apenas com o fim do turno.

O trilho não é longo, mas engana. Porque não se mede em quilómetros, mede-se em intensidade. Uma ponte suspensa aqui, um túnel ali, passagens estreitas onde o corpo quase se encosta à rocha.
E sempre o rio ao lado, ora tranquilo como um espelho partido, ora impetuoso a correr desvairado. É curioso. Quem o percorre sente tanto o peso da história como a leveza do presente. Há uma vibração quase mística, como se as árvores e as pedras quisessem contar segredos, mas só a quem tiver paciência de escutar.
Rio de Frades: caminhada para todos
Já agora, convém dizer que este percurso não é só para atletas ou fanáticos das caminhadas. É também para os curiosos, para os que gostam de sentir o cheiro da terra molhada e de se surpreender com uma salamandra que atravessa o caminho sem pedir licença.
Há pontos em que se pode parar, sentar-se numa pedra lisa e simplesmente deixar o tempo passar. Ouve-se muitas vezes pessoas dizerem que “precisam de desligar”. Pois bem, aqui não é preciso esforço nenhum, já que a cobertura de rede desaparece e o que fica é a ligação direta, pele com pele, ao lugar.
Curiosamente, não há muito comércio à volta e isso é parte do encanto. Não se encontra um café de design com cappuccino de aveia à beira do trilho.
O que há são aldeias minúsculas, onde uma senhora pode aparecer à porta e perguntar se estamos perdidos. É um luxo estranho, esse de voltar a falar com desconhecidos como se fôssemos vizinhos.

O chão debaixo dos pés
Se perguntarem se vale a pena visitar Rio de Frades, talvez possamos dizer que depende. Se procuram conforto, talvez não. Se querem selfies rápidas, também não. Mas se gostam de sentir o chão irregular debaixo dos pés, de descobrir que a sombra de um carvalho pode ser mais hospitaleira do que uma esplanada, então sim. Absolutamente sim.
É fácil romantizar, claro, mas quem já esteve por aquelas bandas sabe que não há exagero. O trilho é uma viagem curta mas intensa, um pedaço de serra que se oferece de forma crua. E, no fundo, é isso que nos faz querer voltar. Não a perfeição, mas a honestidade da paisagem.
Uma honestidade feita de rios, minas, suor e silêncio. E é esse silêncio, tão raro nos dias de hoje, que talvez seja o maior tesouro de Rio de Frades. Ponha-se a caminho.