Share the post "Elétricos: não é a autonomia. É mesmo o tempo de carregamento"
Durante muito tempo, a autonomia dos carros elétricos foi o principal argumento usado contra a sua adoção.
Quantos quilómetros podiam fazer antes der ficarem parados na estrada, que nunca se podia fazer uma viagem completa sem para uma infinidade de tempo, enfim, uma série de putativos problemas que iam fortalecendo a resistência à eletrificação.
Era o receio de ficar sem bateria a meio de uma viagem (a “range anxiety”), a que se juntava a escassez de postos de carregamento, criando uma perceção generalizada de que os veículos elétricos não eram ainda viáveis para a maioria dos condutores.
A verdade é que essa realidade mudou radicalmente nos últimos anos. Com a evolução da tecnologia e a diversificação da oferta no mercado, a autonomia dos carros elétricos já não é o problema que era há uma década.
Hoje, o verdadeiro entrave à adoção generalizada está noutro ponto: o tempo de carregamento dos carros elétricos. É aqui que está o novo argumento e, no fundo, é o grande desafio que se coloca a todas as marcas.
Autonomia dos carros elétricos: falso problema
Os modelos elétricos disponíveis atualmente em Portugal como o Tesla Model 3 Long Range, o Hyundai Ioniq 6 ou os Renault Mégane E-Tech o Scenic E-Tech oferecem autonomias reais entre os 350 e os 600 quilómetros.
São distâncias mais do que suficientes para o quotidiano da maioria dos portugueses, cujo trajeto médio diário ronda os 30 a 40 quilómetros. Mesmo os veículos elétricos mais acessíveis já permitem circular vários dias sem necessidade de recarregar.
A preocupação com a autonomia deixou de ser central e, em muitos casos, tornou-se até um falso problema.
Contudo, a experiência prática de utilizar um carro elétrico levanta uma nova questão: quanto tempo é necessário para carregar a bateria?
E é aqui que muitos condutores esbarram numa nova barreira. Estamos habituados a abastecer os nossos carros em menos de cinco minutos, num processo rápido, simples e familiar.

Tempos ainda demorados
Em contraste, o carregamento de um carro elétrico continua a ser significativamente mais demorado. Mesmo com postos de carregamento rápido, carregar até 80% da bateria pode demorar entre 20 a 40 minutos.
Em contextos urbanos, onde o acesso à rede de carregamento público é essencial para muitos utilizadores, esse tempo representa uma diferença significativa em relação à conveniência dos motores a combustão.
A autonomia já não é uma limitação. Se um carro carregar em 5 minutos até pode ter apenas 200 quilómetros de autonomia. Ou 150.
Se o carregamento for feito em casa através de um wallbox, o processo é mais lento, mas perfeitamente adaptado à rotina de quem tem essa possibilidade. Carregar durante a noite, enquanto o veículo está parado, resolve grande parte do problema.
O problema persiste, no entanto, para os milhares de portugueses que vivem em apartamentos sem garagem, sem acesso direto a um ponto de carregamento.
Para estes utilizadores, o carregamento público torna-se essencial e a falta de infraestrutura suficiente, associada a tempos de espera e indisponibilidades técnicas, continua a gerar frustração.
Repensar o uso do automóvel
É importante ainda compreender que o verdadeiro desafio não é apenas tecnológico, mas também cultural. A transição para a mobilidade elétrica implica uma mudança na forma como pensamos o uso do automóvel.
Com os elétricos, o carregamento deve ser visto como um processo contínuo e integrado na rotina diária. Carregar enquanto se está no supermercado, no ginásio ou durante o horário de trabalho pode ser suficiente para manter o carro operacional sem necessidade de “paragens de emergência”.
Mas essa mudança de mentalidade exige planeamento, paciência e, sobretudo, um ecossistema preparado para suportar esse novo modelo de utilização.
Investimento na rede
Portugal tem feito progressos importantes neste sentido. A rede pública da Mobi.E, por exemplo, conta com milhares de postos de carregamento em todo o território, incluindo em zonas rurais.
Existem também investimentos significativos na instalação de postos ultrarrápidos nas principais autoestradas, que permitem carregar centenas de quilómetros em menos de meia hora.
Ainda assim, muitos destes postos continuam mal sinalizados, mal distribuídos e, por vezes, inoperacionais. A perceção de que não se pode confiar totalmente na rede de carregamento afasta muitos potenciais compradores de veículos elétricos.

Educar o consumidor
Ao mesmo tempo, é importante educar o consumidor. Muitos dos receios em torno do tempo de carregamento nascem da comparação direta com o processo de abastecimento tradicional, o que nem sempre é justo.
Carros elétricos não precisam de ser “atempadamente” carregados todos os dias. Podem ser carregados parcialmente, de forma contínua e previsível, se houver planeamento e acesso aos meios adequados.
A tecnologia já permite fazer isso. O desafio está agora em criar condições para que essa conveniência esteja ao alcance de todos.
É certo que o futuro será elétrico. Mas a velocidade com que lá chegamos depende da forma como resolvemos o problema do carregamento. A autonomia já não é uma limitação. Se um carro carregar em 5 minutos até pode ter apenas 200 quilómetros de autonomia. Ou 150.
Os carros elétricos são confortáveis, eficientes, silenciosos e cada vez mais acessíveis. Falta apenas resolver o ponto onde a tecnologia ainda não nos libertou completamente. O tempo.