Miguel Pinto
Miguel Pinto
06 Mai, 2025 - 15:16

Conclave: o ritual para escolher o sucessor do Papa Francisco

Miguel Pinto

Está aí mais um conclave, agora para escolher o sucessor de Francisco no trono de São Pedro. Mas sabia que já houve um Papa português?

Início do conclave no Vaticano

A morte do Papa Francisco originou como que um vazio de poder no Vaticano. Por isso, estão reunidos em Roma os cardeais para o célebre conclave, ou seja, a eleição de um novo Sumo Pontíficie.

É um dos acontecimentos mais solenes e simbólicos da Igreja Católica, envolvido em séculos de tradição, regras canónicas e rituais que remontam à Idade Média, no qual os cardeais da Igreja se reúnem sob rigoroso sigilo para escolher o novo sucessor de São Pedro.

Entre todos os papas que ocuparam o trono de Pedro até agora, apenas um era de nacionalidade portuguesa: Pedro Hispano, que ficou conhecido como João XXI. Mas já lá iremos.

Para já, vamos-lhe explicar, na generalidade, como surgiu esta reunião denominada conclave e de que forma é eleito o novo chefe da Igreja Católica e Bispo de Roma.

Conclave: de onde surgiu este termo?

O termo conclave deriva do latim cum clave, que significa “com chave”, uma alusão ao encerramento dos cardeais num local fechado, isolados do mundo exterior, até que se chegue a um consenso quanto ao novo Papa.

Esta prática foi formalmente instituída pelo Papa Gregório X, no Segundo Concílio de Lyon, em 1274, em resposta às longas e tumultuosas eleições papais que vinham marcando o século XIII.

A eleição que precedeu a de João XXI, por exemplo, durou quase três anos (1268-1271), um período que ficou marcado por impasses e pressões externas sobre os cardeais.

Gregório X determinou então que os cardeais deveriam ser encerrados num espaço fechado e submetidos a restrições progressivas (incluindo a limitação de comida e conforto) até que fosse escolhido um novo Papa.

capela sistina onde decorre o conclave

Quando é convocado?

O conclave é convocado após a morte ou renúncia do Papa e inicia-se após o chamado funus pontificis, o funeral do Papa anterior. Os cardeais com direito a voto (atualmente todos os que têm menos de 80 anos) reúnem-se na Capela Sistina, no Vaticano.

A cerimónia de entrada é marcada pela proclamação do extra omnes, uma expressão que significa “todos para fora”, usada para indicar que apenas os cardeais eleitores devem permanecer no recinto.

A partir daí, o conclave decorre num clima de absoluto sigilo, sem qualquer contacto com o mundo exterior, sendo proibido o uso de telemóveis, internet, rádio ou qualquer outro meio de comunicação.

E as votações?

As sessões de votação, conhecidas como scrutinium, envolvem um ritual rigoroso: cada cardeal escreve o nome do candidato da sua escolha num boletim de voto, dobra-o, aproxima-se do altar e pronuncia um juramento antes de o depositar numa urna.

Os votos são então contados e lidos em voz alta por três cardeais escrutinadores. Para que um candidato seja eleito, é necessário obter uma maioria qualificada de dois terços dos votos. Se nenhum candidato atingir essa maioria, os cardeais continuam a votar até que se chegue a um consenso.

Tradicionalmente, após cada votação, os boletins são queimados numa chaminé visível da Praça de São Pedro. A cor do fumo que dela emana indica o resultado: fumo preto (misturado com substâncias químicas) significa que não houve eleição, enquanto o fumo branco anuncia ao mundo que um novo Papa foi escolhido.

o fumo branco que anuncia um novo papa

O único Papa português

Mas voltemos então a Pedro Hispano, eleito Papa e que passou à história como João XXI. A sua eleição ocorreu num contexto anterior à formalização completa destes rituais.

Em 1276, após a morte do Papa Adriano V, os cardeais reuniram-se para eleger o novo Pontífice. O cenário era de grande instabilidade, com forte influência de fações políticas, sobretudo das casas nobres italianas e da monarquia francesa.

O nome de Pedro Hispano, arcebispo de Braga, médico, filósofo e erudito, surgiu como uma figura de compromisso entre diferentes facções. Era conhecido por ser um homem de grande cultura e ciência, autor de obras de lógica e medicina que circularam amplamente pelas universidades europeias.

O processo da sua eleição, embora breve, não foi isento de intrigas. Após a morte de Adriano V, os cardeais estavam divididos e pressionados para nomear rapidamente um sucessor que não estivesse comprometido com nenhuma das partes em conflito.

A reputação intelectual de Pedro Hispano, bem como a sua distância geográfica e política dos centros tradicionais de poder, fez dele uma escolha conveniente.

Casamento de D. Manuel e D. Leonor
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Eleito em 1276

A sua eleição foi anunciada a 20 de setembro de 1276, tomando o nome de João XXI, curiosamente saltando a numeração de João XX, devido a um erro histórico na contagem dos papas com esse nome.

João XXI instalou-se em Viterbo, onde procurou reformar a Cúria e reanimar os esforços do concílio convocado por Gregório X. Infelizmente, o seu pontificado foi tragicamente curto.

Em maio de 1277, apenas oito meses após a sua eleição, João XXI morreu na sequência do desabamento do teto do seu aposento, enquanto estudava numa torre do palácio papal.

A sua morte súbita pôs fim a um dos poucos pontificados marcadamente científicos da história da Igreja. Hoje, João XXI é lembrado tanto pelo seu breve papel como líder espiritual como pela sua contribuição ao pensamento medieval, sendo considerado por muitos o único papa “filósofo-cientista”.

Simbolismo do conclave

Embora os tempos tenham mudado e a tecnologia tenha evoluído, o processo do conclave preserva o seu simbolismo ancestral e a sua função central: garantir, através de oração, discernimento e consenso, a continuidade espiritual da Igreja.

A história de João XXI, o único papa português, é um testemunho da imprevisibilidade do conclave e da riqueza humana e intelectual que pode emergir das suas escolhas. O seu legado ecoa ainda hoje como um ponto de orgulho para Portugal e como um episódio singular no vasto e complexo percurso do papado.

Mas a questão que agora todos os católicos colocam é: quem vai suceder ao Papa Francisco?

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