Miguel Pinto
Miguel Pinto
24 Nov, 2025 - 15:30

Parece cenário de filme, mas fica aqui perto na Serra da Estrela

Miguel Pinto

O nome é Covão d’Ametade e é uma das mais fascinantes paisagens da serra da Estrela. Mesmo no inverno, não deve perder.

Covão d'ametade na serra da estrela

É curioso como certos lugares se apresentam antes de nós dizermos seja o que for. O Covão d’Ametade é desses.

Chega-se lá por uma estrada que serpenteia com aquela calma desconfiada das montanhas e, de repente, sem aviso, abre-se um anfiteatro natural rodeado de freixos esguios e um silêncio que parece pousado à superfície da neve.

Não há placas luminosas, nem truques de marketing. Há só um campo raso, uma linha de árvores em guarda de honra e um pedaço de ar frio que sabe a água pura. E, por estranho que pareça, este é daqueles sítios que não se descreve, apanha-se.

Logo à primeira vista, percebe-se que isto não é apenas mais um postal turístico da Serra da Estrela. É um daqueles recantos que carrega uma energia antiga, pesada de história geológica, leve de presença humana.

Talvez seja o vale glaciário, talvez aqueles troncos alinhados que se tornam quase esculturas quando o gelo lhes abraça a base.

Ou a forma como a luz, no inverno, entra cortada, afiada, quase azulada, e transforma tudo num cenário de filme onde ninguém fala alto. Enfim, há lugares assim, que parecem guardar a própria respiração.

Covão d’Ametade: conhecer o vale

vista do covão d'ametade na serra da estrela

É fácil esquecer que o Covão d’Ametade não foi inventado para passeios de domingo. É o ponto de partida do majestoso Vale do Zêzere, moldado por glaciares que avançaram por aqui há milhares de anos.

A planura onde hoje se estendem mesas de madeira e famílias a beber chocolate quente era, literalmente, o leito de gelo em movimento.

E se olhar para as paredes abruptas que abraçam o vale, dá para imaginar essa massa a descer devagar, paciente, como quem tem todo o tempo do mundo (e tinha).

Depois há aquele detalhe que escapa às fotos, o som. No inverno, é quase nada. Um riacho tímido, o vento curto a passar por entre as árvores e passos que estalam no gelo fino.

As famílias falam mais baixo, os caminhantes caminham mais devagar, os miúdos correm mas param ao fim de poucos metros, como se a própria paisagem os chamasse à ordem.

Parece exagero? Talvez. Mas quem já lá esteve no inverno sabe que o Covão é, de certa forma, pedagógico e ensina silêncio.

Charme que não se explica

Covão d'ametade

Quando o frio se instala a sério, o cenário ganha um charme bruto. A relva congela, o vapor do rio sobe como fumo leve e o vale parece uma pintura quase monocromática.

Há quem vá só tirar fotos, mas o valor do lugar está mais no que não aparece. No momento em que o sol atravessa os freixos e deixa sombras longas; no vapor quente que sai da boca; na sensação tola de que ali, mesmo ali, o tempo ficou mais lento.

E depois há o lado prático, claro. O Covão d’Ametade é um ponto perfeito para quem quiser continuar caminhada pelo Vale do Zêzere, subir em direção à Torre, aventurar-se pelos trilhos mais longos ou, simplesmente, estacionar o carro, dar meia dúzia de passos e sentir que valeu a pena.

Acessível, mas não banal. Natural, mas quase coreografado pela forma como o vale se estreita. É daqueles sítios que agrada a quem faz montanhismo e a quem só quer tirar um retrato bonito para mandar à família.

O que impressiona, talvez mais do que tudo, é essa dualidade, ou seja, a simplicidade absoluta do lugar e o impacto que tem em quem lá chega.

Não há grandes infraestruturas, não há pousadas com spa, não há lojas de recordações. Há só o vale, os freixos, o rio e um pedaço de chão que parece ter sido colocado ali para lembrar que o país, às vezes, exagera na beleza.

Princípio e fim de caminhadas

caminhadas na serra da estrela

Alguns visitantes dizem que é um bom lugar para começar ou terminar uma caminhada. Outros comentam que é ideal para um piquenique rápido. A verdade? O Covão d’Ametade não precisa de justificar nada.

Funciona como cenário, como ponto de pausa, como porta de entrada para a natureza bruta da Estrela. E, neste tempo frio, ganha aquela aura de pureza: o branco no chão, o cinzento no ar, o verde apagado nas montanhas. Tudo simples. Tudo certo.

Se houver justiça no mundo, este lugar continuará assim durante muitos anos. Quieto. Intacto. Gelado. E pronto para receber quem quiser, por umas horas, deixar o ruído lá em baixo.

Porque no Covão d’Ametade não se vai propriamente “ver coisas”. Vai-se, sobretudo, sentir o que falta quase sempre: espaço para respirar.

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