Se já viajou de avião mais do que uma vez na vida, provavelmente reparou num pormenor curioso: embarca sempre pelo lado esquerdo da aeronave. Sempre. Sem exceções.
Pode voar de Lisboa para o Porto, de Paris para Tóquio, ou apanhar um voo com três escalas intermináveis, mas uma coisa é certa, vai entrar por aquela porta do lado esquerdo como se fosse uma lei universal da aviação. E praticamente é.
Mas porquê? Será que os engenheiros aeronáuticos têm algo contra o lado direito? Terá havido uma reunião secreta nos primórdios da aviação onde alguém disse “olhem, vamos com a esquerda e pronto”?
A verdade é simultaneamente mais simples e mais fascinante do que isso.
Lado esquerdo: uma tradição que vem do mar
Para percebermos esta peculiaridade, temos de voltar atrás no tempo. Muito atrás. Até à época em que os céus ainda não tinham sido conquistados e a grande aventura da humanidade acontecia nos oceanos.
Durante séculos, os navios tinham uma regra sagrada, ou seja, os passageiros embarcavam sempre pelo lado esquerdo da embarcação, conhecido como “bombordo” na terminologia náutica.
O lado direito, chamado “estibordo”, era reservado para a carga, mantimentos e todas aquelas coisas chatas mas essenciais como cordas, barris e marinheiros mal-humorados a gritar ordens incompreensíveis.
Quando a aviação comercial começou a ganhar forma nas primeiras décadas do século XX, os pioneiros da indústria olharam para a navegação marítima e pensaram: “Bem, isto já funciona há séculos, porque havemos de inventar a roda?”
E assim, como bons preguiçosos eficientes, copiaram o sistema.
Mas porquê bombordo nos navios?
A história remonta aos tempos dos Vikings e outros marinheiros antigos. A maioria das pessoas é destra, certo? Pois bem, os marinheiros também eram. E para controlar o leme dos navios antigos (que era basicamente um remo gigante preso ao lado da embarcação), usavam o lado direito.
Em inglês antigo, “steerboard” (tábua de direção) acabou por dar origem à palavra “starboard” (estibordo).
Como o leme estava no lado direito, os navios atracavam com o lado esquerdo virado para o cais. Caso contrário, corriam o risco de partir o leme. E ninguém quer que isso aconteça.
É como partir o volante do carro, mas com mais água salgada e hipóteses de naufrágio envolvidas.
O lado esquerdo na aviação moderna

Voltando aos aviões, há também razões práticas e modernas para manter esta tradição. Os aeroportos são coreografias complexas de movimentos, veículos e pessoas a correr de um lado para o outro.
Ao manter os passageiros sempre a embarcar pelo lado esquerdo, todo o lado direito do avião fica livre para operações de terra, como carregamento de bagagem, abastecimento de combustível, catering e toda uma série de atividades logísticas que acontecem enquanto esperamos pacientemente na fila do embarque.
É como ter uma porta de entrada e uma porta de serviço em casa. Os convidados entram pela frente, elegantemente. O pessoal das entregas, o canalizador e aquele primo esquisito que aparece sem avisar entram pelas traseiras. Faz sentido, não faz?
E as emergências?
Claro que, em caso de emergência, todos os lados do avião se tornam saídas. As portas de emergência não discriminam. Esquerda, direita, aquela janelinha sobre a asa, tudo serve quando é preciso sair depressa. Mas para operações normais, a esquerda reina suprema.
Curiosamente, nas aeronaves maiores existem várias portas do lado esquerdo.
Porta da frente para a classe executiva, porta do meio para a classe económica e, às vezes, até uma terceira porta mais atrás para quando o avião está completamente cheio e a companhia aérea quer acelerar o processo.
Exceções à regra?
Existem algumas raras exceções. Em certos aeroportos com configurações especiais ou situações de emergência, pode acontecer o embarque pelo lado direito. Mas são casos tão raros que, se alguma vez lhe acontecer, pode considerar-se especial.
É como encontrar um trevo de quatro folhas ou conseguir que a mala de cabine caiba realmente no compartimento superior sem ter de a empurrar com toda a força.
No fundo, esta convenção existe porque a uniformização facilita tudo na aviação. Os tripulantes de cabine sabem sempre onde esperar os passageiros. O pessoal de terra sabe sempre onde colocar as escadas ou a ponte de embarque.
Os pilotos sabem sempre de que lado vêm os passageiros atrasados a correr como se estivessem nas Olimpíadas.
Imaginem o caos se cada companhia aérea decidisse fazer à sua maneira. “A Ryanair embarca pela esquerda, mas a TAP pela direita, e a EasyJet… bem, a EasyJet decidiu que é por cima, boa sorte!”
Seria o pandemónio aeroportuário.