A pergunta aparece muitas vezes em momentos de aperto e quase nunca tem resposta simples. Em Portugal, a ideia de “entregar as chaves ao banco” para pôr fim ao crédito da habitação não funciona como um direito automático.
Há regras, condições e limitações que importa perceber antes de avançar para qualquer decisão com impacto profundo no património e na vida financeira.
Em primeiro lugar, a entrega da casa ao banco só é possível através de um processo chamado dação em pagamento.
Trata-se de um acordo voluntário entre o cliente e a instituição financeira, não de uma obrigação legal do banco. Isto quer dizer que nenhum banco é forçado a aceitar a casa como pagamento da dívida, mesmo quando o proprietário já não consegue pagar as prestações.
A decisão depende sempre da avaliação do imóvel, da situação global do crédito e do interesse da instituição em receber o bem.
Entregar a casa ao banco: quando é possível
A própria casa tem de cumprir critérios mínimos. Na maioria dos casos, o banco só aceita a dação se o valor atual do imóvel for suficiente para cobrir o capital em falta.
Quando o valor de mercado é inferior, o banco pode recusar. Pode também exigir pagamento adicional para liquidar toda a dívida remanescente. Ou seja, entregar a casa não significa automaticamente ficar “livre” do que falta pagar.
Além disso, a dação em pagamento só costuma ser considerada quando todas as outras soluções falharam. Os bancos tendem a analisar primeiro alternativas como renegociação do crédito, alargamento do prazo, períodos de carência ou redução temporária da prestação.
Estes mecanismos são mais vantajosos para a instituição e menos disruptivos para o cliente. Só quando já não há margem para manter o contrato é que a hipótese da dação entra na mesa.
Imóvel deve estar “livre”
Há ainda situações em que a dação não é possível, mesmo com vontade do cliente. Se a casa tiver outros ónus, penhoras, garantias cruzadas ou co-titulares que não aceitem, o banco não avança.
O imóvel tem de estar juridicamente “livre” para que a transferência se faça sem complicações. E sempre que existirem avalistas no crédito, a sua responsabilidade não desaparece com a entrega da casa, a menos que o acordo da dação os inclua expressamente.
Nos contratos com seguro de vida associado ao crédito, a lógica também é diferente. Se a incapacidade ou morte do titular estiver coberta, é o seguro que liquida a dívida, não havendo necessidade de dação.
Por isso, quem enfrenta dificuldades devido a problemas de saúde deve primeiro confirmar todas as coberturas.
Acordo formal e escrito
Para quem está a ponderar esta solução, há um ponto essencial e que é que a dação deve constar num acordo formal e escrito, onde fique claro que o banco aceita o imóvel como pagamento definitivo da totalidade do crédito.
Não basta entregar as chaves. Trata-se é um ato jurídico completo que exige formalização e registo.
Por outro lado, existem bancos que exigem a entrega voluntária do imóvel através de venda direta ao mercado, com o cliente responsável por todo o processo, desde encontrar comprador até liquidar o crédito com o valor da venda.
Esta opção pode ser mais demorada, mas também pode permitir obter preço superior ao da avaliação interna do banco, ajudando a evitar dívidas remanescentes.
Na prática, entregar a casa ao banco só funciona quando existe acordo entre as duas partes e quando o imóvel tem valor suficiente para satisfazer o que falta pagar.
Quando não tem, a entrega pode não resolver o problema e o cliente pode continuar a dever mesmo depois de perder a casa.
Assim, para quem está numa situação limite, o mais seguro é procurar aconselhamento financeiro, falar com o banco o mais cedo possível e analisar todas as alternativas antes de tomar uma decisão com impacto tão grande na estabilidade futura.