Miguel Pinto
Miguel Pinto
06 Ago, 2025 - 10:25

Teletrabalho: Governo quer simplificar recusa das empresas

Miguel Pinto

A proposta de legislação laboral do Governo pode trazer mudanças importantes no regime de teletrabalho. Saiba o que está em causa.

mulher a ser mais produtiva em teletrabalho

O Governo português propõe alterações significativas ao regime de teletrabalho. Entre as medidas em destaque está a eliminação da obrigação que atualmente impõe ao empregador justificar, por escrito, a recusa de pedidos de teletrabalho sempre que as funções possam ser desempenhadas à distância.

Esta mudança significa que, fora das situações legalmente protegidas (como no caso de vítimas de violência doméstica, pais com filhos até aos oito anos ou cuidadores informais), as empresas poderão recusar o teletrabalho sem necessidade de apresentar qualquer fundamento formal.

Atualmente, a lei laboral confere aos trabalhadores um “quase‑direito” ao teletrabalho quando as funções são compatíveis com esta modalidade, já que o empregador é obrigado a apresentar uma justificação para a recusa.

Com a proposta do Governo, inserida no anteprojeto de revisão da lei laboral conhecido como “Trabalho XXI”, e citada pelo jornal online ECO, esse poder negocial do trabalhador fica fragilizado, uma vez que a recusa pode ser feita de forma arbitrária.

Esta mudança poderá ter efeitos relevantes na conciliação entre vida profissional e pessoal, sobretudo para quem depende do teletrabalho para gerir responsabilidades familiares ou questões de saúde.

Teletrabalho: igualdade e inclusão

A medida também levanta preocupações quanto à igualdade e à inclusão no mercado laboral.

Grupos que beneficiaram do regime remoto, como pessoas com mobilidade reduzida ou progenitores de crianças pequenas, podem ver-se em situação de maior vulnerabilidade.

A ausência de obrigação de fundamentação retira segurança jurídica e torna o trabalhador mais dependente da vontade da entidade patronal.

Do ponto de vista organizacional, o Governo defende que a simplificação do processo trará maior clareza e reduzirá potenciais litígios sobre o que constitui uma “justificação suficiente” para recusar o teletrabalho.

No entanto, especialistas alertam que a ausência de critérios claros pode, paradoxalmente, gerar mais conflitos e reclamações, uma vez que os trabalhadores poderão sentir-se injustiçados perante recusas sem explicação.

Atrair e reter talento

Esta mudança legislativa pode ainda ter impacto na capacidade das empresas de atrair e reter talento.

Nos últimos anos, o teletrabalho tornou-se um fator de competitividade, sobretudo em setores tecnológicos e de serviços que concorrem em mercados internacionais.

Empresas que optem por restringir a flexibilidade laboral poderão tornar-se menos apelativas para trabalhadores qualificados, num contexto em que o trabalho híbrido se consolidou como prática comum.

Com esta proposta, o Governo pretende conceder maior margem de decisão às empresas, mas corre o risco de inverter tendências que nos últimos anos promoveram maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional e estimularam novos modelos organizacionais.

O debate legislativo que se seguirá será determinante para perceber até que ponto esta flexibilização para os empregadores poderá traduzir-se numa perda de direitos para os trabalhadores e numa alteração estrutural do mercado de trabalho português.

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