Share the post "Portugal aprova lei que proíbe o uso da burca em espaços públicos"
A Assembleia da República aprovou o texto base de um projeto-lei que pretende proibir o uso de vestes que ocultem integralmente o rosto — como a burca ou o niqab — em espaços públicos. A iniciativa, apresentada pelo partido Chega, desencadeou acesos debates em torno dos direitos fundamentais, da segurança, da identidade nacional e da laicidade.
Este artigo explora, de modo aprofundado e acessível, os principais pontos do diploma aprovado em plenário, as reações dos partidos, os argumentos jurídicos em confronto e os potenciais impactos práticos na sociedade portuguesa.
O teor do projeto-lei e as exceções previstas
O projeto propõe proibir “a utilização de roupas destinadas a ocultar ou a obstaculizar a exibição do rosto” quando em espaços públicos — isto é, vias públicas, locais abertos ao público e serviços acessíveis geralmente a todos.
No entanto, o diploma não é absoluto: contempla exceções nos casos em que a ocultação do rosto seja justificada por razões de saúde (como proteção médica), por motivos profissionais (por exemplo, indumentária de trabalho), culturais, artísticos ou para publicidade ou entretenimento. Também ficam isentos do alcance da lei aviões, instalações diplomáticas ou locais de culto.
Relativamente às sanções, o diploma prevê coimas entre 200 e 2 000 euros nos casos de negligência e valores entre 400 e 4 000 euros nos casos de dolo. Mais: quem obrigar alguém a ocultar o rosto — por constrangimento ou abuso de autoridade — ficará sujeito às sanções previstas no artigo 154.º do Código Penal, com pena até três anos de prisão ou multa.
Após a aprovação em plenário, o texto segue para a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para debate de especialidade, antes da votação final global. Só depois disso poderá ser promulgado e entrar em vigor.
Reações políticas: apoios, críticas e tensões
A aprovação do projeto dividiu o Parlamento e acendeu um debate intenso sobre liberdade e identidade. PSD, CDS-PP e Iniciativa Liberal votaram a favor, embora o PSD tenha defendido que o texto deve ser ajustado durante a discussão na especialidade, para evitar excessos interpretativos.
Do outro lado, PS, Bloco de Esquerda, PCP e Livre votaram contra, alegando que a lei é desnecessária e pode fomentar discriminação religiosa num país onde o uso da burca é praticamente inexistente. PAN e JPP preferiram abster-se, sinalizando reservas quanto à proporcionalidade da medida.
Argumentos jurídicos em confronto
O debate jurídico em torno da proibição da burca divide constitucionalistas e políticos. Os defensores da medida alegam que o Estado pode impor restrições proporcionais quando a identificação e a segurança pública estão em causa, citando precedentes europeus que consideraram leis semelhantes compatíveis com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Já os críticos sublinham que a Constituição portuguesa protege a liberdade religiosa e a igualdade, advertindo que uma lei deste tipo pode ser interpretada como discriminatória, sobretudo contra mulheres muçulmanas que escolhem usar véu facial.
Acrescentam ainda que o fenómeno é residual em Portugal, o que torna a legislação mais simbólica do que prática. Juristas alertam que o diploma poderá ser sujeito a veto presidencial ou fiscalização do Tribunal Constitucional, caso se conclua que fere direitos fundamentais.