Marta Maia
Marta Maia
19 Out, 2020 - 17:58

Publicidade nas gravações automáticas: pode dizer que não?

Marta Maia

A obrigatoriedade de assistir a publicidade nas gravações automáticas está a gerar polémica. Mas será que é uma razão válida para rescindir o contrato?

Publicidade nas gravações automáticas

A inserção de publicidade nas gravações automáticas fez disparar as queixas dos clientes contra as operadoras de TV, um setor que, por norma, está entre os que motivam mais reclamações todos os anos.

A medida começou a ser implementada no dia 17 de agosto e foi transversal às três maiores operadoras de TV paga em Portugal. Desde desse dia, os clientes podem ser obrigados a ver anúncios de 30 segundos antes de assistir à emissão gravada. Se não aceitarem as condições deixam de poder aceder ao serviço de gravações automáticas.

As associações de defesa dos consumidores já vieram condenar a prática e falam numa limitação da liberdade dos consumidores, incentivando-os mesmo a reclamar.

A nova publicidade nas gravações automáticas

A possibilidade de “injetar” publicidade nas gravações automáticas é oferecida pelas operadoras (MEO, NOS e Vodafone), mas a decisão de aderir à inserção de anúncios cabe aos próprios canais de televisão, que detêm os direitos de transmissão e exploração comercial dos conteúdos.

A receita dessa publicidade é depois distribuída pelas operadoras, pelos canais, pela consultora Accenture, e pelas agências especializadas em inserção de anúncios.

O novo modelo de negócio que, segundo as operadoras, foi pensado para ser o menos intrusivo possível, é também uma forma de concorrer com as grandes empresas digitais como o Facebook, Google, YouTube e Amazon, que acabam por absorver grande parte do investimento nacional em publicidade.

ver televisão

Aos telespectadores é pedido previamente o consentimento para mostrar publicidade, mas, se recusarem, perdem o acesso ao serviço de gravações. A única coisa que podem decidir é se preferem ver anúncios genéricos ou personalizados de acordo com as suas preferências.

E é precisamente a obrigação de concordar com a publicidade para poder assistir aos conteúdos gravados que está a gerar o descontentamento entre os consumidores.

“A decisão do consumidor em consentir ou não a emissão de anúncios publicitários deve ser livre, o que não acontece neste caso, uma vez que, a não aceitação tem como consequência ficar privado do serviço de gravações automáticas” explica o Portal da Queixa.

Na opinião de Pedro Lourenço, CEO do portal e fundador da Consumers Trust, tal imposição viola “os dispositivos previstos no novo RGPD, que obriga à aceitação inequívoca dessa escolha, sendo que, neste caso, não faculta alternativa.”

O que fazer se estiver a ver anúncios nas gravações?

Se já está a ser alvo de publicidade nas gravações automáticas, o conselho da associação de consumidores DECO é que apresente uma reclamação à Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) e à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

A reclamação deve ser feita por escrito e deve explicar que a operadora não lhe deu liberdade para recusar uma contrapartida sobre a qual não tinha conhecimento prévio.

Deve também apresentar queixa se tiver recusado a publicidade nas gravações e, por causa disso, a operadora lhe tiver cortado o acesso a esse serviço.

Pode ainda recorrer ao Portal da Queixa, que nos últimos dois meses já registou quase 200 reclamações de consumidores relacionadas com a publicidade “injetada” nas gravações automáticas. Esta queixa, no entanto, não tem um vínculo formal e é encaminhada diretamente para as operadoras, que podem ou não dar-lhe resposta.

Mas é motivo para a rescisão do contrato?

De acordo com o Portal da Queixa, muitos dos clientes que apresentaram uma reclamação a este propósito pedem mesmo a rescisão do contrato, argumentando que a nova medida não estava incluída nos termos do contrato.

No entanto, operadoras como a Vodafone argumentam que a nova funcionalidade “não implica uma alteração ao contrato” e que por isso, não há possibilidade de cancelar o contrato com a operadora “sem penalização”.

Não são conhecidos, até agora, quaisquer pareceres de órgãos judiciais sobre esta questão e a própria DECO não recomenda a rescisão unilateral do contrato.

Citada pela revista Visão, a associação de consumidores considera que esta alteração “pode penalizar o consumidor, mas não é considerada uma prática ilegal” e que “como tal, não serve de motivo para o cancelar sem penalização”.

Ainda assim argumenta que “o cliente já paga uma mensalidade pelo serviço de TV” e, nalguns casos, pelos canais premium, pelo que esse pagamento “deveria ser suficiente para garantir a receita sem necessidade de impor mais publicidade”.

Alternativas para quem não quer publicidade

Se faz mesmo questão de fugir aos anúncios, e assumindo que as operadoras portuguesas não vão recuar na decisão de impor publicidade nas gravações automáticas, resta-lhe olhar para os serviços de streaming como a Netflix e a HBO.

Estes serviços de televisão on demand (em que vê o que quer, quando quer), não têm publicidade nem intervalos mas, tal como a TV por box, exigem o pagamento de uma mensalidade. Se tiver uma smart TV, nem precisa de usar o computador: os modelos mais atuais já trazem uma aplicação específica para usar estas plataformas sem precisar de mais equipamento.

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