Share the post "70 túneis escavados na rocha: o trilho mais espetacular de Espanha"
Entre os vales verdejantes de León e as montanhas escarpadas das Astúrias, ergue-se uma das experiências de caminhada mais espetaculares de toda a Península Ibérica.
A Ruta del Cares, também conhecida como “Garganta Divina”, é considerada por muitos especialistas o melhor trilho de Espanha e após conhecê-lo, percebemos porquê.
Com 12 quilómetros de extensão entre as localidades de Poncebos (Astúrias) e Caín (León), este percurso serpenteia pelo coração do Parque Nacional dos Picos de Europa, um dos tesouros naturais mais impressionantes do norte de Espanha.
O que torna esta rota verdadeiramente única não é apenas a sua beleza natural estonteante, mas também a sua engenharia ousada.
O caminho foi talhado na parede rochosa da montanha entre 1945 e 1950, para dar acesso ao canal hidroelétrico que transporta água até à central de Camarmeña.
A construção foi épica. Mais de 500 trabalhadores enfrentaram condições extremas, e 11 perderam as suas vidas na empreitada.
Hoje, o resultado é um trilho que parece desafiar a gravidade, abraçando penhascos vertiginosos e atravessando cerca de 70 túneis escavados na rocha, alguns iluminados apenas pela luz natural que se infiltra pelas fendas da montanha.
Ruta del Cares: caminhar no abismo
Caminhar pela Ruta del Cares é uma experiência sensorial completa. O percurso desenrola-se ao longo do desfiladeiro do rio Cares, com paredes calcárias que se elevam a mais de 2.000 metros de altitude.
De um lado, a rocha branca e imponente, do outro, o vazio num precipício sem proteções laterais que desce até às águas cristalinas do rio, centenas de metros abaixo.
Apesar da aparência intimidante, o trilho é tecnicamente acessível. O desnível é moderado, com pequenas subidas e descidas que não exigem experiência prévia em montanhismo.
Os primeiros 2,5 quilómetros desde Poncebos apresentam a única subida significativa até Los Collados, onde as vistas começam a revelar-se em todo o seu esplendor.
A partir daí, o caminho mantém-se relativamente plano, serpenteando através de túneis, passarelas e pontes que cruzam o desfiladeiro.
Zonas a não perder

Entre os marcos mais icónicos da rota destacam-se o Puente Bolín, uma ponte de cimento e metal que atravessa a parte mais estreita da garganta, e o Puente de los Rebecos, provavelmente o local mais fotografado de todo o percurso.
É aqui que se sente verdadeiramente a vertigem de estar suspenso entre o céu e o abismo, com o rio Cares rugindo nas profundezas.
O percurso completo (ida e volta, 24 km) leva entre 6 a 8 horas, mas muitos optam por fazer apenas um sentido, organizando transporte de regresso.
Existem empresas que oferecem transferências em veículos todo-terreno, ou pode coordenar-se com amigos para trocar chaves de automóveis a meio caminho.
E há o equipamento essencial. Calçado de montanha com boa aderência, água abundante (não há fontes potáveis no percurso), camadas de roupa (o tempo muda rapidamente na montanha) e uma lanterna para os túneis.
Crianças menores de 12 anos devem ser acompanhadas de perto, sempre do lado interior do caminho.
Ruta del Cares: tesouros da região envolvente
A Ruta del Cares é apenas a porta de entrada para uma região repleta de maravilhas naturais e culturais.
Lagos de Covadonga
A cerca de 20 quilómetros de Cangas de Onís, os Lagos de Covadonga (Enol e Ercina) são duas jóias glaciares situadas a mais de 1.000 metros de altitude.
Com as suas águas espelhadas refletindo os picos circundantes e vacas a pastar livremente nas pradarias alpinas, o cenário parece saído de um postal.
No período de maior afluência, o acesso automóvel é restrito, mas autocarros públicos fazem o trajeto desde Covadonga. Não perca o mirador de Entrelagos, que oferece vistas panorâmicas de ambos os lagos.
Santuário de Covadonga
Um local de profunda importância histórica e espiritual, o Santuário de Covadonga marca o lugar onde, em 722, começou a Reconquista cristã.
A Santa Cueva, encravada na rocha, abriga a imagem da Virgen de Covadonga, enquanto a imponente Basílica de Santa María la Real, em pedra rosada e estilo neorrománico, domina a paisagem desde 1901.
Bulnes e o Picu Urriellu

Para os mais aventureiros, a aldeia de Bulnes é um destino obrigatório. Acessível apenas a pé ou através do funicular que atravessa a montanha (inaugurado em 2001), Bulnes mantém um carácter intemporal, com as suas casas de pedra e ruelas empedradas.
Daqui, parte a rota até ao mítico Naranjo de Bulnes (Picu Urriellu), um monólito calcário de 2.519 metros que é um dos símbolos dos Picos de Europa e um desafio venerado pelos alpinistas.
Gastronomia: o sabor dos Picos
Nenhuma visita aos Picos de Europa está completa sem provar o Queso de Cabrales, um queijo azul de sabor intenso e inconfundível, maturado nas caves calcárias da região.
Em Arenas de Cabrales, visite a Fundación Cabrales para conhecer o processo de produção e fazer uma degustação.
Restaurantes como Casa Sagües, Restaurante Cares e La Casa de Juansabeli servem pratos tradicionais asturianos, como a fabada, carne de vaca da montanha e, claro, queijo Cabrales derretido sobre tudo o que se possa imaginar.
Acompanhe com um “culín” de sidra natural, a bebida símbolo das Astúrias.
Cangas de Onís: base perfeita
A cidade de Cangas de Onís, primeira capital do Reino das Astúrias, é o ponto de partida ideal para explorar a região.
Não deixe de ver a ponte romana com a Cruz da Vitória suspensa sobre o rio Sella, um dos ícones mais fotografados das Astúrias.
A cidade oferece excelente infraestrutura hoteleira, restaurantes e lojas especializadas em produtos regionais e equipamento de montanha.
A Ruta del Cares não é apenas um trilho de caminhada, é uma jornada através da história geológica, da engenhosidade humana e da beleza bruta da natureza.
Mas seja cauteloso, respeite a montanha e prepare-se adequadamente. Mas acima de tudo, permita-se desligar, respirar o ar puro dos Picos de Europa e deixar-se maravilhar por uma das paisagens mais extraordinárias que a Península Ibérica tem para oferecer.
A Garganta Divina aguarda e promete deixar uma marca indelével em todos os que se aventuram pelos seus caminhos suspensos entre o céu e a terra.