Os pés raramente são protagonistas na nossa rotina de saúde ou bem‑estar, mas, mais recentemente, começaram a ganhar voz. A expressão calçado barefoot refere‑se a uma tendência que promete uma experiência muito próxima de andar descalço, e tem vindo a conquistar o interesse de quem estuda biomecânica, de praticantes de yoga, de pessoas que gostam de caminhar ao ar livre e, de uma forma mais geral, de quem procura um calçado mais natural. A questão que se impõe é: será que este tipo de calçado é verdadeiramente benéfico para todas as pessoas?
O que é o calçado barefoot
Quando falamos em calçado barefoot, ou em calçado minimalista, referimo‑nos a modelos que respeitam determinadas características funcionais: sola muito fina e flexível, praticamente nenhuma elevação entre o calcanhar e a ponta do pé (zero drop ou muito reduzido), biqueira larga que permite aos dedos alargarem‑se de forma natural e sensação reforçada de caminhar quase descalço.
Em Portugal, nota‑se que este fenómeno tem vindo a ganhar adesão crescente, impulsionado por interesses em bem‑estar, treino funcional e até terapêutico. Contudo, não basta aderir porque está na moda. A utilização deste tipo de calçado exige uma avaliação individual, já que cada pé, cada articulação, cada padrão de marcha é distinto.
Benefícios apontados
Os benefícios frequentemente referidos no âmbito do calçado barefoot são vários e há, de facto, investigação que lhes dá suporte.
Maior liberdade de movimentos nos pés
Ao eliminar ou reduzir a inclinação entre calcanhar e ponta do pé e ao evitar amortecimentos exagerados, o pé “trabalha” mais no apoio e no impulso. Em contextos onde o calçado convencional se apoia muito em amortecimento e suporte externo, o calçado minimalista permite que os músculos intrínsecos do pé, os tendões e ligamentos participem mais ativamente.
Melhor propriocepção e percepção do solo
As solas finas permitem sentir melhor a superfície por baixo como areia, terra, relva, asfalto e essa sensação pode potenciar o equilíbrio e a resposta neuromuscular ao solo. O estudo Daily activity in minimal footwear increases foot strength mostra que a atividade diária em calçado minimalista aumentou a força dos pés em cerca de 57 % após seis meses.
Mobilidade e postura potenciadas
Quando o calçado respeita a forma natural do pé, pode haver efeitos positivos na cadeia biomecânica, no pé, tornozelo, joelho, anca. Investigações mais recentes indicam que o uso de calçado minimalista pode melhorar a mobilidade dos tornozelos, reforçar a musculatura e favorecer um padrão de marcha mais natural.
Potencial terapêutico
Em determinados casos clínicos ou de reabilitação, o calçado barefoot surge como uma opção interessante. A literatura mais vasta sobre este tema sugere que, para pessoas saudáveis, o uso gradual pode reforçar a função dos músculos dos pés, algo que poderá traduzir‑se em maior resiliência e menor risco de determinadas deformidades ou alterações ao longo do tempo.
Quando faz sentido e quando não faz
O uso de calçado barefoot pode ser uma boa opção quando a pessoa não apresenta patologias nos pés ou articulações e, idealmente, já foi avaliada por um especialista em saúde do movimento ou em podologia. Este tipo de calçado é particularmente interessante para quem procura uma maior ligação com o solo, valoriza a propriocepção ou deseja experimentar uma abordagem mais natural ao caminhar ou ao correr.
No entanto, a transição deve ser feita de forma gradual. Começar por pequenas caminhadas, em terrenos suaves como relva ou terra batida, permite ao corpo adaptar-se progressivamente antes de se avançar para um uso mais prolongado ou exigente.
Por outro lado, o calçado barefoot talvez não seja a escolha mais indicada em contextos de atividade física intensiva, especialmente quando realizada em superfícies muito duras e com exigência acrescida de amortecimento ou suporte. Pessoas com alterações estruturais significativas nos pés, tornozelos ou ao longo da cadeia muscular inferior, devem adoptar uma abordagem mais cautelosa. O mesmo se aplica a quem apresenta pés muito planos, fascite plantar ativa ou outras condições em que ainda se recomenda o uso de calçado com suporte rígido.
Escutar os pés é o primeiro passo
Adoptar o calçado barefoot não é apenas uma questão de estilo, mas uma escolha que pode transformar a forma como nos movemos e sentimos o corpo no dia-a-dia. Para algumas pessoas, representa uma redescoberta da mobilidade e do contacto com o solo; para outras, poderá não ser a melhor opção. A chave está na escuta ativa do corpo, na adaptação gradual e no acompanhamento profissional sempre que necessário.
Afinal, o calçado ideal não é aquele que segue a tendência, mas sim o que respeita a individualidade de cada pé. Se pondera mudar, comece devagar, informe-se bem e procure orientação. Quer descobrir se o barefoot é mesmo para si? Fale com um especialista e dê o primeiro passo com confiança, os seus pés merecem.
Bibliografia
Daily activity in minimal footwear increases foot strength
Curtis, R. et al., 2021 – Scientific Reports
https://www.nature.com/articles/s41598-021-98070-0
Minimal shoes improve stability and mobility in persons with a history of falls
Zhang, X. et al., 2020 – Scientific Reports
https://www.nature.com/articles/s41598-020-78862-6
Effects of gait retraining using minimalist shoes on the lower-leg musculature and ankle mobility
Brazilian Journal of Physical Therapy, 2024
https://www.rbf-bjpt.org.br/en-effects-technological-running-shoes-versus-articulo-S1413355524005021
Minimalist Footwear in the Treatment and Rehabilitation of Lower-Limb Pathologies
Morrison et al., 2025 – PubMed
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40411499
Effects of Barefoot and Minimalist Footwear Strength-Oriented Training on Foot Structure and Function in Athletic Populations
Rodríguez-Longobardo et al., 2025 – MDPI
https://www.mdpi.com/2077-0383/14/21/7629
A four-week minimalist shoe walking intervention influences foot posture and balance in young adults
Gabriel et al., 2024 – PLOS ONE
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0304640