Share the post "Sharenting: quando os pais partilham demais nas redes sociais"
Vivemos numa era em que o primeiro sorriso, os primeiros passos e até as birras dos filhos são partilhados em tempo real. Entre stories e likes, muitos pais transformaram as redes sociais num álbum digital da infância. Chama-se sharenting e apesar de parecer inofensivo, este hábito levanta questões sérias sobre a privacidade e a segurança dos mais novos.
O que é, afinal, o sharenting?
O termo sharenting resulta da união das palavras inglesas sharing (partilhar) e parenting (parentalidade). A prática refere-se ao hábito de pais, mães ou cuidadores de publicarem nas redes sociais fotos, vídeos e relatos sobre os filhos, de forma frequente e detalhada.
Embora o ato de registar momentos da infância não seja novo, por exemplo em diários, álbuns de fotografias ou registos familiares, o sharenting emergiu como uma consequência natural da expansão das plataformas digitais e das redes sociais.
Durante a década de 2010, plataformas como Facebook, Instagram e X (antigo Twitter) tornaram-se os palcos preferidos para registar e mostrar os marcos da infância, das primeiras palavras às festas de aniversário. Com o tempo, o sharenting deixou de ser apenas um fenómeno social para se tornar também um tema de estudo académico, para analisar as motivações, padrões e potenciais impactos sobre a privacidade e o bem-estar das crianças.
Porque muitos pais optam pelo sharenting
Apesar dos alertas sobre privacidade e segurança, muitos pais continuam a partilhar imagens e histórias dos filhos nas redes sociais, não por negligência, mas por razões profundamente humanas. Para muitos, o sharenting é uma forma de lidar com a intensidade da parentalidade, documentar etapas que passam depressa e encontrar sentido no caos do dia a dia familiar. Numa era em que a câmara está sempre à mão, a publicação torna-se quase uma extensão natural do momento vivido.
Um estudo conduzido por Blum-Ross e Livingstone (2017), da London School of Economics, concluiu que a partilha digital está muitas vezes associada à construção da identidade parental. As redes sociais funcionam como espaços onde os pais não só mostram o que fazem, mas também afirmam quem são enquanto cuidadores. Nessas comunidades digitais, os pais encontram reconhecimento, partilham experiências e comparam-se com outros que vivem desafios semelhantes.
Quando o sharenting se torna preocupação
Apesar das boas intenções, o sharenting pode tornar-se problemático quando feito sem consciência ou critério. A investigação científica tem vindo a identificar riscos reais associados à exposição digital excessiva de crianças, principalmente quando as publicações acontecem de forma recorrente, desprotegida ou sem limites claros.
Uma das maiores preocupações é a criação de uma pegada digital duradoura: aquilo que hoje parece um simples momento engraçado pode manter-se online por décadas, acessível a desconhecidos, reutilizável sem controlo e potencialmente prejudicial para a imagem da criança no futuro.
Além disso, muitas dessas partilhas incluem dados sensíveis, como o nome completo da criança, a escola que frequenta, os locais que visita com frequência, datas de nascimento ou até rotinas familiares. Quando combinadas, essas informações podem facilitar tentativas de contacto indesejado, roubo de identidade, casos de bullying e cyberbullying ou mesmo situações de exploração por terceiros.
A tudo isto junta-se uma dimensão emocional: muitas crianças, ao crescerem, relatam sentir desconforto ou vergonha em relação a conteúdos partilhados sem o seu consentimento. Um estudo conduzido pela Microsoft (2020) indica que 42% dos jovens consideram o conteúdo partilhado sobre si nas redes pelos pais como “embaraçoso” ou “indesejado”.
Como partilhar nas redes sem comprometer a privacidade
Para muitos pais, deixar de partilhar por completo não é uma opção e não precisa de ser. O importante é fazê-lo com consciência e respeito pela privacidade da criança. Há formas seguras de praticar o chamado sharenting consciente:
- Use perfis privados ou grupos fechados, limitando o alcance das publicações a pessoas de confiança;
- Evite imagens sensíveis, como aquelas em que a criança aparece nua, em sofrimento ou em contextos que revelem dados pessoais, como o nome da escola ou a localização.
- Peça consentimento à criança, sempre que possível e adaptado à sua idade, promovendo o respeito pela sua autonomia.
- Cuide da linguagem nas legendas, evitando mencionar hábitos, rotinas ou qualquer informação que possa expor a criança.
- Use plataformas privadas, como Google Photos ou Joomeo, para partilhas familiares mais restritas, longe do alcance público das redes sociais.
Partilhar sim, mas com consciência
A vontade de partilhar os momentos felizes da infância é natural, mas no mundo digital, onde tudo permanece, é essencial que cada publicação seja feita com ponderação. Proteger a privacidade das crianças é um gesto de amor tão importante quanto celebrá-las. O sharenting consciente não significa deixar de partilhar, mas sim escolher como, quando e com quem o fazemos.
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Fontes utilizadas
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Keskin, D., Sahin, D. S., & Yilmaz, S. (2023). Sharenting: Hidden pitfalls of a new increasing trend. Healthcare, 11(24), 3219. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10809786/
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Kuczerawy, A., & Świerczyńska-Głownia, W. (2023). Sharenting: A systematic review of the empirical literature. International Journal of Environmental Research and Public Health, 20(13), 6242. https://doi.org/10.3390/ijerph20136242
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