Share the post "Condução acompanhada: a proposta do Governo que quer mudar como se aprende a conduzir"
O Governo propõe uma mudança nas regras para tirar a carta de condução em Portugal. A ideia é diminuir para metade as aulas práticas obrigatórias — passar de 32 para 16 horas. Em paralelo, pretende‐se apostar na condução acompanhada, com um tutor (pai, familiar ou alguém de confiança) a complementar a formação.
O ponto de vista das escolas de condução
A Associação Nacional de Escolas de Condução (ANIECA), entidade que representa as escolas de condução, não concorda. O argumento central é que um tutor não substitui um profissional, enquanto que os instrutores têm formação, experiência e conhecimentos técnicos que nem sempre o tutor possui.
Além disso, há preocupações quanto à segurança rodoviária. A ANIECA alerta para cenários de risco, sobretudo se os tutores não souberem lidar com situações de stress ou emergência no trânsito.
Outro tema levantado é o económico: muitas escolas receiam que a medida ponha em causa a sua viabilidade. Segundo a associação, poderão estar em risco cerca de quatro mil postos de trabalho, , num setor que já enfrenta desafios logísticos e financeiros.
Segurança, legalidade e seguros: um triângulo delicado
A redução das horas com o instrutor levanta uma questão crítica: e se o aluno não estiver preparado ao fim das 16 horas?
Quem decide se pode ou não conduzir com o tutor? E se ocorrer um acidente nesse período de aprendizagem informal? De quem é a responsabilidade — do tutor, da escola ou do Estado?
O modelo atual já permite condução acompanhada em situações muito específicas, mas requer um seguro próprio, quase inexistente no mercado português. As seguradoras não estão preparadas para cobrir este tipo de risco, o que torna a aplicação do novo modelo praticamente impossível sem mudanças legais e contratuais.
Regras para ser tutor: apertadas, mas suficientes?
O Governo já indicou alguns critérios para quem quiser ser tutor de um aluno em condução acompanhada:
- Ter carta de condução válida há pelo menos 10 anos;
- Não ter cometido infrações graves nem ter sido condenado por crimes rodoviários nos últimos 5 anos;
- Realizar um módulo de formação em segurança rodoviária junto com o aluno;
- Não ser remunerado pela função.
Apesar de parecer um filtro razoável, a eficácia destas regras depende da sua aplicação prática, fiscalização e da qualidade da formação oferecida aos tutores.
O que se faz lá fora? Exemplos que podem servir de GPS
Portugal não é o primeiro país a testar a condução acompanhada. Vários modelos já foram aplicados noutros contextos — com resultados positivos, mas também desafios notórios.
Tabela comparativa internacional
País | Idade | Requisitos | Benefícios | Desafios |
---|---|---|---|---|
França | Desde os 15-16 anos, após exame teórico | Formação com instrutor + tutor e avaliações regulares. | Melhora taxa de aprovação. Mais prática real. | Qualidade do tutor varia muito. |
Alemanha | Desde os 17 anos, com tutor autorizado | Tutor com experiência e combinação com aulas formais. | Redução de acidentes nos primeiros meses. | Exige tempo e custos para as famílias. |
Suécia / Noruega | Prática informal antes da carta, com regras | Curso obrigatório para tutor e sinalização obrigatória no carro. | Exposição diversificada ao volante. | Benefícios limitados se tutor for inexperiente. |
Austrália | 120 horas de condução acompanhada obrigatória | Registo detalhado das horas e aulas formais complementares. | Alunos mais preparados para diversas situações. | Pode ser exaustivo e pouco acessível para famílias. |
A mudança está em marcha, mas a estrada é sinuosa
Esta reforma é ambiciosa e pretende atualizar um modelo tradicional que, em muitos aspetos, já está desatualizado. No entanto, a condução acompanhada, por si só, não garante condutores mais preparados. Sem supervisão adequada, critérios rigorosos e apoio legal e técnico, o risco é elevado — tanto para a segurança como para a economia do setor.
Portugal tem a oportunidade de aprender com o que já se fez lá fora. Mas para que esta mudança seja positiva, é preciso um plano completo, com regras claras, envolvimento das seguradoras, formação eficaz e um equilíbrio justo entre liberdade e responsabilidade.
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