Cláudia Pereira
Cláudia Pereira
16 Set, 2025 - 19:00

Contagem de faltas por luto: dias consecutivos, não apenas dias úteis

Cláudia Pereira

Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Administrativo esclarecem que os dias de luto devem ser contados de forma consecutiva no calendário, sem excluir fins de semana e feriados.

Luto e burocracia nunca deviam andar de mãos dadas, mas, na prática, até os dias de ausência por morte de familiar podem dar origem a confusão e a processos em tribunal.

O que está em causa é o artigo 251.º do Código do Trabalho, que define quantos dias de ausência justificada o trabalhador tem direito em caso de falecimento de familiares. O problema não estava no “quantos”, mas sim no “como contar”.

O texto da lei fala em “dias consecutivos”. Mas consecutivos em que sentido? Dias úteis? Dias de calendário? Dias em que se trabalha efetivamente?

Esta foi a dúvida que levou o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do grupo CGD (STEC) a avançar com ações judiciais contra a Caixa Geral de Depósitos (CGD), que sempre interpretou a norma como dias seguidos, sem interrupções, incluindo sábados, domingos e feriados.

Dois processos, uma conclusão

A questão foi analisada em duas frentes judiciais distintas: laboral e administrativa.

No Tribunal do Trabalho

A primeira ação correu no Tribunal do Trabalho de Lisboa. A decisão foi clara: a Caixa agiu bem ao contar os dias de luto de forma consecutiva, tal como estão dispostos no calendário. O STEC recorreu, mas o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença. Ainda insatisfeito, o sindicato levou o caso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que também foi taxativo: dias consecutivos” são dias seguidos, ponto.

No acórdão datado de 25 de junho de 2025, o STJ esclareceu que estes dias “correspondem a dias seguidos de calendário, independentemente de serem dias úteis, dias de trabalho ou dias de descanso”. E para que não restassem dúvidas: esta decisão é definitiva e não pode ser contestada.

Nos tribunais administrativos

Paralelamente, o sindicato tentou nova abordagem na justiça administrativa. Inicialmente, o Tribunal Administrativo de Lisboa deu razão ao STEC, aceitando que os dias deviam ser úteis. Mas a CGD recorreu — e o Tribunal Central Administrativo Sul virou o jogo, revogando a decisão inicial.

O sindicato ainda tentou uma cartada final junto do Supremo Tribunal Administrativo (STA). Porém, o STA nem sequer admitiu o recurso, considerando que a questão já estava amplamente esclarecida — e a letra da lei não deixa margem para interpretações criativas. No acórdão de 16 de julho, lê-se que “a questão não é nova” e que “a redação da norma é clara”.

O que muda para o trabalhador

A partir de agora, não há espaço para dúvidas. Sempre que um trabalhador perde um familiar, os dias de luto devem ser contados de forma consecutiva, seguindo a ordem natural do calendário. O primeiro dia de ausência começa logo após o falecimento, ou, em certos casos, a partir do momento em que o trabalhador toma conhecimento formal da morte. A grande mudança — agora confirmada pelos tribunais superiores — é que não importa se pelo meio há um sábado, um domingo ou até um feriado: esses dias contam na mesma.

Isto significa que, por exemplo, se o falecimento ocorrer numa quinta-feira e o trabalhador tiver direito a cinco dias de luto, então a ausência estende-se de sexta até à terça-feira seguinte. Mesmo que sábado e domingo não sejam dias de trabalho, continuam a ser parte do período de luto.

O que implica para as empresas

As entidades empregadoras devem ajustar os seus procedimentos à interpretação agora confirmada pelos tribunais. A contagem dos dias de luto deve ser feita de forma consecutiva, sem excluir fins de semana ou feriados, respeitando assim o que está previsto na lei e reafirmado pela jurisprudência.

É igualmente importante rever e atualizar os procedimentos internos, garantindo que departamentos como os recursos humanos e a gestão de pessoal estejam alinhados com esta prática. Qualquer interpretação que vá contra esta leitura clara da norma corre o risco de gerar conflitos desnecessários — e, pior, de infringir a própria lei.

Mais do que uma questão legal, trata-se de cultivar uma cultura de respeito e confiança dentro das organizações. Porque ninguém deve ter de enfrentar burocracias ambíguas num momento tão delicado como a perda de um familiar.

Há margem para acordos diferentes?

Não, mesmo que exista convenção coletiva ou regulamento interno que proponha algo distinto, a jurisprudência do STJ e do STA prevalece. A norma do artigo 251.º do Código do Trabalho é imperativa — não pode ser alterada por vontade das partes. Portanto, qualquer cláusula que preveja contagem apenas de dias úteis estará, na prática, a contrariar a lei.

Mais clareza, menos complicações nos momentos difíceis

A decisão dos tribunais vem pôr fim a uma dúvida que persistia há anos. E, mais importante do que o debate jurídico, traz clareza e estabilidade ao mundo do trabalho.

Num momento de luto, ninguém devia estar preocupado com se o sábado conta ou não. Com esta decisão, o que conta mesmo é garantir o direito ao tempo necessário para viver a perda — sem ter de fazer contas ao calendário.

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