Nídia Ferreira
Nídia Ferreira
06 Jun, 2023 - 10:30

É possível deserdar um filho? Esclareça todas as dúvidas

Nídia Ferreira

Além de uma decisão difícil, deserdar um filho é também um processo complicado do ponto de vista legal. Mas não impossível. Saiba em que casos.

Deserdar filho

Mesmo sendo a sua vontade, deserdar um filho é algo complexo. Até porque, em caso de falecimento, a lei protege determinados herdeiros, onde se incluem naturalmente os filhos.

Quer haja testamento ou não, os herdeiros legitimários têm sempre direito a uma parte da herança pela seguinte ordem: cônjuge (esposa/o) e descendentes (filhos ou netos); cônjuge e ascendentes (pais ou avós).

A esta parcela dá-se o nome de legítima ou quota indisponível, precisamente porque não é possível deixá-la a outras pessoas que não estas. Apenas o restante da herança pode ser distribuído como se entender.

Mas para tal é necessário deixar escrito, em testamento, a quem se destina essa quota disponível. Caso contrário, os bens do falecido são transmitidos na totalidade aos herdeiros legitimários. O mesmo acontece quando não há testamento.

Por aqui facilmente se percebe que, independentemente da existência deste documento, os filhos estão salvaguardados no que à sucessão da herança diz respeito. Ainda assim, há situações excecionais que podem justificar a sua exclusão.

Em que situações é possível deserdar um filho?

À luz do Código Civil, existem duas vias pelas quais um filho pode ser deserdado. Embora com consequências idênticas, tratam-se de dois mecanismos legais diferentes e que têm aplicação em situações distintas.

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O mecanismo de deserdação

Apesar de, como vimos, os herdeiros legitimários terem direito a uma parcela dos bens (legítima), existe um mecanismo legal através do qual é possível afastá-los da herança, mas apenas em situações excecionais.

Assim, e de acordo com a lei, só é justificável deserdar um filho ou outro herdeiro legitimário) se este:

  • For condenado por um crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda uma pena superior a seis meses de prisão;
  • For condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas;
  • Tiver recusado, sem justa causa, ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.

Estas situações estão previstas no artigo 2166.º do Código Civil, que define as causas para deserdação.

Como se processa a deserdação?

Para deserdar um filho é necessário deixar essa vontade expressa em testamento, indicando o motivo e enquadrando-o nas situações referidas.

Caso não invoque qualquer fundamento ou invoque uma causa não prevista por lei, a deserdação é considerada inexistente.

O testamento terá ainda de ser validado por um notário que confirmará a autenticidade do documento e a legitimidade do seu pedido.

Claro que há sempre a possibilidade de o herdeiro recorrer aos tribunais para impugnar a deserdação. Após a abertura do testamento, tem um prazo de dois anos para o fazer. No entanto, terá que propor uma ação judicial, através da qual demonstre que a causa de deserdação invocada no testamento não ocorreu ou que não corresponde a uma das causas previstas na lei.

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A indignidade sucessória

A lei prevê ainda outra forma de deserdar um filho, através do mecanismo da indignidade sucessória.

Em termos práticos, a indignidade sucessória traduz-se na perda do direito de aceitar ou repudiar uma herança ou legado pelo facto de o herdeiro ser considerado indigno.

De acordo com o artigo 2034.º do Código Civil, é indigno de receber uma herança:

  • Quem for condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado;
  • Quem for condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza;
  • Quem por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu;
  • Quem dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.

A indignidade sucessória poderá afetar qualquer herdeiro e não apenas os herdeiros legitimários.

Como é formalizada a indignidade?

Ao contrário da deserdação, que é feita pelo próprio, através de testamento, a indignidade deve ser declarada pelo tribunal. Isto é, para que alguém perca o direito à herança, por indignidade, terá sempre que existir uma sentença judicial.

Fontes

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