Share the post "Da fadiga à névoa mental: como a Long Covid afeta corpo e mente"
Parece que foi há muito tempo, já quase nos esquecemos de como foi e ela ainda anda por aí. Mas para muita gente a pandemia da Covid-19 ainda está bem presente e com efeitos reais na saúde. Como a chamada Long Covid.
Trata-se de uma condição complexa e ainda pouco compreendida, em que os sintomas persistem muito depois da infeção inicial ter desaparecido.
De acordo com dados do mais recente estudo da Stanford Medicine, estima-se que entre 10 e 30 por cento das pessoas infetadas desenvolvam algum grau desta síndrome prolongada.
Em alguns casos, trata-se de sintomas ligeiros e transitórios. Noutros, os efeitos mantêm-se durante meses, até anos, com impacto significativo na qualidade de vida.
Mas afinal, o que é a Long Covid?
O termo descreve a persistência (ou reaparecimento) de sintomas após o fim da fase aguda da doença, geralmente para além de três meses.
Pode afetar diferentes órgãos e sistemas e não existe um perfil único. Há pessoas jovens e saudáveis que ficam com fadiga constante, outras que perdem o paladar durante meio ano, outras ainda que desenvolvem dificuldades respiratórias ou cognitivas. É uma condição com múltiplas faces.
Um dos sintomas mais característicos é a fadiga intensa, descrita por muitos como um cansaço que não passa, mesmo depois de dormir bem ou de repousar.
Trata-se de uma exaustão física e mental que limita tarefas simples do quotidiano, como subir escadas, cozinhar ou manter uma conversa prolongada. Esta sensação de esgotamento tende a agravar-se após fazer um esforço (físico ou intelectual), o que torna a recuperação mais difícil.
Outro efeito muito relatado é a chamada “névoa cerebral”, expressão usada para descrever lapsos de memória, dificuldade em concentrar-se ou sensação de pensamento lento.
Muitos pacientes referem sentir-se “desligados”, como se a mente estivesse enevoada. Estas alterações cognitivas têm sido estudadas de perto pela equipa da Stanford Medicine, que identificou perturbações ao nível das ligações neuronais e da resposta inflamatória do organismo.
Sentidos mais afetados
O olfato e o paladar também estão entre os sentidos mais afetados. Embora a perda de cheiro e gosto fosse comum nas fases iniciais da infeção, em muitos casos estes sentidos não regressam totalmente ou demoram meses a recuperar.
O impacto vai muito além do incómodo, ou seja, há consequências diretas na alimentação, na nutrição e até no bem-estar emocional. Comer deixa de ser prazeroso, e isso afeta o apetite, o peso e o humor.
Além do sistema nervoso e dos sentidos, o aparelho digestivo pode igualmente ser afetado. Algumas pessoas relatam diarreia, obstipação, refluxo ou desconforto abdominal persistente.
Outro ponto de atenção são as alterações vasculares e imunitárias. Pesquisas apontam para uma inflamação residual que se prolonga no tempo e que pode afetar a circulação sanguínea, provocando sensação de fraqueza, dor muscular ou palpitações.
Em alguns casos, surgem problemas respiratórios e cardíacos. Mesmo pessoas que tiveram formas ligeiras de Covid-19 podem experienciar falta de ar, dores no peito ou cansaço exagerado ao esforço.
Para quem esteve internado, especialmente em cuidados intensivos, as sequelas pulmonares e cardíacas tendem a ser mais marcadas, exigindo acompanhamento especializado.

Long Covid: a questão emocional e psicológica
Mas a Long Covid não é apenas uma condição física. Muitos pacientes desenvolvem sintomas emocionais e psicológicos, como ansiedade, depressão, insónia ou irritabilidade.
O impacto psicológico é compreensível já que viver com sintomas persistentes, sem saber quando (ou se) vão desaparecer, cria um desgaste profundo. A incerteza, aliada à sensação de que “ninguém entende bem o que se passa”, contribui para o isolamento e para a perda de confiança no próprio corpo.
É importante recordar que a Long Covid não se manifesta de forma igual em todos. A idade, o estado de saúde anterior, a gravidade da infeção inicial e até o número de vezes que a pessoa foi infetada podem influenciar a probabilidade de desenvolver sintomas prolongados.
No entanto, há um ponto comum e que é o impacto real no quotidiano. A fadiga obriga a reduzir o ritmo, a névoa mental interfere no trabalho, e as dores ou o desconforto minam a rotina e o convívio.
Como abordar o problema
A abordagem mais eficaz, segundo a Stanford Medicine, é multidisciplinar. O tratamento deve envolver várias áreas, desde a neurologia à pneumologia, da fisioterapia à psicologia. Não há, para já, uma cura específica, mas há medidas que ajudam a recuperar qualidade de vida.
O acompanhamento médico regular, o controlo da inflamação, o treino olfativo, a reabilitação respiratória e o apoio psicológico são pilares fundamentais no processo de recuperação.
Cuidar da alimentação, manter o corpo em movimento de forma suave, dormir o suficiente e aprender a gerir o esforço, alternando períodos de atividade com descanso, são também estratégias que contribuem para a melhoria gradual.
Reconhecer a situação
Por outro lado, é essencial que familiares, cuidadores e empregadores reconheçam esta condição e a tratem com seriedade. A Long Covid não é uma questão de “falta de vontade” ou “preguiça”, mas sim uma doença com base fisiológica e comprovada pela ciência.
Embora ainda faltem respostas definitivas, a investigação tem avançado de forma consistente. Novos estudos procuram identificar marcadores biológicos que permitam diagnosticar a Long Covid com maior precisão, bem como terapias que possam acelerar a recuperação.
Esta condição lembra-nos que as consequências da pandemia não ficaram para trás. Continuam entre nós, silenciosas, mas reais, e exigem atenção, empatia e investimento em investigação e cuidados continuados.