Share the post "Mutilação genital feminina: 853 casos em Portugal, em nove anos"
O sofrimento da mutilação genital feminina continua a ser uma realidade para milhões de crianças e mulheres nos dias de hoje em todo o mundo. E embora esta seja uma prática que está principalmente concentrada em cerca de 30 países em África e no Médio Oriente, também ocorre em alguns locais da Ásia e da América Latina.
Para além disto, continua também a ser bastante comum entre as populações imigrantes que vivem na América do Norte, Europa Ocidental, Nova Zelândia e Austrália, segundo as Nações Unidas.
Apesar disto, várias mulheres que vivem no nosso país foram também submetidas a esta tradição. E a verdade é que o facto de terem passado por este tipo de situação e sofrimento nas suas vidas, é crucial na forma como interagem na sua intimidade, nos relacionamentos afetivos e na vida em geral.
Por isso, se pensava que esta realidade estava distante, engane-se. Em Portugal, existem também crianças que podem vir a ser submetidas a esta prática.
Assim, saber o que é a mutilação genital feminina (MGF) e atuar na sua prevenção deve ser uma preocupação de todos nós. E a melhor forma para o fazer é dando a conhecer as suas consequências e riscos para a saúde em todos os níveis, clarificando que é ilegal no nosso país e em muitos outros.
O que é a mutilação genital feminina?
Todos nós já ouvimos falar sobre este tema, mas será que estamos por dentro do assunto? Será que sabemos verdadeiramente como é feito o processo e quais são os riscos associados?
A mutilação genital feminina é a remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos femininos sem qualquer tipo de indicação médica. A Organização Mundial de Saúde (OMS) descreve a prática como “um procedimento que fere os órgãos genitais femininos sem justificação médica”.
No fundo, a vulva é cortada – mas dependendo dos motivos por que é praticada a MGF, existem diferentes tipos de mutilação ou de corte. Para além disto, trata-se de um processo angustiante e de sofrimento, que prejudica os relacionamentos das mulheres, a sua saúde e a forma como se sentem em relação a si próprias.
Importa ainda referir que se realiza principalmente em meninas entre a infância e os 15 anos e trata-se de uma violação dos direitos humanos, conforme refere a OMS.
A mutilação genital feminina é classificada em 4 tipos
Atualmente a classificação aceite a nível internacional é a da Organização Mundial de Saúde. Esta considera que a mutilação genital feminina pode ser classificada em 4 tipos.
- Tipo 1: quando existe a remoção total ou parcial do clitóris. Incluem-se também situações em que existe apenas a excisão do prepúcio do clitóris, sendo designada por clitoridectomia.
- Tipo 2: é a remoção parcial ou total da glande do clitóris e dos pequenos lábios (as dobras internas da vulva), com ou sem remoção dos grandes lábios.
- Tipo 3: também conhecida como infibulação, abrange os cortes em que existe estreitamento da abertura vaginal através da criação de um selo de cobertura. O procedimento consiste no corte e aposição dos pequenos e/ou grandes lábios, dando origem a uma área de fibrose descrita como “membrana selante”.
- Tipo 4: inclui todos os outros procedimentos que são prejudiciais e não estão classificados nos outros tipos. Práticas como incisões, piercings, raspagens, escarificação e perfuração efetuadas com intuito ritual e sem qualquer tipo de indicação médica estão enquadradas aqui.
A MGF traz riscos graves para a saúde
Ao longo do ritual de mutilação genital feminina algumas crianças e mulheres morrem na sequência de hemorragia aguda, choque séptico e infeção. Como todos sabemos, a MGF não tem qualquer tipo de benefício associado à saúde, acabando mesmo por prejudicar as meninas e mulheres de várias formas.
Apesar de todos os tipos de mutilação genital feminina estarem associadas a um risco aumentado de complicações na saúde, o risco é maior com formas mais graves de mutilação. Entre as complicações agudas, podemos listar:
- hemorragia;
- dor intensa;
- inchaço do tecido genital;
- dificuldade em urinar ou defecar;
- infeções por diferentes agentes (como tétano, VIH, hepatite B e hepatite C);
- problemas na cicatrização de feridas;
- danos psicológicos graves (depressão, ansiedade, baixa autoestima, transtorno de stresse pós-traumático, etc.);
- lesão no tecido genital circundante;
- Morte.
A MGF em Portugal
No ano passado detetaram-se 190 casos de mutilação genital feminina pelos serviços de saúde – e um deles foi praticado em Portugal.
Estamos perante o maior número desde 2014 onde se sinalizaram 40 casos, e em 2021 mais 52 casos. O que significa que no total, durante os últimos 9 anos foram referenciados 853 casos no nosso país.
Segundo o relatório divulgado pela Direção-Geral da Saúde, no Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, a tendência de crescimento só foi interrompida entre 2019 e 2020 – quando se registou uma quebra de 126 para 99 casos.
Além disto, é importante ainda referir que a grande maioria dos registos na plataforma de saúde eletrónica é realizada nos hospitais ou centros de saúde aquando da vigilância da gravidez, durante o puerpério, em consultas ou no internamento.
Relativamente aos 190 casos detetados em 2022 em Portugal, a maioria foi realizada na Guiné-Bissau (129) e na Guiné (45). O único caso sinalizado no nosso país, não tem qualquer referência associada sobre quando terá sido feito.
Por sabermos que esta não é de todo uma realidade distante nem ao nosso pequeno país, é necessário estarmos devidamente informados para podermos contribuir para a detecção atempada e prevenção de casos de MGF. Estarmos informados nunca foi tão importante.