Share the post "Recusar dinheiro físico é ilegal em Portugal: saiba porquê"
Certamente já ouviu a frase: “só aceitamos cartão”. No entanto, recusar pagamentos em numerário é, na maioria dos casos, ilegal em Portugal. A lei protege o direito de pagar com notas e moedas, com algumas exceções. Este artigo explica o enquadramento jurídico, os limites legais e os casos excecionais.
O enquadramento legal: o que diz a lei
Lei Geral Tributária: artigo 63.º-E
A base legal mais direta é o artigo 63.º-E da Lei Geral Tributária (LGT), introduzido pela Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto. Este artigo estabelece o seguinte:
- É proibido pagar ou receber em numerário em transações — de qualquer natureza — com montantes iguais ou superiores a 3 000€ (ou equivalente em moeda estrangeira).
- Para pessoas singulares não residentes (quando não atuam como empresários ou comerciantes), esse limite sobe para 10 000€.
- Para sujeitos passivos que tenham contabilidade organizada (pessoas coletivas ou pessoas singulares que devam dispor de contabilidade organizada), pagamentos (faturas ou documentos equivalentes) iguais ou superiores a 1 000€ devem ser feitos por meio que permita identificação do destinatário (transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto).
Além disso, há restrições específicas:
- É proibido pagar tributos (impostos) em numerário quando o valor excede 500€;
- Os limites sobre numerário são também usados em normas de prevenção ao branqueamento de capitais.
Essas regras não significam que todo pagamento em numerário pode ser recusado, mas estabelecem limites legais para transações em dinheiro. A aceitação do numerário como meio de pagamento com curso legal é uma exigência que decorre da lei e de regulamentos europeus.
Curso legal da moeda e obrigações dos credores
As notas e moedas em euro têm curso legal em todos os países da zona euro — isto implica que devem ser aceites como meio de pagamento no valor facial inscrito.
O Banco de Portugal e a ASAE confirmam que, salvo exceções previstas em lei, os operadores económicos não podem recusar notas e moedas como pagamento. Entretanto, há uma lacuna: embora a recusa seja ilegal, a legislação atual não prevê sanções específicas para os comerciantes que desrespeitem essa obrigação.
Situações em que pode haver recusa legítima
Mesmo sendo regra geral que o numerário deve ser aceite, a lei admite algumas exceções:
- Quando a nota apresentada é manifestamente desproporcional ao valor a saldar (por exemplo, alguém quer pagar 0,50€ com uma nota de 500€);
- Quando há acordo expresso entre as partes para usar outro meio de pagamento (o cliente e o comerciante combinam usar cartão ou transferência);
- Quando o pagamento ultrapassa os limites legais acima definidos (3 000€, 10 000€);
- Quando o pagamento envolve mais de 50 moedas num único ato. O Decreto-Lei n.º 246/2007 estabelece que ninguém é obrigado a aceitar, em um único pagamento, mais de 50 moedas correntes (excetuando o Estado, o Banco de Portugal e instituições de crédito).
O que fazer se um comerciante recusar numerário?
Se um comerciante recusar dinheiro físico de forma ilegal, o consumidor deve começar por lembrar que notas e moedas em euro têm curso legal e têm de ser aceites.
Caso a situação se mantenha, deve registar a ocorrência no Livro de Reclamações, pedindo cópia da mesma. Também pode apresentar queixa junto da ASAE ou recorrer ao Banco de Portugal para denunciar a prática. Guardar provas, como fotografias do aviso “não aceitamos dinheiro” ou testemunhos, pode reforçar a queixa.