Miguel Pinto
Miguel Pinto
11 Dez, 2025 - 10:30

Trancoso: aldeia histórica entre muralhas e lendas na Beira Alta

Miguel Pinto

Apesar de ser uma cidade, parte de Trancoso é uma aldeia histórica. E tem mesmo muito para se ver. Meta os pés ao caminho.

Vista aérea do castelo de Trancoso

No topo de um planalto da Beira Alta, rodeada por muralhas medievais quase intactas e vigiada por um castelo milenar, a aldeia histórica de Trancoso é daquelas localidades que não vivem apenas de fotografia bonita.

Aqui cruzam-se fronteiras antigas, batalhas decisivas, lendas religiosas, memória judaica, feiras tradicionais e um quotidiano ainda marcado pelo ritmo do interior.

Trancoso é, tecnicamente, cidade. Mas dentro das muralhas continua a ter a escala e a alma de aldeia histórica, com ruas estreitas, casas de pedra, pelourinho, igrejas, portas fortificadas, tudo muito concentrado e fácil de percorrer a pé.

Para quem gosta de escapadinhas com história, gastronomia e aquele ar de tempo suspenso, é um pequeno vício.

Centro histórico de Trancoso: entre muralhas e castelo

O coração de Trancoso vive dentro da cintura amuralhada. A melhor forma de entrar é pela Porta d’El Rei, um arco monumental flanqueado por torres, que serve de cartão de visita à vila medieval.

Deste ponto, o centro histórico abre-se em ruas de pedra, largos e perspetivas sucessivas sobre o castelo e o casario.

O Castelo de Trancoso, com origem anterior à própria nacionalidade, é o grande protagonista. Fundado entre os séculos VIII e IX, reforçado ao longo da Idade Média, guarda memórias da Batalha de Trancoso, em 1385, em que as forças portuguesas derrotaram os castelhanos, pouco antes de Aljubarrota.

Subir à torre de menagem é quase obrigatório: lá de cima vê-se o centro muralhado, o planalto beirão e, em dias limpos, a linha distante da Serra da Estrela e o vale do Douro.

Dentro das muralhas, a praça Dom Dinis funciona como sala de estar da aldeia histórica. Aí concentram-se o Pelourinho manuelino, a Igreja de São Pedro, as antigas casas da Câmara e o Palácio Ducal (na verdade residência de viscondes).

A estátua do sapateiro-profeta Bandarra, figura maior da memória local, relembra o lado mais enigmático e quase literário de Trancoso.

castelo de Trancoso à noite

Trancoso a pé: ruas, judiaria e casas senhoriais

Este é um local é para ser percorrido devagar. A Rua da Corredoura, antiga artéria comercial, continua cheia de vida, com casas brasonadas, varandas em granito e fachadas trabalhadas.

Ali se destaca a Casa dos Arcos, com o alpendre usado durante séculos para atividades de mercado.

Na Rua dos Cavaleiros surgem solares como a Casa das Oliveiras ou o Solar dos Sousa, a lembrar que a vila teve peso económico e social bem acima da sua dimensão atual.

Uma das zonas mais interessantes  é a antiga judiaria. Nas vielas em redor da Rua do Poço do Mestre mantêm-se portais biselados, inscrições e elementos arquitetónicos ligados à comunidade sefardita que aqui viveu.

O Centro de Interpretação da Cultura Judaica Isaac Cardoso ajuda a contextualizar essa presença, cruzando história, religião e perseguição, num território onde a Inquisição deixou marcas profundas.

Ainda na mesma área, a Casa do Bandarra e o Poço do Mestre acrescentam outra camada narrativa à visita, através de profecias, trovas, lendas e um imaginário que inspirou desde o sebastianismo ao Padre António Vieira, chegando até Fernando Pessoa.

rua de Trancoso

Igrejas, lendas e símbolos de fé

Trancoso gosta de misturar história oficial com histórias contadas à lareira. A Igreja de Nossa Senhora da Fresta, por exemplo, está ligada à lenda de Iberusa Leoa, a jovem cristã que terá sido poupada durante um cerco, após pedir proteção à Virgem, prometendo construir uma capela no local.

O templo, fundado no século XII, preserva elementos românico-góticos, como os portais laterais e o arco triunfal decorado com arabescos e meias-esferas, além de frescos dos séculos XV e XVI.

Na própria praça Dom Dinis, a Igreja de São Pedro guarda o túmulo de Bandarra, reforçando a ligação entre fé, profecia e identidade local. Outras igrejas e capelas, como a Misericórdia, Santa Maria de Guimarães ou São Marcos (ligada ao local da Batalha de Trancoso), completam um percurso que é tanto arquitetónico como emocional.

No rasto das portas da muralha

A Porta d’El Rei e as Portas do Prado são as mais monumentais, ligando o burgo ao exterior em direções diferentes. A Porta do Carvalho exibe em relevo uma figura equestre que muitos associam ao cavaleiro João Tição, protagonista de mais uma lenda local.

A Porta da Traição e as Portas do Sol ficam mais próximas da cerca do castelo, num registo claramente defensivo.

E depois há o Postigo do Boeirinho, estreito ao ponto de obrigar a passar um de cada vez, pensado para ser a última via de entrada em caso de invasão. Hoje serve, no mínimo, para testar equilíbrio, paciência e capacidade de encaixe em pedra medieval.

Vista da Sortelha e das muralhas
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Trancoso: o que ver na região envolvente

Uma escapadinha a Trancoso ganha outra dimensão se for combinada com explorações pela Beira Interior. Em pouco tempo de carro, surgem cenários bem diferentes, mas que dialogam com a mesma identidade.

Os Passadiços do Távora, em Sernancelhe, seguem as margens da albufeira da Barragem do Vilar, num percurso fácil e fotogénico, ideal para quem quer alternar muralhas com natureza.

Penedono, com o seu castelo triangular e cenário quase de fantasia, é outro clássico da região.

Mais longe um pouco, mas ainda em lógica de circuito, estão Mêda e a aldeia histórica de Marialva, tudo bem encaixado numa roadtrip pela Beira Interior, tendo Trancoso como base ou ponto central.

Como lá chegar

Vindo do Porto segue-se pela A1 até Aveiro, apanha-se a A25 em direção a Viseu e, já perto de Celorico da Beira, a saída que aponta para Trancoso. O percurso faz-se bem, é rápido e ganha um ar mais rural nos últimos quilómetros, quando a estrada começa a serpentear pelo planalto.

Para quem vem de Lisboa, a viagem é mais longa. A rota mais prática é subir pela A1 até Coimbra, entrar na A35/A13 e depois derivar para a A25 rumo a Viseu e Guarda. O resto é na mesma sair antes de Celorico da Beira e seguir as placas até Trancoso.

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