Share the post "Campanhó: refúgio de pedra e luz aninhado em Trás-os-Montes"
Alguns lugares parecem ter sido deixados num modo de pausa, como se o tempo tivesse decidido fazer ali uma sesta prolongada. Campanhó é um desses.
Uma aldeia minúscula, escondida nas encostas onde o Marão começa a suspirar para dentro e o Douro ainda se faz sentir ao longe, nas curvas preguiçosas do rio.
Chegar lá já é metade do encanto ou metade da aventura, depende de quem conduz. A estrada serpenteia por entre montes cobertos de giestas e lameiros, e há sempre aquele momento em que se questiona: “Mas será mesmo por aqui?” É. É mesmo.
Campanhó aparece de repente, sem alarido, uma pequena constelação de casas em pedra granítica, algumas com telhados de xisto, outras com remendos de telha moderna, uma colagem entre o antigo e o que foi sendo necessário.
Campanhó: uma vida simples, numa paisagem única
Não há cafés de design nem lojas de produtos biológicos com nomes em inglês. Há o som dos galos, um sino que ainda toca à hora certa e uma cadência de vida que, se fosse música, seria um adágio.
O centro da aldeia é um terreiro simples, ladeado por casas que parecem observar os visitantes com curiosidade discreta. É ali que se encontra a igreja paroquial de Campanhó, modesta e encantadora, com o seu adro voltado para o vale. Dizem que em dias de nevoeiro a torre parece flutuar, como se estivesse a meio caminho entre o céu e a serra.
Mas o que faz de Campanhó um segredo tão bem guardado é o que está à volta. A paisagem é de cortar a respiração. Os campos cultivados alternam com socalcos antigos, muros de pedra cobertos de musgo, e aqui e ali, oliveiras retorcidas, tão velhas que já não sabemos se são árvores ou esculturas vivas.
À volta, o Parque Natural do Alvão desenha-se com uma beleza agreste e hipnótica. As Fisgas de Ermelo, a poucos quilómetros, são um dos espetáculos naturais mais impressionantes do Norte de Portugal. São cascatas imensas, sucessivas, que caem em degraus de pedra e formam poços profundos, de água fria e translúcida.
Ver o pôr do sol dali, com o som da água em fundo, é um luxo que não cabe em fotografia nenhuma.

Esquecer as pressas
Há dias em que se ouve apenas o vento. Outros em que o rio Corgo lá em baixo faz questão de se fazer notar, murmurando histórias de moinhos e lavadeiras. É fácil perder a noção do tempo e ainda bem. Em Campanhó, a pressa é vista com desconfiança.
Um passeio pelas redondezas leva-nos a aldeias irmãs, igualmente encantadas. Lamas de Olo, por exemplo, onde as casas em granito e colmo parecem ter sido desenhadas por mãos pacientes. Ou Borbela, com as suas vistas sobre o vale do Corgo e vinhedos que se estendem até perder de vista.
Se houver disposição, vale a pena seguir até Vila Real, a capital do distrito, onde o Palácio de Mateus impõe a sua elegância barroca e os jardins recortados contrastam com a rusticidade das aldeias vizinhas.
Mas volte sempre a Campanhó. Há qualquer coisa ali que não se explica. Talvez seja a luz. Ao fim da tarde, o sol incide de lado, dourando as paredes das casas, e tudo ganha uma serenidade quase cinematográfica.
A certa altura, sente-se o cheiro a lenha queimada, alguém acende uma lareira e o ar frio mistura-se com o fumo num abraço que só o interior de Portugal sabe dar.

Campanhó: festas e memórias
Fala-se de uma festa local, em honra de Nossa Senhora da Conceição, que ainda junta as famílias da terra e os que emigraram. Trazem-se tambores, levantam-se arcos de flores e dança-se sem pressa.
São tradições que, mesmo pequenas, continuam a ser o centro gravitacional da comunidade. Num mundo em que tudo parece descartável, há qualquer coisa de profundamente reconfortante em ver gente que ainda sabe o que é pertencer.
Passear por Campanhó é um exercício de desapego urbano. Não há muito para “fazer” no sentido convencional e é precisamente isso que o torna especial. Caminhar. Olhar. Respirar. Ficar a ouvir o silêncio, esse luxo esquecido.
Campanhó não é um destino de lista. É uma pausa entre destinos. Um intervalo. Um lembrete de que o Norte de Portugal não vive só das grandes serras e vinhos famosos, mas também destas aldeias que persistem em ser. E que bom que persistem.