Sem ter alcatrão, nem tabaco propriamente dito, os cigarros eletrónicos apresentam-se como sendo uma alternativa menos nociva para o fumador. Associada à venda destes cigarros está a ideia de que não fazem mal à saúde. E o que diz a ciência? Será que o cigarro eletrónico faz mal à saúde?
A resposta a esta questão não é linear, nem ainda certa a 100%. Vários estudos foram feitos em volta desta nova forma de fumar em que o utilizador recorre a um aparelho para satisfazer as suas necessidades de nicotina. Neste caso, apenas a nicotina é inalada.
Esta substância aditiva é distribuída através de um vapor que aquece uma solução constituída por propilenoglicol ou glicerina vegetal, sabores e outros aditivos.
Sabe-se que estes cigarros têm um número significativamente menor de toxinas e substâncias cancerígenas em comparação com os cigarros normais.
O cigarro eletrónico faz mal à saúde?

Como os cigarros eletrónicos são relativamente recentes, não há ainda suficientes estudos feitos sobre eles e que abordem os efeitos deste aparelho a longo prazo.
Para perceber em maior pormenor e tentar responder à mesma questão, a jornalista Julia Belluz, do site Vox, dedicou-se a este assunto, consultando e analisando vários estudos e entrevistando cientistas que tentaram perceber se o cigarro eletrónico faz mal à saúde.
Segundo Martin Døssing que, juntamente com Charlotta Pisinger, fez a análise de 76 dos melhores estudos sobre este tema, a maioria das investigações desenvolvidas é pouco credível. Porquê? Foram financiadas ou de alguma maneira suportadas pela indústria responsável por este tipo de cigarros. Por isso estas não devem ser consideradas, pois existe um conflito de interesses.
Døssing explicou que foram encontradas substâncias conhecidas por serem cancerígenas em algumas marcas e que é preocupante não se saber as consequências do uso diário a longo prazo destes cigarros.
Thomas Eissenberh, co-diretor do Centro para o Estudo do Tabaco, tem as mesmas preocupações. “É legítimo afirmar que os utilizadores a longo prazo dos cigarros eletrónicos não vão morrer de uma doença provocada pelo tabaco”, disse. No entanto, indicou que “não é claro se essas pessoas vão morrer de uma doença provocada pelos cigarros eletrónicos ou se a mortalidade vai ser inferior, superior ou igual às taxas de mortalidade que vemos relacionadas com doenças com origem no tabaco”.
Ainda faltam estudos

Os cigarros eletrónicos parecem, de acordo com a investigação que tem vindo a ser feita, ser menos nocivos para a saúde a curto prazo do que os cigarros tradicionais. Por exemplo, a American Heart Association concluiu que “os dados dos efeitos na saúde, estudados, em primeira análise, em pessoas saudáveis com exposição a curto prazo, revelam pouca ou nenhuma evidência de danos adversos”. Por outro lado, “a irritação respiratória e constrição nos brônquios por causa do propilenoglicol aumentam preocupações em possíveis danos em pessoas com asma e obstrução pulmonar crónica“.
Em 2015, a Public Health England, um organismo de saúde pública em Inglaterra, chegou mesmo a considerar que os cigarros eletrónicos são 95% menos prejudiciais do que os cigarros normais.
A maioria dos estudos faz comparações entre o cigarro tradicional e o cigarro eletrónico. Novamente vem a pergunta: o cigarro eletrónico faz mal à saúde?
Ainda são necessários mais estudos para dar uma resposta mais concreta, sobretudo no que diz respeito aos efeitos a longo prazo. A investigação nesta área não é fácil. Estes aparelhos são um objeto de estudo complexo, pois a tecnologia que lhes está associada está em constante mudança e evolução e existem 500 marcas e mais de 7000 sabores para ter em conta.
Sobre os sabores, Chris Bullen, investigador e professor na escola de saúde pública da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, revelou dúvidas quanto aos mesmos. “Pouco se sabe sobre o que acontece quando eles são aquecidos e inalados por semanas, meses ou anos”, alertou.
Não deixa de fazer mal
Apesar de alguns estudos parecerem apontar para o facto destes cigarros serem menos prejudiciais para a saúde do que o tabaco, isso não quer dizer que o cigarro eletrónico não faça mal à saúde.
O médico oncologista António Araújo, em entrevista à revista Prevenir, não tem dúvidas: embora faltem ser feitos muitos estudos, o cigarro eletrónico faz mal à saúde. O especialista referiu, por exemplo, que os aditivos que são usados para tornar mais agradável o consumo do cigarro eletrónico podem causar irritação ocular e respiratória e ter efeitos deletérios sobre a gravidez.
Sobre este tópico, António Araújo disse ainda que as marcas podem introduzir, uma vez que não há regulamentação, os produtos que desejarem no dispositivo “quer em termos de substâncias aditivas, de essências de sabor ou de outros produtos que podem ser eventualmente cancerígenos”.
Para o médico, o cigarro eletrónico faz mal à saúde, tal como o cigarro tradicional e desaconselha o consumo destes aparelhos. “Deve ser proibida a sua venda a menores e desaconselhado o seu uso em grávidas”, alertou.
Ajudam a deixar de fumar?

Outro facto acerca destes cigarros é que, contrariamente ao que se possa pensar, não ajudam a deixar de fumar. Um estudo da JAMA Intern Med concluiu que “a utilização de cigarros eletrónicos por fumadores não foi seguida de uma maior desistência ou redução de consumo um ano depois”.
O médico António Araújo disse ainda que está provado que não existe relação entre estes aparelhos e a desistência de fumar. Aliás, quanto a estes novos dispositivos, o especialista alertou para o facto destes cigarros, por serem associados a uma imagem de moda e existir a ideia de não serem perigosos para a saúde, poderem induzir o consumo de nicotina nos mais jovens.
“O cigarro eletrónico deve ser considerado um dispositivo, pelo menos, tão prejudicial quanto o cigarro tradicional, devendo ser desmistificada a imagem de marketing de menor risco para a saúde”, sublinhou o especialista na entrevista.