Afonso Aguiar
Afonso Aguiar
23 Mai, 2023 - 11:42

Combustíveis de marca branca: compensam ou não?

Afonso Aguiar

Por que se continua a não apostar em combustíveis de marca branca? saiba a resposta e o que está em causa para a sua viatura.

fim dos motores a combustão

Em altura de crise, os combustíveis de marca branca seriam, teoricamente, uma alternativa menos dispendiosa e amiga da carteira para a grande generalidade dos portugueses. O pensamento lógico seria esse, correto? Pelos vistos não.

Segundo um estudo da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), que teve em consideração dados recolhidos entre 2018 e 2020, período durante o qual já envolveu uma parte da pandemia do Covid-19, o típico consumidor nacional opta quase sempre por adquirir combustíveis de marcas premium, como a Galp, BP, Cepsa ou Repsol.

Uma vez que a definição de marca branca é subjetiva, para efeitos deste artigo, considerar-se-á estas cinco como marcas premium e as restantes, como, a título de exemplo, as vendidas no Auchan e no Intermarché, serão consideradas combustíveis de marca branca.

“A Galp Energia, a Repsol, a Cepsa e a BP, ou como referido ao longo deste relatório as companhias petrolíferas de bandeira, têm uma representação nas introduções a consumo no mercado nacional superior a 80% para as gasolinas e superior a 80% para os gasóleos, para todo o período analisado (de 2018 até final do primeiro semestre de 2020)”, pode-se ler no referido estudo.

Aliás, o mesmo estudo salienta que se a essas quatro se juntar a Prio, obtêm-se “uma quota de mercado agregada confortavelmente acima dos 95%”.

Além disso, para se ter uma noção do quão custoso pode ser abastecer o veículo, note-se que perto do pico dos preços, entre janeiro de 2021 e outubro de 2022, o preço médio da gasolina passou de 1.406€ para 1.825€, um aumento de 129%, enquanto o de gasóleo ainda subiu mais e foi dos 1.245€ para 1.856€, o que corresponde a um acréscimo de cerca de 149%.

Atualmente os preços estão mais baixos (não muito), mas a volatilidade do mercado faz com que nunca se saiba o que vai acontecer semana após semana.

Dos registos encontrados, o único ano em que as marcas brancas tiveram uma boa notícia foi em 2014, altura em que um estudo da Accenture e da Associação Portuguesa da Energia (APE) demonstrou que quase metade dos portugueses abastecia com combustíveis de marca branca. Porém, desde então, tudo mudou.

Apesar de, desde 2021, ainda não se encontrar dados suficientes sobre o comportamento do consumidor em relação aos combustíveis, a realidade é que, tendo em conta que, já em 2016, 80% do combustível eram adquirido junto de marcas premium e, mesmo adivinhando-se algumas alterações nos últimos dois anos, porém assumindo que não serão provavelmente significativas, levanta-se a questão: porque é que se continua a não apostar em combustíveis de marca branca?

Combustíveis de marca branca: que qualidade?

A única explicação lógica para este comportamento por parte dos portugueses é a existência de bastantes desconfianças relativamente a combustíveis de marca branca.

Há vários mitos apregoados, como o facto de serem mais prejudiciais ao motor, terem menos qualidade e, inclusivamente, que é adicionada água ao combustível. No entanto, tal como em outras situações, a maior parte desses “ditos” não têm base científica.

Primeiro, há que ter em atenção que a definição de marca branca e low-cost estão muitas vezes associadas, levantando suspeitas relativamente à primeira. No entanto, tanto uma como a outra são designações populares ou de mercado.

Na realidade, em termos técnicos, no que ao combustível diz respeito, não há diferenças em termos de produção, transporte ou carregamento.

O termo vem apenas do posicionamento de uma determinada marca e dos preços que pratica relativamente aos seus concorrentes.

Depois, há que ter em consideração que há uma entidade que supervisiona e fiscaliza os postos de combustível e a qualidade do mesmo. Trata-se da  DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), que tem por objetivo garantir que os padrões de qualidade dos combustíveis automóveis cumprem os padrões de qualidade impostos pelas normas europeias definidas para o gasóleo e para a gasolina.

Finalmente, apesar de nem toda a gasolina e gasóleo vendidos em Portugal serem refinados no mesmo local, a verdade é que a maior parte do combustível que se adquire tanto nas bombas de combustível de marca branca ou premium é refinado em Sines, numa refinaria gerida pela Petrogal, do mesmo grupo da Galp. Ou seja, a probabilidade do combustível vendido na Galp, na BP, ou no Auchan, ou no Intermarché, ser refinado no mesmo local é elevada.

Percebe-se então que em termos de combustível simples, não há diferenças entre combustível de marca branca ou premium. A única diferença será efetivamente no combustível aditivado que, pese embora as grandes não indicarem os componentes, segundo especialistas podem trazer alguns benefícios.

É que esses compostos adicionados servem para garantir um cuidado extra em lubrificar e proteger o motor, melhorar o desempenho do mesmo e, até, diminuir a emissão de gases poluentes e os consumos de combustível.

Porém, é de forma quase unânime que vários especialistas indicam que as vantagens são residuais, sendo que, para a maioria dos consumidores, o dinheiro extra pago pelo combustível aditivado não compensa.

Aliás, ao que tudo indica, os portugueses pensam já dessa mesma maneira, uma vez que a percentagem de combustível aditivado que é vendido por ano não costuma ultrapassar os 33% (um terço).

nível de combustível ideal
Os combustíveis de marca branca podem significar uma boa poupança

O teste da Deco

Poder-se-ia pensar que para cada estudo defendido por um grupo de especialista, há sempre um outro que efetivamente provam exatamente o contrário. Foi exatamente esse o pensamento da Deco. A organização de defesa do consumidor decidiu, há uns anos, fazer uma espécie de tira-teimas e resolver de vez o debate.

O estudo da Deco foi realizado tendo como base da experiência quatro automóveis idênticos, mas com combustíveis diferentes: Galp Gforce, Galp Hi-Energy, Jumbo e Intermarché, os líderes de mercado nos seus segmentos na altura.

O teste foi efetuado apenas com automóveis a gasóleo, uma vez que, segundo a entidade de apoio ao consumidor, estes acumulam mais resíduos e poderiam efetivamente apresentar resultados diferentes no que diz respeito a consumos e a uma deterioração mais rápida do motor.

Apesar disso, após 12 mil quilómetros de condução, os quatro carros utilizados exibiram consumos muito idênticos e, no interior do motor, não foram vislumbradas diferenças relevantes nos depósitos. A maior diferença foi de 0,13 litros aos 100 quilómetros entre o pior e o melhor caso. Ou seja, uma diferença de dois por cento.

Para se perceber o quão residual é essa diferença, a Deco salientou que “por exemplo, a pressão incorreta nos pneus aumentava o consumo em 5%, o que equivalia a mais 0,33 l/100 quilómetros”. O objetivo era realçar que alguns hábitos de condução, ou a maior ou menor manutenção de um veículo, são mais relevantes no que aos consumos diz respeito do que a marca do combustível.

Portanto, se pertence à grande maioria dos consumidores que opta por não colocar combustível aditivado, talvez seja a altura de começar a olhar para a carteira também e a abastecer com combustível de marca branca.

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