Share the post "Quinze anos de Discórdia: vinhos do coração selvagem alentejano"
No extremo sul do Alentejo, onde o sol abrasa a terra e o rio Guadiana desenha a paisagem, existe um lugar onde a natureza dita as regras. E há Discórdia, mas já lá vamos.
A Herdade Vale d’Évora, a escassos quilómetros da medieval Mértola, é um refúgio de beleza agreste no coração do Parque Natural do Vale do Guadiana, um território onde vinhos elegantes e frescos nascem, contra todas as expectativas, da região mais quente e árida do país.
Com quase 550 hectares de extensão, a herdade preserva a essência selvagem do Alentejo profundo. Ali, apenas 10 hectares são dedicados à vinha.
O restante território mantém intacta a sua vocação cinegética, onde perdizes autóctones, coelhos, patos selvagens e javalis circulam livremente entre o medronheiro, o olival, o pinhal e o denso azinhal.
Esta convivência harmoniosa entre a vinha e a fauna selvagem é o reflexo mais autêntico da natureza de Mértola.
Os limites da propriedade são traçados pela margem direita do Guadiana, cujas águas influenciam subtilmente o ciclo das vinhas e as características das uvas.
Os solos xistosos, predominantes na herdade e raros nesta região, são pobres e exigentes. O calor é intenso, a secura implacável, e há anos em que a pluviosidade mal se faz sentir.
São estas condições extremas que, paradoxalmente, dão origem a vinhos de frescura e tensão surpreendentes.
Década e meia de Discórdia
Em 2010, foram plantadas as primeiras cepas de Touriga Nacional, Touriga Franca, Alicante Bouschet e Syrah nas tintas e Antão Vaz, Arinto e Verdelho nas brancas.
A orientação solar das vinhas, semelhante à da encosta sul do Douro, foi escolhida estrategicamente para moldar o perfil único dos Vinhos Discórdia.
Sob a direção enológica de Filipe Sevinate Pinto, a filosofia é clara e passa por produzir vinhos com tensão, acidez e frescura que desafiam as expectativas para uma região tão quente.
As vindimas começam em julho, estando entre as primeiras do país, e o timing é decisivo. As uvas brancas são colhidas com apenas 11,5 graus de álcool, num intervalo de tempo curto que preserva a acidez natural e a pureza da fruta.
A vinificação em lagares de pisa, com curtimentas breves, privilegia a expressão fresca e vibrante das uvas. Alguns brancos estagiam em barricas usadas de 500 litros, enquanto outros mantêm apenas o carácter primário da fruta.
Os tintos resultam de lotes cuidadosos que combinam vinhos estagiados e sem estágio em madeira.
Vinhos que celebram um território

Quinze anos após a primeira plantação, a nova gama Discórdia reafirma a convicção de que a verdadeira diferenciação de um vinho nasce da identidade inegociável do território.
Estes são vinhos que não seguem modas nem procuram agradar a tendências. Respeitam, acima de tudo, o carácter extremo e intransigente do lugar de onde vêm.
O Discórdia Branco 2024 apresenta-se com cor cítrica e um nariz fresco repleto de damasco, notas vegetais de esteva e pedra molhada. Na boca, é vibrante e tenso, com personalidade marcada.
Já o Grande Discórdia 2020 Magnum surpreende pela cor pouco evoluída e pelo nariz complexo, onde pedra molhada, giz e cedro se entrelaçam. Na boca, revela dimensão, tensão e uma acidez vibrante que desafia o tempo.
Entre os tintos, o Discórdia Colheita 2021 exibe cor viva e frescura, com notas típicas da Touriga Nacional, cravinho e fruta silvestre, enquanto o Tourigas da Discórdia 2021 seduz pela elegância, com aromas cítricos e taninos polidos.
O Discórdia Syrah 2021, de cor granada intensa, apresenta-se quente e profundo, com notas de caruma e fruta preta, equilibrado por uma acidez vibrante.
Experiência no Alentejo mais autêntico
Pelas cercanias da Herdade Vale d’Évora mergulha-se num Alentejo diferente, longe dos circuitos mais turísticos.
Descobrem-se paisagens e provam-se vinhos que contam a história de um território único, moldado por uma natureza que não se deixa dominar.