Miguel Pinto
Miguel Pinto
09 Dez, 2025 - 14:00

Quinze anos de Discórdia: vinhos do coração selvagem alentejano

Miguel Pinto

Chamam-se Discórdia, mas quase toda a gente está de acordo que fazem jus à melhor tradição dos grandes vinhos alentejanos.

herdade onde se fazem os vinhos discórdia

No extremo sul do Alentejo, onde o sol abrasa a terra e o rio Guadiana desenha a paisagem, existe um lugar onde a natureza dita as regras. E há Discórdia, mas já lá vamos.

A Herdade Vale d’Évora, a escassos quilómetros da medieval Mértola, é um refúgio de beleza agreste no coração do Parque Natural do Vale do Guadiana, um território onde vinhos elegantes e frescos nascem, contra todas as expectativas, da região mais quente e árida do país.

Com quase 550 hectares de extensão, a herdade preserva a essência selvagem do Alentejo profundo. Ali, apenas 10 hectares são dedicados à vinha.

O restante território mantém intacta a sua vocação cinegética, onde perdizes autóctones, coelhos, patos selvagens e javalis circulam livremente entre o medronheiro, o olival, o pinhal e o denso azinhal.

Esta convivência harmoniosa entre a vinha e a fauna selvagem é o reflexo mais autêntico da natureza de Mértola.

Os limites da propriedade são traçados pela margem direita do Guadiana, cujas águas influenciam subtilmente o ciclo das vinhas e as características das uvas.

Os solos xistosos, predominantes na herdade e raros nesta região, são pobres e exigentes. O calor é intenso, a secura implacável, e há anos em que a pluviosidade mal se faz sentir.

São estas condições extremas que, paradoxalmente, dão origem a vinhos de frescura e tensão surpreendentes.

Década e meia de Discórdia

Em 2010, foram plantadas as primeiras cepas de Touriga Nacional, Touriga Franca, Alicante Bouschet e Syrah nas tintas e Antão Vaz, Arinto e Verdelho nas brancas.

A orientação solar das vinhas, semelhante à da encosta sul do Douro, foi escolhida estrategicamente para moldar o perfil único dos Vinhos Discórdia.

Sob a direção enológica de Filipe Sevinate Pinto, a filosofia é clara e passa por produzir vinhos com tensão, acidez e frescura que desafiam as expectativas para uma região tão quente.

As vindimas começam em julho, estando entre as primeiras do país, e o timing é decisivo. As uvas brancas são colhidas com apenas 11,5 graus de álcool, num intervalo de tempo curto que preserva a acidez natural e a pureza da fruta.

A vinificação em lagares de pisa, com curtimentas breves, privilegia a expressão fresca e vibrante das uvas. Alguns brancos estagiam em barricas usadas de 500 litros, enquanto outros mantêm apenas o carácter primário da fruta.

Os tintos resultam de lotes cuidadosos que combinam vinhos estagiados e sem estágio em madeira.

Vinhos que celebram um território

vinhos discórdia

Quinze anos após a primeira plantação, a nova gama Discórdia reafirma a convicção de que a verdadeira diferenciação de um vinho nasce da identidade inegociável do território.

Estes são vinhos que não seguem modas nem procuram agradar a tendências. Respeitam, acima de tudo, o carácter extremo e intransigente do lugar de onde vêm.

O Discórdia Branco 2024 apresenta-se com cor cítrica e um nariz fresco repleto de damasco, notas vegetais de esteva e pedra molhada. Na boca, é vibrante e tenso, com personalidade marcada.

Já o Grande Discórdia 2020 Magnum surpreende pela cor pouco evoluída e pelo nariz complexo, onde pedra molhada, giz e cedro se entrelaçam. Na boca, revela dimensão, tensão e uma acidez vibrante que desafia o tempo.

Entre os tintos, o Discórdia Colheita 2021 exibe cor viva e frescura, com notas típicas da Touriga Nacional, cravinho e fruta silvestre, enquanto o Tourigas da Discórdia 2021 seduz pela elegância, com aromas cítricos e taninos polidos.

O Discórdia Syrah 2021, de cor granada intensa, apresenta-se quente e profundo, com notas de caruma e fruta preta, equilibrado por uma acidez vibrante.

Experiência no Alentejo mais autêntico

Pelas cercanias da Herdade Vale d’Évora mergulha-se num Alentejo diferente, longe dos circuitos mais turísticos.

Descobrem-se paisagens e provam-se vinhos que contam a história de um território único, moldado por uma natureza que não se deixa dominar.

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