Ekonomista
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08 Ago, 2018 - 10:00

Cristina Pincho: “Não há leites fracos, o leite é sempre de boa qualidade para o bebé”

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Cristina Pincho, consultora de lactação, reuniu várias questões sobre o aleitamento materno no livro “Amamentar. A escolha natural para o seu bebé”. Em entrevista ao E-Konomista, esclarece alguns mitos e deixa conselhos para todas as mães.

Cristina Pincho: "Não há leites fracos, o leite é sempre de boa qualidade para o bebé"

Cristina Pincho, consultora de lactação (IBCLC), doula, instrutora de massagem para bebés e educadora perinatal deu uma entrevista ao E-Konomista sobre questões relacionadas com o aleitamento materno, tema que aprofunda no seu mais recente livro “Amamentar. A escolha natural para o seu bebé”.

Tendo dedicado a sua vida a questões ligadas à Maternidade e à primeira infância, acredita que “o maior ‘erro’ do nosso tempo em relação à amamentação foi torná-la muito funcional e cheia de regras, tirando espaço às mães de se relacionarem e de descobrirem os seus bebés”.

Entrevista: a opinião de Cristina Pincho sobre o aleitamento materno

Entrevista Cristina Pincho

Amamentar. A escolha natural para o seu bebé“, de Cristina Leite Pincho

1. A Cristina é consultora de lactação e mãe de 5 filhos amamentados. Quais são os principais benefícios do aleitamento materno para a mãe e para o bebé?

As funções do leite materno fazem com que este seja o único alimento que corresponde a todas as necessidades do bebé por pelo menos 6 meses. Cada nutriente, cada elemento colmata e corresponde às necessidades do bebé, tanto do ponto de vista de nutrição como do ponto de vista de proteção imunológica. Por muito que se tente, o leite materno, com as suas características muito especiais, é impossível de ser replicado.

A vinculação é um processo que pode ser muito facilitado pela amamentação, pois as hormonas envolvidas favorecem o processo, para isso é muito importante criar condições para que a mãe se sinta segura e confiante neste seu novo papel.

Esta vinculação leva a uma maior comunicação e um conhecimento mais instintivo do bebé, o que facilita em muito a adaptação da mãe a este seu novo papel e fase da vida.

Se a mãe se sentir confiante e for ajudada a ultrapassar os desafios que possam surgir, não só o processo de vinculação será facilitado, sentindo-se a mãe muito mais segura, como a amamentação continuará por mais tempo, permitindo que o bebé receba os fatores únicos que o só o leite materno pode dar.

“(…) é muito importante criar condições para que a mãe se sinta segura e confiante neste seu novo papel.”

2. É sabido que existe alguma desinformação relativamente à amamentação. Pode esclarecer alguns dos mitos mais frequentes?

Mitos, são muitos. No livro falei de 50 mitos. Talvez dois dos mais comuns sejam:

  • Amamentar tem de causar dor pelo menos inicialmente;
  • O leite materno pode ser fraco ou insuficiente, pelo que a maior parte das vezes seja necessário suplementar.

Quanto ao primeiro mito, a dor não faz parte do processo de amamentação, quando dói é porque alguma coisa não está bem. A dor serve de aviso de que alguma coisa não está bem e que se deve procurar ajuda para resolver o problema. Amamentar deve ser indolor desde o início.

Quanto ao segundo mito, não há leites fracos, o leite é sempre de boa qualidade com os nutrientes e fatores imunológicos essenciais para o bom desenvolvimento e saúde do bebé, nada se compara em termos de valores nutricionais e imunológico àquilo que o leite materno providencia ao bebé.

Em relação ao leite insuficiente pode acontecer por alguns motivos, mas a maioria das mulheres tem a capacidade de produzir leite suficiente para alimentar os seus bebés.

Há estudos que referem que apenas 2 a 5% das mulheres terão razões clínicas para não terem a capacidade de produzir leite para os seus bebés. Claro que a percentagem de mulheres a quem disseram que não têm leite suficiente ou que acreditam que não têm ou não tiveram leite suficiente é muitíssimo superior, mas falarei disso numa outra questão.

Se na esmagadora maioria dos casos as mães não conseguissem produzir leite suficiente para suprir as necessidades dos seus bebés, este não poderia ser o método de alimentação que permitiu que a nossa espécie existisse desde sempre.

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3. Quais são os maiores erros das mães na hora de amamentar?

Não gosto de falar em erros das mães. As mães já se sentem tão fragilizadas e inseguras na altura em que têm os seus bebés e estão a tentar amamentá-los que se falamos em erros ainda vão ficar mais fragilizadas.

Mas não querendo fugir totalmente à pergunta, talvez possa dizer que “o maior erro” do nosso tempo em relação à amamentação foi torná-la muito funcional e cheia de regras, tirando espaço às mães de se relacionarem e de descobrirem os seus bebés, num processo natural de vinculação.

A amamentação além de providenciar alimento, é um processo que deveria permitir essa descoberta. Encher a amamentação de regras e torná-la apenas num método de alimentação tira a confiança da mãe e muitas vezes impede-a de desfrutar da amamentação e do bebé.

As regras não funcionam porque cada mãe e cada bebé são diferentes. Por esse motivo, muitas mães optam pelo desmame porque sentem medo e insegurança e impedem o bebé de receber o único alimento que colmata todas as necessidades do bebé.

“Encher a amamentação de regras e torná-la apenas num método de alimentação tira a confiança da mãe e muitas vezes impede-a de desfrutar da amamentação e do bebé.”

4. A alimentação da mãe durante o período de lactação também é alvo de muitas dúvidas. Há alimentos proibidos? Quais os cuidados mais importantes?

Não há alimentos proibidos. Tal como em qualquer outra fase da vida, o mais importante é ter uma dieta rica, variada e equilibrada.

Se eu juntasse tudo o que já ouvi ao longo dos anos sobre supostos alimentos proibidos penso que não restaria muito que as mães a amamentar pudessem comer.

Todos os mitos e restrições em relação a comidas fazem com que a amamentação se torne penosa e complicada para as mães. Não há necessidade de complicar um processo que deveria ser simples. No livro explico o porquê, tentando desmistificar também esta questão.

5. Muitas mulheres sentem dor ao amamentar e algumas desenvolvem mastite. Quais são as principais causas e como prevenir ou tratar o problema?

Como já referi anteriormente quando falei dos mitos, a dor não faz parte do processo de amamentar, quando surge é porque alguma coisa não está bem.

As causas podem ser muitas, mas fazendo referência às mais comuns posso mencionar que muitas vezes a dor é causada por uma má pega, que não só provoca dor na mãe como faz que o bebé não consiga extrair leite de forma eficiente da mama.

Se não extrai leite de forma eficiente, o leite vai ficar acumulado na mama. A acumulação de leite na mama poderá provocar mastites. Isto pode prevenir-se com mamadas frequentes e com uma correta adaptação do bebé à mama, sabendo distinguir se o bebé está a mamar de forma eficiente.

” (…) a dor não faz parte do processo de amamentar, quando surge é porque alguma coisa não está bem.”

6. Algumas lactantes também não produzem leite materno suficiente. A que se deve a falta de leite?

As mães produzirem pouco leite não é assim tão comum. Muitíssimas mães percecionam que têm pouco leite. O número de mulheres que efetivamente têm pouco leite é com certeza muito menor.

A perceção de pouco leite vem muitas vezes do facto de não haver uma interpretação correta dos sinais que o bebé dá, de se ter expectativas diferentes em relação ao comportamento do bebé, de ter pouca confiança em si própria e/ou no bebé, levando a que cada choro do bebé seja interpretado como fome e começando desnecessariamente suplementação.

Outras vezes, preocupações com o peso do bebé levam as mães a iniciar suplementação também, muitas vezes, desnecessariamente. Com o passar do tempo, é normal que as mães sintam as mamas mais vazias, mas muitas mães interpretam essa situação absolutamente normal como estando com menos leite e mais uma vez podem ver-se tentadas ou mesmo ser aconselhadas a iniciar o uso de suplementos.

Quando se inicia o uso de suplementos, a produção de leite poderá diminuir significativamente. A maioria das mães produz leite suficiente para alimentar os seus bebés e há poucas razões clínicas que poderão causar uma real insuficiente produção de leite.

Às vezes, a produção de leite diminui devido a más técnicas e introdução de horários rígidos e ritmos diferentes daqueles que o bebé necessita. Os bebés podem não estar a receber leite suficiente, não porque não haja leite suficiente, mas porque as técnicas ou as rotinas assim o impedem e há quem confunda isso com pouca produção de leite.

Não me canso de dizer que cada caso é um caso e cada situação deve ser cuidadosamente analisada. As variáveis implicadas no sucesso da amamentação, incluindo a produção de leite, são múltiplas e é necessário um apoio individualizado para entender o que está por detrás de cada dificuldade.

7. Quando se trata de amamentar um bebé prematuro ou gémeos, é necessário ter cuidados especiais?

Claro que sim, principalmente no que se refere a prematuros. Temos de ter em conta cada caso, sempre, para todos os bebés. Com prematuros as especificidades ainda são maiores e devem ter um acompanhamento personalizado até que a amamentação fique totalmente estabelecida.

Os bebés prematuros ainda têm maiores dificuldades que os bebés de termo em processar outros alimentos que não sejam leite humano, por isso o esforço de se apoiar uma mãe a amamentar um bebé prematuro ainda deveria ser maior.

Em relação aos gémeos, acho que é importante perceber que cada bebé é único e que é importante conhecer e adaptar-se a cada bebé individualmente. O maior desafio será o cansaço e a gestão de tempo.

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8. Até quando se deve amamentar?

As ideias que as pessoas têm em relação ao desmame são mais considerações sociais e culturais do que outra coisa qualquer. A idade de desmame “aceitável” varia de região para região, de cultura para cultura, de sociedade para sociedade, de época para época.

A Organização Mundial de Saúde, que baseia as suas orientações, não em questões sociais, mas em evidência científica, e tem em conta as características do leite materno, as suas funções, as necessidades dos bebés e a sua fisiologia recomenda que a amamentação seja até aos dois anos ou mais.

Do ponto de vista meramente biológico, tendo em conta as mais diversas variáveis, isolando as questões sociais e culturais, estima-se que a altura de desmame da cria humana seja entre os 2,5 anos e os 7 anos de idade.

Acredito profundamente que a amamentação é uma relação que se cria entre a mãe e o bebé e que, essencialmente, é a dinâmica dessa relação que irá determinar a idade de desmame para cada par mãe/bebé.

“… a amamentação é uma relação que se cria entre a mãe e o bebé e (…) é a dinâmica dessa relação que irá determinar a idade de desmame…”

9.  Pode partilhar as suas principais recomendações para as mães no momento da amamentação?

Acho que é essencial haver preparação para a amamentação, saber de antemão onde procurar ajuda se for necessário, confiar em si e no seu bebé. Ligar-se mais ao bebé e desligar-se do ruído à volta.

10. Há mães que optam por não amamentar. O que lhes diria para as convencer ou acha que não deve tentar convencê-las?

Não acho que deva convencer ninguém, mas acho que a opção de amamentar ou não deveria ser uma escolha totalmente informada.

Acho que muitas vezes as pessoas não optam por não amamentar, são empurradas mais ou menos subtilmente para um desmame precoce sem que essa tenha sido uma verdadeira opção delas. Outras optam por não amamentar, mas na maior parte das vezes não é uma opção verdadeiramente informada.

11. A amamentação em público é outro tópico controverso. Qual é a sua opinião?

A amamentação é algo absolutamente normal e natural. Pessoalmente, não acho que dar de mamar em público seja uma questão. Dá-se de mamar quando o bebé quer, onde quer que se esteja.

Só fazemos das coisas um problema se quisermos e eu não quero. Eu amamentei os meus filhos há muitos anos e amamentei em público sempre que era necessário e nunca vi isso como um problema nem senti que as pessoas à minha volta o vissem como um problema. Talvez porque para mim não era uma questão, não identifiquei isso nas pessoas à minha volta.

Também acho que “o problema” de amamentar em público é algo que está a ser importado de outras sociedades. No livro faço uma referência à questão da amamentação em público porque sei que para algumas mães isso poderá ser uma questão e quero apoiar as pessoas a sentirem-se o mais à vontade possível em todas as questões que envolvam a amamentação, incluindo se amamentar em público for um obstáculo para algumas mães.

Amamentar pode ser bastante discreto se assim a mãe o desejar.

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