Share the post "Medição da temperatura no trabalho: esclareça todas as dúvidas"
Face ao aumento do número de casos de infeção por COVID-19 em Portugal, foi decretado, a 6 de novembro, um novo Estado de Emergência pelo Presidente da Républica. A medição da temperatura no trabalho é uma das medidas determinada pelo Conselho de Ministros.
Além da proibição de circulação na via pública entre as 23h00 e as 06h00 em dias de semana e a partir das 13h00 aos sábados e domingos, medida inicialmente aplicada a 121 concelhos e depois a 191 com risco elevado de transmissão da COVID-19, o Conselho de Ministros determinou também a possibilidade de realizar medições de temperatura corporal por meios não invasivos.
São considerados concelhos de risco aqueles em que o número de casos é igual ou superior a 240 por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias.
MEDIÇÃO DA TEMPERATURA NO TRABALHO E OUTROS ESPAÇOS PÚBLICOS
De acordo com a informação do Conselho de Ministros, em relação às medidas do novo Estado de Emergência, é possível realizar medições de temperatura corporal por meios não invasivos no acesso a:
- Locais de trabalho;
- Estabelecimentos de ensino;
- Meios de transporte;
- Espaços comerciais, culturais e desportivos.
A esta informação foi acrescentado também que
“no caso da recusa de medição de temperatura corporal ou nos casos em que a temperatura corporal for igual ou superior a 38.º C pode determinar-se o impedimento no acesso aos locais mencionados”.
A publicação do Conselho de Ministros alerta ainda:
“a medição de temperatura corporal não prejudica o direito à proteção individual de dados”.
Esta frase não é por acaso, pois não é primeira vez que se fala em medição da temperatura no trabalho em contexto de pandemia COVID-19 e proteção de dados.
Em abril, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) fez uma série de recomendações em relação os direitos dos trabalhadores e das empresas, entre as quais diz que as empresas não podem medir a temperatura dos trabalhadores, exceto com determinadas condições.
Continue a ler e recorde os argumentos apresentados pelo Governo, CNPD e Ordem dos Advogados.
MEDIÇÃO DA TEMPERATURA NO TRABALHO: O QUE FOI DITO EM ABRIL
Aquando da primeira vaga, em relação ao combate à COVID-19 e direitos dos trabalhadores, o Governo publicou, no final de abril, um comunicado com esclarecimentos sobre esta medida, justificando que
“o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social considera que, no atual contexto de saúde pública, e concretamente no plano da proteção de dados pessoais, não se afigura inviável a medição da temperatura corporal, desde que não seja guardado qualquer registo da mesma”.
Nesse mesmo comunicado foi referida a clarificação da medida
“por via legislativa, salvaguardando o respeito integral dos direitos de personalidade dos trabalhadores, nos termos do artigo 19.º do Código do Trabalho, e os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação”.
Este artigo do Código do Trabalho decreta que
“para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção” e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação”.
Foram ainda salientadas, no esclarecimento do Governo, as diversas circunstâncias nas quais o tratamento destes dados é compatível com a legislação europeia e nacional, nomeadamente:
- Quando é expressamente consentido pelo trabalhador;
- Realizado de forma sigilosa;
- Necessário por motivos de proteção da saúde pública;
- Com objetivo de proteção e segurança do trabalhador e/ou de terceiros.
Na altura, sobre este tema, a Ministra da Saúde, Marta Temido, recomendou, na conferência de imprensa diária realizada a 26 de abril, “que os trabalhadores devem ter o cuidado de medir duas vezes ao dia a sua temperatura corporal”.
A Ministra salientou que, além da responsabilidade individual de cada trabalhador, a medição da temperatura corporal por parte da entidade patronal deve ser feita com “o consentimento expresso do trabalhador e que o controlo tem de estar sujeito a dever de confidencialidade”.
Medição da temperatura do trabalhador: a posição da CNPD em abril
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) fez, na altura, uma série de recomendações em relação os direitos dos trabalhadores e das empresas, entre as quais dizia que as empresas não podiam medir a temperatura dos trabalhadores, exceto com determinadas condições.
A CNPD reconheceu que se viviam tempos de exceção que justificavam “alterações profundas no contexto da prestação do trabalho e da relação empregador-trabalhador”. Contudo, considerava que “a necessidade de prevenção de contágio pelo novo coronavírus não legitima, sem mais, a adoção de toda e qualquer medida por parte da entidade empregadora.”
Naturalmente que, prevenir a contaminação, legitima a intensificação de cuidados de higiene dos trabalhadores, tal como a adoção de medidas da entidade empregadora em relação à distribuição no espaço dos trabalhadores ou à sua proteção física, e algumas medidas de vigilância, conforme o estabelecido nas orientações da Direção-Geral da Saúde.
“Mas já não justifica a realização de atos que, nos termos da lei nacional, só as autoridades de saúde ou o próprio trabalhador, num processo de auto-monitorização, podem praticar. Na realidade, o legislador nacional não transferiu para as entidades empregadoras uma função que é exclusiva das autoridades de saúde, nem estas delegaram tal função nos empregadores”.
A comissão considerou, assim, que uma entidade empregadora não pode “proceder à recolha e registo da temperatura corporal dos trabalhadores ou de outra informação relativa à saúde ou a eventuais comportamentos de risco dos seus trabalhadores”. Pois o conhecimento público destes pode gerar discriminação e preconceito contra os trabalhadores visados.
A medição da temperatura corporal no trabalho, de acordo com a CNPD, apenas poderia ser feita por profissional de saúde no âmbito da medicina do trabalho para avaliar o estado de saúde dos trabalhadores e obter as informações que se revelem necessárias para avaliar a aptidão para o trabalho, nos termos gerais definidos na lei da segurança e saúde no trabalho.
Medição da temperatura do trabalhador: em abril, a Ordem dos Advogados, dizia ser ilegal
Luís Menezes Leitão, bastonário dos Advogados, numa entrevista à Rádio Renascença, dizia que, de acordo com o Código do Trabalho, “as empresas não podem medir a temperatura dos trabalhadores para detetar COVID-19”.
Citado pela Renascença, sobre o consentimento e confidencialidade, Luís Menezes Leitão afirmou que não se pode, “num quadro de uma relação em que há uma entidade mais forte como o empregador, estabelecer que o consentimento do trabalhador resolve o problema”.
“A parte mais fraca acaba sempre por consentir, sob pena de poder perder o emprego e ser sujeito a ameaças respetivas. Por isso é que existe a lei para controlar este tipo de situações”, acrescentou.
As declarações do bastonário dos Advogados à rádio foram, assim, idênticas às considerações feitas pela CNPD, não havendo legitimidade das empresas para fazer esta medição.
Novo Estado de Emergência decretado em novembro
Em relação às posições acima, é preciso ter presente que estas considerações sobre a medição da temperatura no trabalho foram feitas em abril, durante a primeira vaga e numa altura em que os números de casos de infeção por COVID-19 e as cadeias de contágio era bem inferiores, ao contrário do que agora sucede neste novo Estado de Emergência decretado a 6 de novembro.
República Portuguesa: Medidas do Novo Estado de Emergência
SNS: Novas Medidas Para Controlar a Pandemia
Diário da República Eletrónico, Decreto-Lei n.º 10-A/2020
Esclarecimentos sobre medição de temperatura aos trabalhadores
Código do Trabalho, Lei n.º 7/2009
Covid-19 | Medição temperatura corporal
Orientações sobre recolha de dados de saúde dos trabalhadores
Ordem dos Advogados pões em causa a legalidade da medição da temperatura aos trabalhadores