Teresa Campos
Teresa Campos
21 Abr, 2020 - 16:44

COVID-19: o que são afinal os polémicos wet markets da China?

Teresa Campos

Os wet markets, ou mercados de frescos, já foram criticados pelo responsável da biodiversidade das Nações Unidas. Mas de que se trata ao certo?

Pessoas a andar num wet market, em hong kong

Muitos especialistas pensam que a COVID-19 teve origem no mercado de marisco de Wuhan, onde se confirmaram muitos dos primeiros casos do novo coronavírus. Porém, estes wet markets não são um mero mercados de frescos

Os mercados de frescos são espaços que fazem parte do dia-a-dia dos chineses e à semelhança dos mercados ou feiras europeias, ali vende-se tudo, desde fruta e vegetais a carne fresca, mariscos, ervas aromáticas e especiarias. Tudo a céu aberto. Assim, e um pouco como acontece na Europa, são locais de encontro entre amigos e vizinhos, constituindo uma fonte segura e acessível de comida. Mas, então, quais são os seus riscos?

wet markets da China: o que sabemos sobre eles

Morcegos nos wet markets

Os wet markets, ou mercados de frescos, distinguem-se por venderem produtos frescos e não secos, como outros espaços comerciais que comercializam, por exemplo, os famosos noodles. Entre os mercados frescos, há alguns que conservam os produtos frescos em arcas ou bancadas com gelo, enquanto outros expõem os animais ainda vivos, como o peixe ou as aves. Contudo, desde o surto da gripe das aves, nos anos 90, que algumas províncias chinesas proibiram a venda de aves vivas.   

Condições insalubres

Mas a grande preocupação dos especialistas em saúde são os wet markets de animais selvagens da China. Diversas doenças infeciosas, como o HIV e o Ébola, tiveram origem nesse contacto próximo entre humanos e animais selvagens; e, parece também ter sido essa a origem do COVID-19, cujo ponto de partida terá sido, muito provavelmente, os morcegos. Os vírus espalham-se facilmente, se os animais estiverem presos, em condições insalubres, como em gaiolas. Assim, as doenças rapidamente se propagam entre vendedores e compradores.

O Huanan Seafood Wholesale Market tem uma secção dedicada à venda de animais selvagens, como texugos, crias de lobo, cobras, ratos e porcos-espinhos e os menus de algumas lojas disponibilizam cerca de 100 variedades de espécies de animais vivos, de raposas a pavões, passando pelos gatos de civeta. Assim, julga-se que esta última espécie tenha sido responsável por, em 2002/2003, ter transmitido o Sars dos morcegos para os humanos.

investigadora a fazer análises
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A questão do encerramento destes mercados

As autoridades de Beijing atuaram no sentido de restringir a venda de animais selvagens. O mercado de Huahan encerrou no primeiro dia do ano e, no final do mês de janeiro, foi temporariamente banida a venda e consumo de animais selvagens. Porém, há relatos de que mercados no sul da China já começaram a reabrir, vendendo morcegos, lagartos, escorpiões, gatos, cães, entre outros animais.

A ambientalista Jinfeng Zhou, secretária geral da China Biodiversity Conservation and Green Development Foundation, alertou para a necessidade de banir permanentemente estes mercados. Caso contrário, a origem do problema permanece, a qual está ligada a uma regulação deficitária e a um comércio ilegal. A China tem uma lei de proteção da vida selvagem, mas a lista de espécies em perigo não é atualizada desde 1988. Por isso, se este comércio não é banido, estas doenças irão surgir novamente.

Wet markets e medicina tradicional

Todavia, acabar com este negócio dos animais selvagens pode ser mais difícil do que parece. Os produtos de origem animal fazem parte da medicina tradicional chinesa, por exemplo. Hu Xingdou, economista político, adianta que consumir animais selvagens tem ainda implicações sociológicas que podem ser difíceis de compreender a ocidente.

tartaruga para consumo nos wet markets

Segundo Xingdou, enquanto o ocidente valoriza a liberdade e os direitos humanos, os chineses vêem a comida como uma necessidade primária, porque a fome é uma ameaça e uma memória nacional inesquecível. Embora, atualmente, alimentar-se já não seja um problema para muitos chineses, comer comidas novas e diferentes, como órgãos ou partes raras de certos animais ou plantas tornou-se numa afirmação pessoal e social.

Alienação da pobreza

Recentemente, o governo chinês considerou que reproduzir e vender animais selvagens era um meio essencial para o desenvolvimento rural e para a alienação da pobreza. Um estudo de 2017 da Chinese Academy of Engineering avaliou a indústria ligada aos animais selvagens em cerca de 520 biliões de yuan (c. de 68 biliões de euros). O encerramento deste comércio nos wet markets, devido ao surto do novo coronavirus, pode deixar na pobreza várias famílias.

O perigo dos estereótipos raciais

Uma sondagem da World Wildlife Fund concluiu que 93% dos 5.000 participantes de Hong Kong, Japão, Myanmar, Tailândia e Vietname apoiam a ação governamental de restringir o funcionamento dos mercados que não estão devidamente regulados.

Porém, é importante que a questão do comércio de animais selvagens na China não seja visto como um fator de julgamento ou discriminação. É essencial lembrar que apenas uma pequena percentagem de chineses, especialmente os mais velhos, é que come animais selvagens.

Já o uso de animais selvagens para fins medicinais será, talvez, uma prática mais difícil de banir. Criminalizar o negócio nos wet markets “ajudará” os reguladores a agirem sobre métodos pouco seguros e que, muito provavelmente, também podem resultar em surtos e epidemias mortíferas.

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