Share the post "Zé do Telhado: a louca vida do Robin dos Bosques português"
Passou à história como Zé do Telhado, um militar tornado salteador e bandoleiro e que, rezam as crónicas (ou a lenda), se tornou numa espécie de Robin dos Bosques português, roubando aos ricos e distribuindo o saque pelos pobres.
Não terá sido bem assim, mas é uma vida onde se cruza a vida castrense, os assaltos e as fugas pelos penhascos durienses, a prisão, o degredo e até uma improvável amizade com um dos nomes maiores das letras portuguesas, Camilo Castelo Branco.
Na vida do Zé do Telhado, mito e verdade entrelaçam-se de tal forma que se torna difícil perceber com exatidão quem foi este personagem.
Que existiu é um facto provado, que foi um incondicional defensor dos mais desprotegidos é duvidoso, que levou uma existência atribulada é uma certeza.
Zé do Telhado: o nascimento da lenda
Nascido José Teixeira da Silva, em 22 de junho de 1818, Zé do Telhado veio ao mundo no seio de uma família humilde do meio rural, acabando por ir cedo viver com um tio, com quem aprendeu o ofício de castrador e tratador de animais. Em 1845 casou com uma prima, Ana de Campos, de quem teve cinco filhos.
Tornou-se militar, toma parte na luta contra os setembristas pela restauração da Carta Constitucional, mas a derrota da sua fação obriga-o a refugiar-se em Espanha.
Quando regressa, adere ao movimento de contestação ao governo de Costa Cabral e acaba por se tornar um dos líderes da Revolução da Maria da Fonte, ocorrida a 23 de Março de 1846.
Não obstante a bravura que demonstrou, acaba por cair em desgraça e, crivado de dívidas de impostos, é expulso das forças armadas. Estava montado o cenário para a sua transformação na personagem que haveria de passar à história, o Zé do Telhado.
Assaltos aos mais ricos
À frente de um grupo de bandoleiros, realiza inúmeros assaltos um pouco por todo o Norte do país.
É também por esta altura que ganha forma a lenda de que seria uma espécie de Robin dos Bosques à portuguesa, uma vez que roubava casas e carruagens de pessoas abastadas, dividindo o apuro do roubo com os mais pobres, os quais, diz-se, lhe davam muitas vezes guarida.
Ao longo de sete anos, Zé do Telhado e o seu grupo de bandoleiros levaram a cabo um sem número de assaltos pela região nortenha, refugiando-se na serra do Marão, de difícil acesso e que conhecia como poucos.
No entanto, as autoridades já andavam no seu encalço e com o cerco a apertar-se, tenta a fuga para o Brasil. É neste preciso momento que é detido e encarcerado na Cadeira da Relação do Porto.
Zé do Telhado e Camilo: amizade improvável
Quando dá entrada da prisão, conhece Camilo Castelo Branco, também ele detido devido ao celebérrimo caso de adultério que envolveu o escritor e Ana Plácido.
A moralidade do século XIX penalizava duramente o adultério e o romance com Ana Plácido (casada com Manuel Pinheiro Alves) foi um calvário para ambos.
Detido, Camilo Castelo Branco dedica-se à escrita (escreveu Amor de Perdição na prisão, em 15 dias!!) e trava conhecimento com o já famoso Zé do Telhado, que partilha a sua cela.
Daqui nasce uma amizade improvável, com o escritor a aproveitar a história de vida do bandoleiro para as contar em “Memórias do Cárcere”, onde reforça a lenda do ladrão que rouba aos ricos para dar aos pobres.
Zé do Telhado foi ainda protetor de Camilo Castelo Branco, uma vez que este temia ser morto por algum dos outros detidos, eventualmente pago pelo marido de Ana Plácido.
O bandoleiro disse-lhe para nada temer, já que se alguém lhe tocasse com um dedo “três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos”. Camilo não morreu na prisão. Suicidou-se mais tarde, deixando como legado uma notável obra literária.
Degredo e morte
Entretanto, a sentença de Zé do Telhado foi clara: acusado de onze crimes (que muitos dizem ser uma ínfima parte dos que cometeu) livrou-se da forca, mas foi condenado ao degredo em África, por um período de 15 anos.
Acabou por se instalar em Malange, província angolana, onde voltou a casar e a ter filhos, mais concretamente três. Em 1875 morria em terras africanas, vítima de varíola.
Personagem vindo do povo, e com profundas ligações à terra, Zé do Telhado entrou para o imaginário popular e ainda hoje a sua história é reconhecida.
A casa que habitou ainda está lá, na freguesia de Mouriz, concelho de Paredes. Já agora, consta que lhe chamavam Zé do Telhado porque a casa dos pais era a única na região com telhas. As restantes tinham cobertura de colmo.