Destralhar e vender o que já não usa pode ser uma forma de ganhar dinheiro, mas pode ter que vir a fazer contas já que, a partir de determinado valor, o Fisco vai controlar as vendas online feitas na União Europeia. Assim, será mais difícil recorrer a plataformas eletrónicas para obter um rendimento extra sem que a Autoridade Tributária (AT) tenha conhecimento.
O controlo do Fisco sobre as vendas online resulta da transposição de uma diretiva da União Europeia (UE), aprovada em 2021, mas que ainda não está em vigor. Esta diretiva altera algumas regras relativas às trocas de informação entre as autoridades fiscais da UE.
O Fisco e as vendas online: o que está em causa?
A diretiva, também conhecida como DAC7, tem como objetivo evitar a fraude e a evasão fiscais. Assim, obriga as plataformas a comunicarem às autoridades fiscais, os rendimentos obtidos através delas. Esta obrigação aplica-se não só às plataformas com sede na UE, mas a todas as que operem no espaço comunitário.
O que significa que empresas como a OLX, Vinted, Amazon ou Instagram têm de dar informação ao Fisco sobre as vendas efetuadas pelos seus utilizadores. Caso não o façam, sujeitam-se a coimas pesadas, que podem chegar aos 22.500 euros. Mas os vendedores que ocultem informação que seja relevante em termos fiscais também podem ser multados.
Quando entra em vigor?
A Assembleia da República já aprovou, na generalidade, a proposta de lei que permite a transposição da diretiva. Foram pedidos pareceres à AT e à Comissão Nacional de Proteção de Dados, sendo que esta entidade recomenda a reformulação de alguns artigos.
De qualquer forma, e dado que os Estados-Membros têm um prazo de dois anos para transporem para a legislação nacional estas diretivas, o regime que permite ao Fisco o controlo sobre as vendas online tem de entrar em vigor a curto prazo. Tudo indica que, em 2024, particulares ou empresas já verão as suas vendas acima de determinado valor chegar ao conhecimento da AT.
Por outro lado, este controlo do Fisco sobre as vendas online não se vai limitar aos negócios feitos em Portugal. Isto porque, ao abrigo da cooperação em matéria tributária, existe troca de informações entre as autoridades fiscais dos vários países.
Isto significa que, mesmo que a sede da empresa esteja, por exemplo, em França ou na Alemanha, a AT terá de receber a informação. O Fisco terá acesso a dados como o nome, morada, Número de Identificação Fiscal (NIF) e número da conta bancária dos vendedores.
Que vendas vão estar sujeitos à troca de informações?
A proposta de lei prevê que sejam de comunicação obrigatória os arrendamentos destinados a habitação e fins comerciais, a prestação serviços pessoais, o aluguer de qualquer modo de transporte e a venda de bens.
Neste caso, a AT é informada sempre que um vendedor (particular ou empresa) tenha, durante um ano, obtido contrapartidas acima dos dois mil euros ou tenha efetuado mais de 30 vendas.
Para efeitos do controlo do Fisco sobre as vendas online, consideram-se como contrapartidas os valores líquidos de taxas, comissões ou impostos retidos ou cobrados pelo operador da plataforma. Ou seja, o valor que o vendedor receber já depois de descontadas eventuais comissões e outras despesas.
Apesar de a lei não estar ainda em vigor, prevê que esta partilha de informação abranja os períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2024. Ou seja, as vendas feitas a partir do próximo ano já devem ser do conhecimento da AT.
O Fisco vai cobrar imposto sobre as vendas online?
Não é ainda claro como vai ser feita a tributação destas vendas. Também não se sabe se os rendimentos obtidos com as vendas online têm de ser declarados no IRS. Ou, sequer, se existe obrigação de declarar.
De qualquer forma, a proposta de lei vai alterar o artigo do 12.º do Decreto-Lei n.º 61/2013, que definia a cooperação das autoridades competentes dos Estados-Membros em relação a impostos diretos e prémios de seguros. Essa lei referia que a troca de informações abrangia os impostos em vigor nos diversos países, deixando de fora o IVA, direitos aduaneiros , impostos especiais de consumo e as contribuições obrigatórias para a Segurança Social.
Na nova redação da lei, diz-se que estas informações “podem ser utilizadas para a avaliação, administração e aplicação de impostos”. E esta versão inclui já “o Imposto sobre o Valor Acrescentado e outros impostos indiretos”.
Ou seja, se o volume de transações ultrapassar determinado volume ou valor, empresas e particulares poderão ter de declarar esses rendimentos, pagando imposto sobre esses ganhos.
- Jornal Oficial da União Europeia: Diretiva (UE) 2021/514 do Conselho (DAC7)
- Assembleia da República: Proposta de Lei 64/XV/1 Transpõe a Diretiva (UE) 2021/514, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade