Miguel Pinto
Miguel Pinto
25 Abr, 2024 - 07:00

25 de Abril: a revolução na saúde mudou a vida dos portugueses

Miguel Pinto

O 25 de Abril representou também uma revolução na saúde dos portugueses, com a criação do SNS. E muito mudou entretanto.

revolução na saúde após o 25 de abril

O 25 de Abril trouxe uma verdadeira revolução na saúde também. Afinal, a democracia herdava um sistema que estava a cargo das famílias, de instituições privadas ou da previdência. Os portugueses não tinha acesso a nenhum serviço de saúde universal.

Tão pouco existiam hospitais e médicos espalhados por todo o território. Morria-se de doenças que noutras latitudes estavam praticamente erradicadas, alguns índices atingiam valores intoleráveis (como o da mortalidade infantil), o planeamento familiar estava no domínio do pecado.

Sim, nenhum sistema é perfeito e haverá muitas queixas a fazer sobre o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, cuja criação foi aprovada em setembro de 1979 e que iria mudar de forma definitiva a forma como os portugueses vivem hoje em dia.

Mas a verdade é que a revolução na saúde é uma das principais conquistas do 25 de Abril, independente das ideologias ou posicionamentos políticos. Com a pandemia da Covid-19, coube ao SNS segurar as pontas de uma situação que podia ter sido bem mais caótica.

Por isso, como muitas vezes nos esquecemos da importância de ter um serviço de saúde universal, aqui deixamos alguns exemplos da mudança que a revolução de Abril trouxe a esta área da vida dos portugueses. Não devemos ser acríticos, nem deixar de apontar o que não está certo. Mas, convém dizer, ser mal agradecidos também não nos fica bem.

Revolução na saúde: o que mudou

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Mortalidade infantil

Atualmente, Portugal tem uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo. Mas o cenário nem sempre foi tão animador. Muito pelo contrário. Até ao 25 de Abril, o país apresentava números quase grotescos.

Em 1970, morriam em Portugal 58 crianças com menos de um ano por cada 1000 nados vivos. Hoje o número é de 2,7 por mil, abaixo mesmo da média europeia.

A assistência hospitalar às grávidas era incipiente, recorrendo-se, na esmagadora maioria dos casos, às parteiras, ou “senhoras habilidosas”, sem qualquer formação médica. O que bastas vezes tinha resultados desastrosos.

Com o advento da democracia, também a esperança média de vida dos portugueses aumentou consideravelmente. Se em 1960 a média dos homens andava nos 60,7 anos e a das mulheres nos 66,4 anos, chegados à atualidade vemos que a esperança média de vida nos homens subiu para os 78,1 anos e a das mulheres para os 83,7.

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Planeamento familiar

Antes do 25 de Abril, dizia-se que Portugal vivia sob a tríade de Fado, Futebol e Fátima. A verdade é que dimensão religiosa quase que se confundia com o próprio Estado, o que levou a que muitos avanços e conquistas que iam grassando Europa fora marcassem passo por cá. O planeamento familiar é um caso gritante. O aborto clandestino ceifava a vida a muitas, demasiadas, mulheres.

A contracepção era um tabu. A pílula chegou aos país em 1962, mas era indicada apenas para a regulação dos ciclos menstruais. O facto de poder evitar gravidezes indesejadas era quase um segredo.

Só com a revolução na saúde, decorrente do 25 de Abril, a mulher começa a abrir os seus horizontes, quer em termos médicos, quer em termos cívicos. Uma luta que ainda está longe de se considerar ganha.

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O “João Semana”

Principalmente nas zonas rurais, a escassez de médicos fazia com que o tratamento de muitas maleitas se fizesse no seio familiar, na maior parte das vezes com recurso a mezinhas populares. Ainda assim, havia alguns profissionais que se aventuravam pelos caminhos das aldeias ou pelas agrestes cumieiras para fornecer o mínimo de cuidados médicos a uma população pobre e iletrada. É o mito do médico “João Semana”, muitas vezes pago com víveres.

O médico de família era um conceito inexistente, os centros de saúde eram raros e grande parte das hospitalizações tinham que ser pagas (a não ser que se obtivesse uma decoração de indigência).

Hoje em dia, ainda há uma parte significativa da população sem médico de família, mas o acesso à saúde democratizou-se e as unidades hospitalares multiplicaram-se.

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SNS: a grande revolução na saúde

A criação do Serviço Nacional de Saúde, que se torna lei em 1979, é um momento decisivo no alavancar da qualidade dos cuidados de saúde até então prestados ao portugueses.

Estabeleceu-se o direito à proteção na saúde, através de um sistema universal e gratuito. Como consequência, a cobertura dos cuidados à população quase que duplicou, com uma melhoria significativa de todos os indicadores de saúde.

É, muito provavelmente, a mais pacífica das conquistas do 25 de Abril, se bem que se comecem a discutir métodos diversos de garantir o acesso à saúde. A direção unificada, a gestão descentralizada e participada e, principalmente, a gratuitidade do SNS esbarram nos números da sustentabilidade do sistema. Mas a verdade é que ele foi absolutamente crucial para que o crescimento e desenvolvimento dos portugueses.

Mudanças à vista?

Como se pode por alguns dos exemplos aqui tratados, a revolução na saúde empreendida após o 25 de Abril teve um alcance brutal, levando muita gente pela primeira vez a uma consulta, a fazer um exame de rotina ou na prevenção de muitas doenças passíveis de serem tratadas a montante.

Tem os seus defeitos, as suas vulnerabilidade, mas olhando para a forma como a saúde é encarada em alguns países (sendo o mais célebre o caso dos Estados Unidos da América, onde milhões de cidadãos continuam sem acesso a cuidados de saúde por não possuírem seguros privados), talvez seja altura de perceber que o SNS pode, e deve, ser reformado. Aniquilado é que já não parece ser boa ideia.

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