A Estrada Atlântica não é uma estrada, é uma sequência de humores. Tanto oferece um corredor de pinheiros a mastigar a luz, como abre o horizonte com aquela brutalidade mansa da costa oeste.
Começa sempre assim, meio por acaso. Damos por nós a atravessar a Mata do Urso, com aquele cheiro a resina e sal que parece ter aprendido a coexistir ali, quase como vizinhos que já não se estranham.
Há qualquer coisa naquele silêncio ondulado da mata, uma espécie de aviso suave. Daqui para a frente, vai conduzir ao ritmo do mar, quer queira, quer não.
O barulho do mar chega às vezes atrasado, como se tivesse sido chamado à pressa. Pés ao caminho, ou nos pedaisa, que o percurso é longo.
Estrada Atlântica: a pedalar ou a caminhar
Entre a Mata do Urso e a Praia do Pedrógão, o percurso é quase meditativo. A estrada enrola-se, desenrola-se e percebe-se que se está a atravessar uma das ecopistas mais singulares do país.
Há quem a faça de bicicleta, há quem prefira caminhar. E há quem a percorra devagar, só para ir colhendo pedaços de paisagem como quem junta conchas num saco de papel. E funciona. Parece simples, e é mesmo isso.
Depois do Pedrógão, a estrada muda de humor outra vez. Entra-se na zona das dunas e sente-se aquele vento que quase fala. A areia insiste em atravessar o alcatrão, teimosa, e é aí que se percebe o porquê de tanta gente descrever este troço como “selvagem”.
É selvagem, sim, mas é um selvagem cortês. Não esmaga. Não expulsa. Apenas lembra que estamos a atravessar um lugar onde a natureza fala mais alto que qualquer motor.

São Pedro de Moel
Chegar a São Pedro de Moel é como entrar numa fotografia antiga onde tudo foi arrumado com gosto, mas sem exageros.
A luz ali faz truques estranhos, especialmente ao final da tarde, quando o mar parece engolir o sol com uma paciência quase ritual. Se tiver sorte, apanhs os pescadores na lota ou os cães a correr no paredão, cada um no seu mundo, mas alinhados com o resto.
Segue-se a Marinha Grande, mas quase como nota de rodapé. Porque a estrada, teimosamente fiel ao litoral, não se quer afastar muito do mar.
E percebe-se porquê quando a vista se alarga novamente a caminho da Lagoa de Pataias, um espelho de água que muda de cor de forma quase irritante. Ora cinzento, ora verde, ora azul deslavado, consoante o humor do céu.
E depois há aquele momento em que percebes que estamos próximos da Nazaré. Nem é preciso o GPS. Sente-se o corte abrupto do relevo, as arribas quase em pose dramática, e às vezes até o eco distante de alguém a explicar a um turista que sim, é aqui que as ondas gigantes acontecem.
A Estrada Atlântica usa Nazaré como se fosse uma vírgula. Não é o destino final, mas é uma pausa obrigatória, um parêntesis cheio de histórias.
Estrada Atlântica: o final na Foz do Arelho

A partir daí, a estrada leva-nos pela costa com a calma de quem sabe que se está a aproximar de algo especial.
A Lagoa de Óbidos aparece primeiro como um rumor, um brilho tímido entre as árvores, até finalmente se assumir como a lagoa longa, mansa, cheia de miúdos a fazerem paddle e adultos a tentar manter o equilíbrio, quase sempre sem sucesso (faz parte).
E então, como recompensa final, surge a Foz do Arelho. Aquele sítio onde a lagoa se encontra com o mar como quem tenta contar uma história em duas línguas ao mesmo tempo.
Depois do lado sereno, do azul tranquilo da lagoa, surge, logo ali ao lado, o mar a bater com intensidade suficiente para lembrarmos que somos frágeis. É bonito. Mesmo quando não quer ser.
A Estrada Atlântica, vista de cima, parece uma linha traçada à mão por alguém apaixonado por esta costa. Vista ao nível do chão, é uma viagem que obriga a abrandar, a observar, a admitir que não controlamos tudo.
Há vento, há sal, há curvas, há troços em que o pinhal quer engolir a estrada. Mas há também um dos percursos mais autênticos e menos artificiais do centro do país. E, sinceramente, vale cada metro.