Luana Freire
Luana Freire
31 Mai, 2022 - 16:29

É fundamental promover a autonomia dos mais idosos

Luana Freire

À conversa com Carmen Garcia sobre a falta de apoios eficientes no cuidado ao idoso que perde autonomia e mobilidade.

“Este país não é para velhos” é o título de um filme vencedor de quatro prémios Óscar, um enorme sucesso do grande ecrã e um hipnótico thriller em que a vida decide-se pelo atirar de uma moeda ao ar, como se já nada pudesse importar. Como se o tempo fosse finito para breve e de nada significassem os próximos instantes.

Na vida real, o nome do filme pode, tantas vezes, descrever a realidade social e económica de pessoas que vivem a vulnerabilidade do envelhecer num contexto onde a idade pesa para além daquilo que tantos não veem: um idoso com necessidades novas.

O tique-taque do relógio que agora já se ouve pelo silêncio que se faz, ou pela ausência das tarefas que já não se podem cumprir. A solidão que toma o lugar de uma vida antes ativa. Ou, talvez, o corpo doente e uma cabeça cansada, que já não permitem a mesma agilidade vista num passado. Tudo parece sinónimo do inevitável correr da vida.

A realidade do idoso tantas vezes é distante para uma sociedade que vive sem tempo, a cumprir prazos, presa no trânsito das cidades, nas rotinas às quais se impõem.

Envelhecer é uma questão onde continuam a caber muitas discussões e este foi, aliás, tema de conversa entre o Ekonomista e Carmen Garcia – enfermeira de olhos postos na terceira idade e voz ativa pelos direitos de quem já viveu demasiados anos para não ser cuidado com dignidade.

A entrevista foi mote para um momento em live onde se falou sobre o direito ao acesso à soluções de mobilidade, cuidados especializados, condições e políticas direcionadas aos mais velhos em Portugal, sem esquecer de deixar o alerta de intervenção precoce para garantir qualidade de vida por mais tempo.

Como o idoso é visto pela sociedade?

Olhamos para os nossos mais velhos como inúteis e esquecemos do que foram e do que ainda podem ser.

Naturalmente, olhamos para os últimos anos de vida dos outros como um período de inevitável degradação física, emocional e mental, como se não houvesse formas de minimizar os impactos do envelhecer. Para Carmen Garcia, a resposta social passa, exatamente, por mudar esta mentalidade e tentar encontrar formas de assegurar a autonomia do idoso por mais tempo.

A enfermeira esclarece que, quando damos conta dos primeiros sinais de demência no idoso, o declínio da saúde é, muitas vezes, um processo que se dá rapidamente. Por isso, para a profissional, é imprescindível que as pessoas estejam bem informadas sobre a importância de intervir e não estejam limitadas apenas a permitir que a natureza cumpra o seu papel.

É fundamental que se encontrem, por exemplo, formas de manter, pelo máximo de tempo possível, a autonomia das pessoas mais velhas – no entanto, adianta, o assunto ainda precisa de ser levado até à população, para que chegue aos cuidadores a tempo de mudar muitos comportamentos habituais e enraizados.

Afinal, continuamos a cuidar dos mais velhos como vimos fazer e repetem-se erros básicos, regra geral por falta de informação adequada. E esses erros comprometem o bem-estar de quem está em processo de envelhecimento.

Os primeiros sinais que indicam necessidade de ajuda

Embora afetem diretamente os idosos, a verdade é que os primeiros sinais de demência e de maiores restrições de mobilidade tendem a ser ignorados pelos próprios, que passam a adaptar-se à nova realidade. Por isso, são as pessoas próximas que percebem mais rapidamente as novas condições e o risco agravado de acidentes.

Em termos físicos, Carmen Garcia lembra que podem coexistir até vinte patologias diferentes no corpo de um idoso e todas elas contribuem para a degradação do seu estado físico e para a perda de mobilidade. A razão? Vivemos hoje mais anos. Vivemos mais tempo, porém, mais doentes.

Muitas vezes, os sinais físicos são os que provocam maior sensação de alarme, enquanto que os cognitivos são vistos como “naturais”. A enfermeira deixa o alerta: estar atento ao declínio cognitivo é importante, já que pode provocar ou agravar os riscos de queda, por exemplo.

A demência não mata? Mata, claro. As demências interferem na parte física, na perda de autonomia. Numa fase terminal de demência as pessoas deixam de poder alimentar-se, ficam acamadas. O final de todas elas é uma situação de total dependência. 

Sinais cognitivos a ter em atenção pelas pessoas próximas do idoso:

  • Falhas de memória;
  • Discursos incoerentes;
  • Comportamentos desajustados às situações;
  • Falta de noção de tempo e espaço – Sabem quem são? Em que dia e onde estamos?

A especialista esclarece que, quando são identificados estes primeiros sinais de demência no idoso, a solução imediata passa pela intervenção o mais precocemente possível. “Todos devem ter consciência das dificuldades e pedir apoio especializado, procurar fisioterapia, proceder à adaptação do espaço”, adianta Carmen Garcia.

E se pudéssemos contar com uma bolsa para aluguer ou instalação de equipamentos para a mobilidade dos idosos?

Adaptação do espaço e promoção da autonomia

Assim, devemos olhar para o espaço à volta e perceber o que podemos adaptar para tornar o dia a dia do idoso mais simples e, sobretudo, evitar acidentes. Se uma banheira já não faz sentido, pelo risco de queda, então tem de sair e dar lugar a um piso de duche.

Se há necessidade de instalar uma cadeira para subir escadas, como as que são disponibilizadas pela marca Stannah, temos de o fazer para preservar as capacidades físicas dos mais velhos. Um treino de marcha, feito com um fisioterapeuta, ou aparelhos de mobilidades são de extrema importância. Para a enfermeira, é preciso atenção “desde os primeiros sinais da perda de mobilidade”.

Perda de autonomia e mobilidade

Carmen Garcia não esconde alguma deceção quanto à realidade da esmagadora maioria dos idosos em Portugal. As casas nunca foram pensadas para este tipo de problemáticas, inerentes ao avançar da idade, e imensos idosos vivem sozinhos, por vezes em edifícios sem elevador, sem apoio no interior das instalações. No entanto, não deixou de destacar que estas são “situações complexas que não dependem só das famílias”.

Nunca nos preocupamos em formar cuidadores (…) A família é a primeira linha de defesa do idoso, mas há muita falta de literacia na área geriátrica e no saber cuidar.

A conversa flui, então, do tema da mobilidade para a questão social, política e económica dos idosos em Portugal.

“Não conseguimos mudar o paradigma”, começou por dizer Carmen Garcia, em referência à ideia de que a perda de autonomia é um processo natural da vida, para o qual não devemos repensar soluções.

Envelhecer em Portugal

As questões de gestão de políticas para os idosos não ficaram de fora da conversa. De acordo com a enfermeira, existe uma enorme falta de capacidade de logística e financeira, na generalidade dos casos de quem é idoso ou de quem precisa de cuidar de um.

“Tudo é mais fácil para os idosos com capacidades financeiras”

Portugal não é um país para velhos, que respeita e planeia algo para os seus idosos. Sem ser pessimista, gostava de mudar isso antes de chegar à velha. O paradigma atual é assustador.

Cuidadores: falta de apoio e formações

Carmen Garcia esclarece que os cuidados ao idoso quase sempre funcionam na base da boa vontade e que Portugal ainda tem um Estatuto do Cuidador Informal bastante aquém do que é razoável, apesar de tão “celebrado” pela liderança política.

Ninguém pode parar de trabalhar para isso (cuidar de um idoso). As pessoas devem ter condições de viver enquanto cuidam dos seus idosos. Na parte económica, há muito percurso necessário.

A responsabilidade, na opinião da especialista, é de uma sociedade que não se preocupa em formar quem cuida e de oferecer apoios financeiros adequados a quem precisa.

A enfermeira defende que os cuidados primários de saúde são importantes, mas o papel das autarquias é fundamental – nomeadamente na promoção de formações, na oferta de apoio aos cuidadores e na gestão de uma equipa enfermeiros que possa realizar a monitorização dos idosos que estão em casa, colmatando problemas atempadamente.

Os lares para o idoso

Nunca deixamos de ser responsáveis pelos idosos, mesmo quando estão num lar. Os familiares devem estar próximos, fazer perguntas. Não temos de aceitar o que o lar impõe na generalidade das situações.

No entender de Carmen Garcia, os processos de institucionalização são sempre uma violência, mesmo quando esta é uma escolha própria do idoso. A adaptação é violenta pela perda da rotina pessoal e familiar, bem como das condições conhecidas em casa. As refeições e banhos têm horas definidas e não existe flexibilidade, sequer, para a hora do acordar e deitar-se.

Diante do assunto, a especialista sensibiliza para o facto de ser extremamente importante entregar o idoso aos melhores cuidados – e deixa dicas para a escolha do lar adequado.

Muito importante: sabemos muito sobre a qualidade quando percebemos as rotinas e quantas pessoas há no lar a trabalhar por turnos.

  • As técnicas de imobilização do idoso são inaceitáveis – “uma restrição física gravíssima”.
  • Procure saber quantos auxiliares existem por turno.
  • É fundamental que haja atendimento de enfermagem, diariamente – “são instituições de saúde, devem ter enfermeiros todos os dias”.
  • Informe-se se há medico e quando vai para fazer o acompanhamento do idoso.
  • Pergunte quem prepara a medicação.

O idoso do futuro

Sem mostrar-se otimista diante do cenário atual, em termos de politica, Carmen não acredita numa mudança significativa nos próximos tempos e defende que seja promovido um debate mais eficiente sobre o que significa ser idoso em Portugal. Para a enfermeira, a prioridade presente deve passar pela adoção de medidas que façam a diferença na vida do idoso, com a simplificação do acesso a soluções para uma vida mais independente.

É preciso repensar a acessibilidade dos idosos e a promoção da sua autonomia para o alcance de uma maior qualidade de vida, por mais tempo. A autonomia na velhice deve ser preservada, bem como deve ser garantido o acesso a acompanhamento especializado e a equipamentos que tornem possível uma rotina mais independente para os mais velhos. As baixas reformas e pensões de apoio que pouco passam dos 100 euros não bastam – “ficam na farmácia”, alerta a enfermeira.

elevador Stannah

Stannah

Esta conversa com Carmen Garcia teve o patrocínio exclusivo da Stannah, o único fabricante de elevadores e escadas a trabalhar diretamente em Portugal. A marca colabora com investigadores na área das doenças musculoesqueléticas para encontrar o melhor design e ergonomia dos equipamentos de mobilidade. Visite o site da Stannah e conheça todo o portfólio e soluções de financiamento.

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